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Rui Tavares: Serão os prémios Nobel menos inteligentes do que os empregados de café?

(texto de Rui Tavares) Quando a filosofia da ciência se exaspera de procurar definir o seu objecto há sempre alguém que sugere uma escapatória: “ciência é aquilo que os cientistas fazem” (o mesmo se passa, curiosamente, com a filosofia da arte). Que essa é uma definição profundamente insatisfatória viu-se agora demonstrado pela afirmação  de James Watson, Nobel de 1962 e co-descobridor da estrutura e função genética do ADN, segundo a qual os negros são menos inteligentes do que os brancos, “como sabe qualquer pessoa que contacte com um empregado negro”. James Watson não citou provas científicas, experiências realizadas ou o trabalho de colegas seus. Dias depois declarou mesmo: “não consigo compreender como posso ter dito aquilo que foi citado em meu nome. Não era aquilo que eu queria dizer. Mais importante ainda, não há base científica para tais crenças”. Creio que isto despacha o primeiro equívoco. Ciência não é qualquer coisa que um cientista diga. Quando alguém sustenta opiniões com base em conversa de café, mesmo se ganhou o prémio Nobel, não está a fazer ciência: está a fazer conversa de café. Se é conversa de café racista, não merece qualquer estatuto especial. Nobel ou não-Nobel, James Watson passou por mais idiota do que qualquer empregado ou patrão, branco ou negro, de café ou de escritório. *** Resta a questão da liberdade de expressão.

Alega-se que estamos a assistir ao “silenciamento” da ciência porque James Watson foi desconvidado de proferir uma conferência no Museu da Ciência, em Londres, ou perdeu um cargo administrativo no seu laboratório. Este argumento revela uma má compreensão do que é a liberdade de expressão. A liberdade de expressão garante o direito de se defender o racismo; mas não garante o direito de se dar conferências no Museu da Ciência ou manter cargos administrativos. Pelo contrário. Forçar o Museu da Ciência a manter um convite contra a sua vontade seria, isso sim, uma violação dos direitos da instituição. James Watson poderia iniciar uma linha de pesquisa sobre as diferenças de inteligência entre raças (presumindo que os conceitos de “inteligência” e “raça”, e as relações entre ambos, não lhe oferecessem os mesmos problemas que a todos os outros cientistas). Seria muito bem vindo o seu trabalho científico e se alguém o despedisse por isso ou lhe cortasse o financiamento estaríamos perante um caso objectivo de violação da liberdade de investigação científica. O que James Watson fez foi diferente: tentou fazer passar os seus preconceitos por evidência científica. O exemplo que deu foi ainda pior no plano científico do que no plano político. Eis um exemplo com alguma pertinência nacional. Apesar do meu anti-racismo, eu não demitiria James Watson do Conselho Científico da Fundação Champalimaud pelas suas opiniões racistas. Mas consideraria seriamente fazê-lo por esta demonstração pública de que se tornou num mau cientista. Mas isso não é “politicamente correcto”? Já conheço a objecção, e responderei na próxima crónica

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