pode comer fruta, mas ser fruta não
Ana Paula Oliveira é brasileira, tem 29 anos e é árbitra. Tinha, diz, um sonho: arbitrar no Mundial de 2014. Tirando isso, é uma morenaça jeitosa e trabalha também como modelo. Vai daí, a Playboy propôs-lhe pousar nua. Ela aceitou fazê-lo na edição de Julho e assinou o contrato. Quando a coisa se soube, a FIFA resolveu retirá-la do seu circuito, invocando uma quebra do regulamento. É que, explicam os responsáveis da Federação Internacional de Futebol, ela violou uma norma do Comité de Arbitragem da FIFA, que recomenda "discrição" aos árbitros e fiscais de linha . Há quem alegue que os erros cometidos pela árbitra na semifinal da copa brasileira terão também pesado na decisão - erros que lhe valeram, aliás, algumas apreciações deslumbrantes por parte de técnicos e dirigentes desportivos. O presidente do Botafogo, que foi prejudicado em dois golos pela arbitragem de Ana Paula, aproveitou a ocasião para contestar a presença de mulheres nas equipas de juízes, alegando ser "uma porcaria que só acontece no Brasil", já que "nos campeonatos europeus e no Mundial nunca se ouviu falar de mulheres a apitar". Compreenda-se pois que fizesse Ana Paula o que fizesse, fosse bonita ou feia, curvilínea ou tábua, a vida dela como árbitra num meio em que impera a sofisticação da linguagem e em que as mulheres ou são troféus ou são troféus (e, não, não me enganei, é mesmo assim) nunca primaria pela facilidade. Claro que Ana Paula fez o pior que podia fazer: chamou ainda mais a atenção para o facto de ser mulher. Ora isso é de uma indiscrição imperdoável. Em vez de se disfarçar, Ana Paula achou que tinha direito a usar um dos seus utensílios de trabalho - o corpo que rentabiliza na actividade de modelo - para ganhar uma pipa de massa. Se, como tantos dos homens do futebol, se limitasse a apalpar o rabo aos colegas, a aparecer nas revistas rodeada de corpos seminus, a exibir o torso e as nádegas de sex symbol na Vogue , na Vanity Fair ou na Sports Ilustrated , a dar gás a falatórios sobre as suas conquistas, a ser comentada por alegadamente participar numa festa com "fruta" à discrição ou a ser acusada de receber "fruta" no quarto de hotel como penhor de uma arbitragem mais "compreensiva", ainda vá. Mas Ana Paula quis fazer de troféu de si mesma, ser a fruta e comê-la. E tungas, levou o castigo merecido. Que é que ela julgava, que podia portar-se como um homem? (texto publicado na coluna Black Out, no suplemento Sport do DN de sábado)

