Ecos de outras blasfémias
A tensão religiosa está ao rubro na Malásia com os ataques dos últimos dias, com bombas incendiárias ou à pedrada, a nove igrejas cristãs e a pelo menos um templo sikh. No Malaysian Insider, um artigo muito lúcido analisa as raízes da violência que se vive no país e aponta aquilo que deveria ser óbvio: não há liberdade religiosa quando o Estado não é neutro em matérias de religião. Para além disso, leis que encorajam o identitarismo religioso, como a recente lei da blasfémia irlandesa ou as muitas leis debitadas numa Malásia cada vez mais fundamentalista, mais não fazem que entricheirar os cidadãos em função da religião e alimentar tensões que não existiriam se o Estado fosse laico.
De facto, na base da controvérsia está uma lei da blasfémia introduzida pelo governo malaio no ano passado. Com uma população multi-étnica e multi-religiosa em que cerca de 60% da população é muçulmana, o governo resolveu apelar à maioria banindo o uso da palavra Allah por não muçulmanos. O termo, muito anterior ao islamismo, é usado há séculos por outras religiões em muitas zonas do globo e a ICAR malaia decidiu contestar esta lei da blasfémia. O Supremo Tribunal deu razão à ICAR dia 31 de Dezembro mas o governo recorreu da decisão sustentando que Allah é uma palavra exclusivamente islâmica. Muitos muçumanos, sem qualquer surpresa, consideram que a decisão judicial é um ataque à sua religião e que o uso de Allah por outras religiões uma blasfémia inadmissível.
As palavras de um dos manifestantes contra a blasfémia explicam o que quero dizer e ilustra também os perigos da ditadura da maioria que alguns confundem com democracia: «Islam is above all. Every citizen must respect that. I hope the court will understand the feeling of the majority Muslims of Malaysia. We can fight to the death over this issue».

