as casas dos outros
vistas da minha janela -- aberta sobre elas como elas sobre a minha. ali em frente, as salas de luz confortável desvendam quadros e candeeiros, vultos às vezes. sentada a escrever, sou como eles para mim um quadro, talvez hopper. uma história -- todas as casas, vazias ou não, contam histórias. nada conta histórias como uma casa. excepto um corpo -- mas nenhuma casa deixa de ser um corpo, o rasto e a presença dele, o seu destino cifrado.
horror a não ter uma casa, horror a olhar estas janelas sem ter uma minha, horror a não ter onde entrar, onde voltar, de onde ver as paredes, os soalhos, os quadros, os candeeiros dos outros, de onde imaginar o cheiro e a temperatura e as vozes e as narrativas nessas salas. horror do eco sem paredes, do sono sem a vigília desta fronteira. horror de não poder ver-me, na minha janela, das janelas dos outros.