Com que então há uma "pressão gay" sobre Cavaco? A pressão é outra.
Fazer disto uma notícia, chamar-lhe "pressão gay" sobre Cavaco é para rir ou é para chorar? Estamos, portanto, a falar de um daqueles grupos do facebook. Sim, senhora. Que "pressão gay" insuportável. Imagino que Cavaco Silva, neste momento, esteja a tomar calmantes, porque não queria promulgar o decreto da AR, mas, perante a multidão assustadora de gente, os "gays", que se juntaram no facebook, já não se sente livre para abrir a Constituição e escolher entre o artigo 136º e o artigo 278º. Promulgo? Envio para o Tribunal Constitucional (TC)? Meu Deus, e o o facebook?
A parcialidade com que este assunto é tratado é, ela sim, uma pressão.
Antes das eleições, apenas quem era favorável ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (CPMS) se pronunciou. Estou a referir-me aos partidos políticos que o inscreveram nos seus programas. Os outros, nada. Nem referendo, nem inconstitucionalidades quanto à adopção, nem uniões civis registadas, zero.
Subitamente, agora que Cavaco será chamado a promulgar um decreto aprovado na sede máxima da legitimidade democrática, é ver os artigos e as palavras dos juristas contrários ao CPMS no sentido de que a proposta do Governo é um "aborto jurídico", para dar um exemplo, nas palavras do meu querido Professor Marcelo Rebelo de Sousa.
Afinal, todos descobriram que a exclusão da faculdade de um casal do mesmo sexo se candidatar a um processo de adopção (que apelidam de "direito") é violador do princípio da igualdade. Quem não é jurista facilmente compra a ideia sem mais, porque pensa que basta uma "desigualdade" para se violar a Constituição.
A questão é que todos eles, penso que não preciso fazer os links, todos eles, Bacelar Gouveia e companhia vêm agora explicar que o PS "introduziu" uma desigualdade inconstitucional com este diploma. Como se a discriminação não existisse há anos e anos noutros diplomas.
Isto por acaso não é "pressão de juristas" para a não promulgação por parte de Cavaco? É. E, já agora, por que não? Pois que a façam. Mas que quem quiser aponte a estratégia e a falta de genuinidade no súbito apego à CRP.
É que, na verdade, eu gostaria de perguntar, por exemplo ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que tanto estimo, repito, que comentário fez ao artigo 7º da Lei 7/ 2001, de 11 de Maio, que discrimina, expressamente, para efeitos de acesso à adopção os unidos de facto do mesmo sexo? Viola o princípio da igualdade, Senhor Professor? A pergunta vale para todos, naturalmente. Todos os que ficaram calados, nessa data.
E já agora, senhores juristas que chamam a atenção de cavaco para a igualdade, qual foi o vosso parecer sobre o artigo 4º da Lei nº 32/2006, de 26 de Julho (lei da procriação medicamente assistida). E hoje? Qual é o vosso parecer? É que hoje, mesmo com a aprovação do CPMS, ao contrário de que foi falsamente noticiado, duas lésbicas casadas não podem recorrer à PMA. É ir ler o artigo 4º da referida lei. E então? E o princípio da igualdade?
Qual foi o parecer do Professor Marcelo Rebelo de Sousa aquando da aprovação daquele diploma? E qual é o seu parecer agora?
Mais: qual foi o parecer destes Professores aquando, em 2009, da proposta de lei das uniões de facto, do Governo, que mantinha a discriminação no acesso ao instituto da adopção por parte de unidos de facto do mesmo sexo?
A resposta a todas estas questões é um enorme e incómodo silêncio. Ninguém pensou no artigo 13º da Constituição, antes ou depois da revisão de 2004, no que toca a conjugalidades de primeira e conjugalidades de segunda.
Agora, depois de uma longa luta e de um voto democrático, agora que a lei diz que o casamento deixa de ser privilégio de uma maioria, vêm todos a correr, desatam a escrever sobre igualdade, pela primeira vez, condicionando Cavaco Silva, com a força que ninguém analisa, pois o que merece análise são os identificáveis comos "gays" do facebook.
Justiça seja feita a Vital Moreira, que sempre disse que o legislador era livre de fazer o que entendesse. Mantém-se na sua.
E quanto a Cavaco, faço, também, "pressão", mas abertamente. Faço, pois.
Este decreto resulta de um programa eleitoral escrutinado. Foi aprovado democraticamente na AR. O Governo está a cumprir o seu programa. Cavaco jurou cumprir e fazer cumprir a Constituição. Por isso, se, para nosso desconhecimento, tem dúvidas quanto à constitucionalidade do decreto aprovado pela AR no dia 10 de Janeiro, por causa da questão da adopção, já que o casamento em si já foi legitimado pelo Tribunal Constitucional, Cavaco tem, por consequência lógica, vários deveres a cumprir:
a) requerer a fiscalização sucessiva abstracta da lei nº 7 /2001, de 11 de Maio;
b) requerer a fiscalização sucessiva abstracta da lei 32/2006, de 26 de Julho;
c) explicar aos portugueses por que razão, aquando do veto da proposta de lei das uniões de facto de 2009, não incluiu, entre os fundamentos do veto, a magna questão da igualdade de acesso dos unidos de facto do mesmo sexo ao instituto da adopção. É que, como ensina Jorge Miranda, as questões de constitucionalidade precedem as questões políticas.
Pela minha parte, se o decreto que aprovou o CPMS for enviado para o TC, fico à espera que Cavaco faça o que decorre de um juramento que exprime uma medida importantíssima da sua função e já agora que se explique.