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jugular

a verdade velada

O uso de véu por mulheres, seja integral (burqa e hiqab) seja parcial (hijab) merece-me o mais vivo repúdio. A ideia de que as mulheres devem andar tapadas, total ou parcialmente, porque essa é a única forma de serem respeitadas e respeitáveis - de "estarem seguras" - é para mim uma afirmação de desigualdade intolerável. Sou contra qualquer imposição do seu uso. Mas os mesmos motivos que me levam a rejeitar vigorosamente o véu e a sua imposição - os princípios da igualdade e da liberdade individual - obrigam-me a recusar a sua interdição total.

 

A Turquia foi, creio, o primeiro país do mundo a decretar uma interdição do véu em quase todo o espaço público, numa imposição musculada da laicidade. Farol laico da Europa, a França lançou em 2003 o debate com o relatório Stasi, solicitado por Chirac a um conjunto de "sábios" e concretizado em 2004 numa lei que interdita o véu (como outros sinais exteriores de religiosidade), nas escolas públicas (para estudantes e professores) e a funcionários de serviços públicos. Em França, a interdição parou à porta da universidade, onde as alunas são livres de usar véu;na Turquia inclui as universitárias.

É nesta distinção entre o respeito pela auto-determinação de adultas (desde que não vinculadas a uma tarefa de representação estatal) e a imposição da regra a todas as mulheres que para mim se risca a fronteira. É certo que o actual debate em França se prende com o uso de véu integral - aquele que tapa a cara toda ou mostra apenas os olhos. E que os argumentos utilizados pelos defensores da interdição, como Sarkozy, incluem o direito fundamental à identidade, cruzando-o com preocupações de segurança que em alguns casos fazem sentido (num banco, ao descontar um cheque, é necessário certificar que a fotografia do BI corresponde à portadora). Mas dizer que tapar o rosto corresponde à negação da existência é equivaler a individualidade e a integridade do Eu ao reconhecimento dos outros - reconhecimento visual, ainda por cima.

 

Eu sou de quem? É esta a pergunta radical que a discussão do véu coloca. É, claro, uma pergunta que só se pode fazer num mundo livre - o mundo em que quero viver e que espero a Europa seja. Um mundo em que cadaum é radicalmente de si próprio, sendo aquilo que decidir ser (e não aquilo que o deixam ser), e onde não pode existir um direito colectivo ao seu rosto, como não pode existir um direito colectivo à respectiva elisão. O rosto, o corpo, a vida é de cada um. E dizer que as mulheres que usam véu precisam desta interdição para se libertarem é dizer que não lhes reconhemos a capacidade de serem livres. Mas, a ser assim, tanto faz usarem ou não véu. Verdade?

 

(publicado hoje)

6 comentários

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    bossito 29.01.2010

    Discordo desse ponto de vista, o objetivo não é libertar mulheres, e admito até que algumas imposições legais agravarão a prisão de algumas delas. Mas a lei não é feita para quem usa burqa, é feita para todos e prende-se sobretudo com questões de segurança. A lei não era necessária até agora, porque os poucos motivos que levavam pessoas a terem o rosto coberto no espaço público - ex. Carnaval - nunca foram obstáculo para se exigir a revelação do rosto para se ser atendido, é a questão religiosa que torna essa exigência simples e fácil  em várias situações num tabu e consequentemente a sua negação num direito que me parece perigoso.
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    Shyznogud 29.01.2010

    Já percebi gde parte da nossa discussão, tu não estás bem a ver o q se discute em França. As questões de segurança são absolutamente menores e quase irrelevantes no relatório e no q anda a ser dito. Vale a pena perder um bocadinho de tempo, a sério.

    http://www.assemblee-nationale.fr/13/rap-info/i2262.asp#P444_60188
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    bossito 29.01.2010

    Mas o meu problema é esse. Podemos concordar com uma lei por vários motivos diferentes. E parece-me mais fácil defender esta lei junto do grande público com essa argumentação, até porque bater demasiado na tecla da segurança alimenta estereótipos dispensáveis à discussão. Mas para mim, esse é o problema e esse é o meu desconforto. Tive só 2 ou 3 experiências de contacto forçado com pessoas de burqa e todas elas foram extremamente desconfortáveis e eu não tenho que ter que lidar com isso. Creio que não peço muito (atender pessoas de rosto descoberto). Mas se isso não estiver na lei, como o posso exigir? Não posso, ainda sou processado a seguir por discriminação religiosa. Não era o primeiro...


    Agora, longe de mim querer acabar com todas as punições e castrações autoimpostas por esse mundo fora a pretexto religioso ou outro.. desde que não me afetem, desde que eu não seja prejudicado ou colocado em situações de insegurança, força aí, apertem bem esses cilícios, dai-lhes com força!
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    Shyznogud 29.01.2010

    Clarificando para q não fiquem dúvidas, não é o teu desconforto q me fez escrever o anterior comentário.
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    bossito 29.01.2010

    Então fiquei na dúvida, se não é isso é o eu dizer que não tenho que lidar com isso? Sendo isso a burqa, e implicando isso o rosto e corpo completamente ocultados? É que repara, por mais voltas que a gente dê ao assunto é disso que falamos, burqas, tecido.. é assim de superficial e tolo o assunto. Mas alguém é menos ou deixa de ter a crença A ou B por ter que destapar o rosto? Antes das burqas as únicas pessoas que costumavam arrogar-se o direito de entrar em lojas ou bancos de cara coberta eram os assaltantes...
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