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jugular

Fora da lei

(Parte 1, Parte 3 e Parte 4 do documentário da BBC Sex crimes and the Vatican)

 

Apenas há dias, com o escândalo da pedofilia bem presente nas páginas dos jornais, o padre alemão condenado por abusar sexualmente de crianças, em 1986, foi afastado das funções por, alegadamente, ter quebrado o acordo de 2008 com a Igreja que o proibia de trabalhar com crianças. Em Itália comenta-se que o religioso passou por um acampamento infantil na Baviera, no sul da Alemanha.

 

A decisão acontece mais de 30 anos depois de a Igreja Católica tomar conhecimento das primeiras acusações de abuso sexual de menores envolvendo o religioso. O caso ganhou repercussão mundial porque o actual papa, Joseph Ratzinger, era bispo na arquidiocese de Munique e Freising em 1980 quando a comunidade aprovou e recebeu a transferência de Hullermann, que tinha sido acusado (e tinha admitido) de abusar sexualmente de crianças na diocese de Essen, inclusive forçando um menino de 11 anos a fazer sexo oral.

 

O Vaticano nega que o Papa tivesse conhecimento de que Peter Hullerman fora autorizado a continuar o trabalho pastoral na sua arquidiocese enquanto fazia terapia para o «problema» e o segundo em comando de Ratzinger na altura assumiu todas as responsabilidades pela decisão. O seu actual segundo em comando fala em conspiração contra a Igreja Católica. «Os fiéis ainda acreditam na Igreja Católica. Mas também se alguém está a tentar minar esta confiança, a Igreja conta com uma ajuda especial de Deus lá em cima», disse o cardeal Tracisio Bertone.

 

Mas o New York Times informa-nos hoje que Joseph Ratzinger acompanhou o caso do padre pedófilo na Alemanha mais de perto do que as alegações do Vaticano afirmam. Ratzinger recebeu um duplicado do memorando que informava que o padre voltaria ao trabalho pastoral dias depois de ter iniciado o tratamento. Este memorando, confirmado por dois oficiais da Igreja, indica ainda que o actual Papa conduziu a reunião de 15 de Janeiro de 1980 que aprovou a transferência do padre assumidamente pedófilo. Ou seja, a Igreja mentiu e mentiu o padre Gerhard Gruber que assumiu as culpas por algo que não fez para proteger a reputação do seu Papa e da sua Igreja.

 

E é esta premeditação mentirosa que está em causa. Os actos pedófilos cometidos por padres e demais religiosos são crimes individuais mas a ICAR, ao longo de décadas, não só não denunciou estes crimes como encobriu, protegeu e fez tudo para evitar que fossem investigados pelas autoridades policiais, inclusive coagiu as vítimas e demais envolvidos a votos de silêncio para não «manchar» a reputação da Igreja.

 

Este encobrimento é um crime que muitos tentam desculpar dizendo que apenas recentemente se descobriu que a pedofilia era um crime abominável. Não só estas desculpas me parecem contraproducentes numa Igreja que carpe o relativismo moral das sociedades que não aceitam as verdades «eternas e absolutas» de que a ICAR é detentora como me parece que o comportamento dos últimos tempos nos indica que o problema é outro: a ICAR quer ser ela a impor as leis a todos e não aceita ser regida por leis seculares. Assim, na Alemanha, onde o escândalo começa a assumir proporções semelhantes às que abalaram a ICAR americana, os bispos ficaram muito ofendidos com as acusações de encobrimento que lhes dirigiu Sabine Leutheusser-Schnarrenberger, a ministra de Justiça, e o seu pedido de colaboração da Igreja com os procuradores estatais foi recebido como um atentado à independência da Igreja.

 

Assim, embora tenha seguido a indicação da Fernanda e lido atentamente a crónica de Anselmo Borges, parece-me que, embora certeira no que à hipocrisia moralista diz respeito, ela ilude o problema principal: a Igreja não deve apenas «reparar os males feitos e de uma nova atenção para que esta situação desgraçada nunca mais se repita, o que implica, por exemplo, uma atenção renovada no recrutamento de novos padres». A Igreja precisa de responder pelos seus crimes para perceber, de uma vez por todas, que não está acima da lei.

2 comentários

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    Ricardo Alves 28.03.2010

    Comparar o sigilo profissional dos advogados a um suposto «segredo de confissão» dos padres, e pretender que os dois devem ser igualmente protegidos pela lei, é obsceno.

    Desculpe-me, mas não consigo dizê-lo de outro modo: é obsceno.

    E nenhuma crença em «Deus» serve de desculpa.
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