15 de agosto
Pergunta singela: alguém sabe a razão por que é hoje feriado? Ou, ao menos, que feriado é? Eu relembro: 15 de agosto, Assunção de Nossa Senhora. Gostava de, um dia, ter estatísticas não-vale-olhar-para-o-calendário. Apesar do fortíssimo - para não dizer invencível - conservadorismo nacional sobre tudo o que envolve "feriados" (fazendo convergir Igreja, PCP, esquerda, direita, funcionários públicos, católicos, ateus, sindicalistas e simples "homem da rua"), acredito que não serão muitos os que saberão exatamente do que se trata. A razão do feriado. Não interessa muito, pois não?
Interessa, sim. Não é um feriado religioso qualquer. Não envolve os fundamentos do cristianismo (como o nascimento, a paixão ou a ressurreição de Cristo) , é apenas uma festa religiosa baseada numa tradição apócrifa, sem base bíblica, segundo a qual Maria ascendeu aos céus após a sua morte. E é feriado porquê? Porque, em 1950, o papa Pio XII transformou-a em dogma da Igreja Católica, tornando-a, assim, indiscutível, segundo os preceitos da infalibilidade papal decretada pelo Concílio Vaticano I (em 1870). E o que dizem estes? Que o papa, quando emite juízos ex cathedra (ou seja, "na cadeira" de S. Pedro), está isento de erro, porque é guiado diretamente pelo Espírito Santo. Infalível, portanto. Isto não pode ser discutido: é um dogma. Sabem quantas vezes foi invocada a infalibilidade papal, desde essa data (excluindo processos de canonização)? Uma. Exato, essa.
Não tenho preconceitos anti-católicos que me levem a não aceitar um feriado de base religiosa. Mas já os tenho quando a única coisa que o justifica é um dogma suportado por outro dogma.
Esta caiu-me hoje no regaço porque estou a ler uma obra de um teólogo católico, de seu nome Hans Kung, que apelou recentemente ao atual papa para rever o dogma da infalibilidade e que personifica o ecumenismo e o diálogo entre religiões (e civilizações), talvez a última esperança de renovação de uma Igreja bloqueada. E sim, a obra é "Islão - Passado, Presente e Futuro", que deveria ser de leitura obrígatória para fazer uma barrela à ignorância das tantas centenas de pseudoespecialistas em islão que todos os dias mandam bitaites de bancada sobre o assunto na imprensa portuguesa. Este, por exemplo.