o estranho caso da morada falsa
Está assente: Inês de Medeiros, deputada independente do PS, burlou os portugueses. Residente em Paris, a actriz e realizadora, portanto artista com queda para a ficção, apresentou uma morada lisboeta para ser eleita. E mal se viu no Parlamento, ainda por cima na direcção da bancada, toca de ir exigir aos serviços bilhetes de executiva, ida e volta, para Paris, todo o santo fim-de-semana.
É um escândalo, tanto mais que viagens para Paris em executiva custam um dinheirão (agora não me lembra quanto, mas é uma fortuna, já vi escrito num jornal), e claro que alguém com sentido de justiça o denunciou e agora a Assembleia da República anda há meses a remoer o assunto, com o respectivo conselho de administração a pedir relatórios aos serviços e a remeter o assunto para o presidente Jaime Gama, que o mandou para trás (ou seja, recusou decidir), levando o conselho de administração a pedir um parecer jurídico. Ora se a deputada enganou a República, com a activa cumplicidade do PS, que pode haver para decidir? De que raio está Gama à espera para admoestar o partido e a burlona? Não será mesmo isto um caso de polícia - falsificação de documentos, e assim?
A não ser, espera, que Inês de Medeiros não tenha dado uma morada falsa. Que o seu dossier de candidatura diga, claramente, no local de residência, "Paris, França" - aliás à imagem do seu BI, emitido em 6 de Dezembro de 2005. E que a decisão de candidatar uma portuguesa residente em Paris pelo círculo de Lisboa tenha - obviamente - sido do partido que a convidou, que como os outros partidos candidata residentes nos Açores para o círculo de Bragança e terá considerado que a residência num país do espaço de livre circulação europeu não limita os direitos de cidadania nem restringe as possibilidades de representação política. E que a existir uma limitação ela teria sido, decerto, detectada e apreciada aquando da submissão da candidatura aos serviços competentes. Ou não?
É certo que a deputada se mantém inscrita como eleitora em Lisboa, mas na mesmíssima situação de desencontro estão muitos milhares de concidadãos: confundir tal com falsificação será no mínimo estulto. Mais ainda o é o facto de, tendo sido os serviços da AR que, após a eleição, informaram Medeiros do seu direito legal ao pagamento das viagens que faz à residência, ser à deputada que se pedem explicações, enxovalhando-a e denegrindo-a meses a fio. Ainda que a calúnia e difamação sejam já a normalidade, talvez não fosse má ideia perguntar, simplesmente, aos serviços do Parlamento o porquê da "confusão". E a Jaime Gama porque está tão calado.