Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?
Tenho andado com muita falta de tempo, mas os meus feeds que tanto irritam os Maradona :) têm acumulado tantas referências ao terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos brasileiro ( versão em formato pdf) que resolvi lê-lo para tentar perceber o que de tão repugnante contém que tanto encolerizou tantos.
A primeira impressão que me ficou foi o contraste entre esta manifestação de boas intenções e os quase 7 anos de governo Lula. Nomeadamente, este plano de fomento de políticas públicas com ênfase nos direitos humanos, uma autêntica plataforma de um governo utópico, é pródigo em propostas que visam dar transparência à aplicação dos recursos públicos que nunca sequer foram sonhados ao longo dos dois últimos governos muito menos postos em prática.
Em relação a medidas negativas concretas, as que me pareceram mais preocupantes são aquelas que concernem à imprensa, nomeadamente a proposta da criação de mecanismos de controle da informação, de rankings e de incentivos para a revelação da «verdade» sobre as ditaduras e períodos autoritários.
Por outro lado, se bem me lembro das preocupações de muitos na minha visita de há um ano a São Paulo, embora seja meritória a intenção de universalizar o acesso à Justiça, o programa cria dificuldades acrescidas aos donos de propriedades invadidas que vão deixar de poder contar com disposições legais que impeçam ocupações anunciadas ou prenunciadas pelos movimentos sem terra. Mais concretamente, o PNDH3 exige audiência prévia com os envolvidos antes de quaisquer decisões judiciais. Ou antes, exigia, porque ontem foi anunciado que o programa seria alterado neste ponto.
Infelizmente, foi igualmente anunciado que seriam esquecidas pelo menos algumas medidas muito positivas que o PNDH3 contemplava e que, finalmente, reconheciam alguns direitos contemplados nas declarações internacionais que o Brasil subscreveu ou faziam cumprir, também finalmente, a Constituição.
Não vi ainda escrito se vai haver ou não reconhecimento dos profissionais do sexo, que visa dar acesso a serviços como a Previdência Social e o SUS, mas o governo desistiu dos pontos que apresentavam a despenalização do aborto e a proibição da ostentação de símbolos religiosos em instituições do Estado (como o crucifixo no Plenário do Supremo, por exemplo), que foram revogados após muita pressão das instituições de defesa da «vida», isto é, de imposição das verdades absolutas reveladas pela mesma reverberação divina que os incubiu da missão de «salvar» a humanidade mesmo contra vontade desta.
Perderam os direitos humanos no Brasil, ganharam os «Guerreiros da Oração» que se empenharam devotadamente contra o que chamaram «conspirações que se levantam contra a Igreja».