O processo Maria (cont.)
Nota: Este post vem na continuação, e completa, "O processo Maria"
Sobre os aspectos jurídicos assinalados na peça jornalística não me vou pronunciar, tentarei conseguir uma opinião junto de alguém com formação em Direito de Família, acho mais sensato e honesto. Vamos aos "psis", então.
Falar de um caso que acompanhamos levanta questões éticas e deontológicas importantes e sensíveis, por isso percebo que Aurea Ataíde, pedopsiquiatra assistente da Maria, não tenha podido dar informações mais detalhadas sobre o assunto (mas tenho pena, diga-se em abono da verdade). Rute Agulhas estava também obrigada ao cumprimento de preceitos éticos e deontológicos particulares por inerência do seu trabalho junto do caso, por isso optou, e bem do meu ponto de vista, por um registo objectivo e descritivo.
De acordo com informações veiculadas pela reportagem e confirmadas pelo próprio, Eduardo Sá elaborou um relatório clínico, a pedido do pai de Maria, onde concluiu pela existência de um SPA. Fiquei sem perceber em que contexto e como foi feita a colheita de dados anamnésicos, mas quero acreditar numa de duas coisas, (1) que a informação aqui deixada, segundo a qual a criança não foi objecto de observação directa, não corresponde à realidade ou (2) que a ausência desse contacto pessoal com a criança, bem como a observação in locodas suas interacções com os progenitores, tenham ficado registadas e que isso tenha sido levado em conta na elaboração das conclusões. Se nenhuma destas suposições se verificou é grave, é ainda mais grave que diagnosticar uma entidade clínica não reconhecida pelos instrumentos classificativos universalmente aceites, como assinalou Rute Agulhas.
Para além destes "pormenores" técnicos Eduardo Sá esteve mal. Mesmo com as ressalvas que foi deixando, nomeadamente referindo que não lhe foi pedido qualquer esclarecimento adicional pelo tribunal (tinha que ter sido?), teceu considerações inaceitáveis porque erradas e graves quando ditas por um técnico. São disso exemplo afirmações como "quem o promove (ao SPA) não pode ter um filho à sua guarda" ou "o pai vítima deve ter o filho à guarda" (faço um pequeno desvio para dizer que também este texto me parece muito pouco claro e não acrescenta nada de substancial).
Emílio Salgueiro, para quem não esteja a par actual presidente do colégio da especialidade e uma referência da pedopsiquiatria nacional (sugiro que consultem o Daniel Sampaio e o Júlio Machado Vaz sobre os créditos do Emílio Salgueiro, já agora) tocou na ferida, sobretudo ao (re)lembrar que uma criança tem direito a ter opiniões e que tal não se traduz por uma inversão de papéis. Gostei também do momento em que, indignado, colocou como hipótese diagnóstica a existência de um "síndrome de perseguição filial".