a lei que rende injustiça
As medidas anunciadas no novo Orçamento do Estado "para dinamizar o mercado do arrendamento" - um alargamento da possibilidade de desconto, em sede de IRS, do valor das rendas por parte dos inquilinos e a hipótese, para quem efectue obras de reabilitação em imóveis para arrendar ou em casas arrendadas, de isenção de IMI assim como de uma tributação reduzida de IRS - só podem ser vistas como um reconhecimento de que a chamada lei das rendas (o Novo Regime do Arrendamento Urbano, ou NRAU) não serviu para nenhum dos objectivos propalados à época da sua aprovação e entrada em vigor (Setembro de 2006).
De facto, como poderia um diploma que zela para que seja praticamente impossível a um senhorio que recebeu décadas de rendas baixíssimas aumentá-las para valores razoáveis e tendentes a ressarci-lo de prejuízos acumulados e que, além disso, obstaculiza ao máximo o fim dos contratos de arrendamento criar qualquer movimento no mercado? Como pode uma lei que caso haja más condições de conservação dos imóveis obriga o proprietário a fazer obras antes de aumentar as rendas (sendo que o valor das obras, ao contrário do das rendas, não foi sujeito a congelamento durante décadas e portanto implicará gastar o que jamais será possível recuperar) incrementar a reabilitação? Quem é que poderá estar interessado em investir para (continuar a ) perder dinheiro?
O NRAU não se limita, porém, a prolongar o regime de excepção e privilégio que faz dos inquilinos com arrendamentos anteriores a 1990, independentemente dos seus rendimentos, uma espécie protegida e dos senhorios correspondentes os seus reféns. Chega ao ponto de, no seu delírio de protecção, permitir que os arrendatários por ele abrangidos tenham direito, em situações rigorosamente idênticas de rendimentos do agregado e de valor da renda, a subsídios de renda bastante mais elevados que os previstos no regime geral da Segurança Social (para quem não saiba, é o regime existente para pessoas que efectivamente têm dificuldade em pagar as rendas). No âmbito do NRAU são até elegíveis para subsídio agregados com rendimentos até cinco salários mínimos mensais, ou seja, mais de 2000 euros - basta que o arrendamento esteja em nome de alguém com mais de 65 anos. Que conceito de justiça social justificará isto?
Numa altura em que se discutem as rendas "incrivelmente" baixas das casas da Câmara de Lisboa, um diploma com três anos atenta olimpicamente contra o princípio da igualdade. E, já agora, da racionalidade: como pode um Governo dizer que quer incrementar o mercado de arrendamento quando mantém em vigor uma lei que decreta a perseguição e o sacrifício dos senhorios? Não é preciso decerto ser constitucionalista nem sequer jurista para perceber que estamos perante uma aberração jurídica. O NRAU é uma obscenidade em forma de lei, uma lei que rende injustiça. E se nunca é tarde para reconhecer erros, a sua revogação virá sempre tarde de mais.
(publicado hoje no dn)