Murmúrios da opinião dominante
Na homilia de hoje, que deu início às hostilidades pascais, Bento XVI referiu-se ao escândalo da pedofilia que se abateu nos últimos tempos sobre a ICAR dizendo que a fé em Deus auxiliará os crentes a não se deixarem intimidar pelos «murmúrios da opinião dominante» ou, na versão em inglês, por «petty gossip», má língua mesquinha, dessa opinião dominante. Murmúrios ou maledicência mesquinha, esta foi mais uma tentativa papal para desvalorizar o que se tem sabido nas últimas semanas e para imunizar os crentes contra as críticas, apostando nos pilares de todos os totalitarismos.
E por escândalo não estou a falar dos pedófilos, contrariamente ao que pensam alguns dos nossos leitores, o escândalo não é serem pedófilos, ou antes efebófilos, 5% do clero católico, como apontou o arcebispo Silvano Tomasi, o observador permanente do Vaticano na ONU, 4%, como reconheceu o prefeito da Congregação para o Clero, cardeal Cláudio Hummes, e indica o relatório Jay John ou que percentagem seja. O escândalo é o que Charles Scicluna, promotor de Justiça da Congregação para a Doutrina da Fé, chamou eufemisticamente «cultura de silêncio» quando confrontado com as «proporções dramáticas» que a pedofilia e o seu encobrimento pode atingir no país cuja polícia detém as vítimas de abusos sexuais clericais que se tentam manifestar no Vaticano. Mas os números e a «cultura de silêncio», isto é, a impunidade, não podem ser dissociados. Assim como não podem ser dissociadas a crise e a secularização da sociedade, como tão bem escreveu Bento XVI: sem secularização, com a subserviência às igrejas das sociedades que as teocracias implicam, a crise nunca teria acontecido simplesmente porque aí sim seria reduzida a murmúrios inconsequentes. Continuariam (impunes) os crimes e continuariam a ser chantageadas e coagidas a votos de silêncio as vítimas a que a crise deu voz.