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A tirania de um príncipe numa oligarquia não é tão perigosa para o bem público como a apatia dos cidadãos numa democracia*

No final do século V a.C., Atenas viveu uma profunda crise económica e política devido à longa guerra do Peloponeso. À rendição de Atenas, em Abril de 404, seguiu-se um golpe oligárquico apoiado por Esparta. A oligarquia que, com o apoio das tropas espartanas, fez cair a democracia ateniense ficou conhecida como a Tirania dos Trinta. Embora a democracia tenha sido formalmente restaurada pouco depois, em 403, o populismo retórico da aristrocracia fez crescer a insatisfação dos cidadãos com a crise económica. A aristocracia culpou a democracia pela crise vivida e exigiu um governo forte que permitisse o retorno à antiga glória e ao poder atenienses. Com a confiança no regime seriamente abalada, no início do século IV a.C. os cidadãos deixaram de participar na Res Publica o que levou a que fossem remunerados os que condescendessem a comparecer às sessões da Assembleia. A Assembleia tornou-se assim o ponto de confluência dos ociosos, dos demagogos e dos cidadãos que nela viam apenas uma forma de subsistência. Décadas de demissão da cidadania por parte dos atenienses e de retóricas ocas por parte de quem queria o poder pelo poder tiveram como consequência que, no final do século IV a.C., a tirania oligárquica vingasse.

 

É desta época conturbada que data uma das obras mais maduras de Platão, Górgias, de que é especialmente emblemático o Diálogo entre Górgias e Sócrates em que ambos discorrem sobre as virtudes relativas da retórica e do conhecimento técnico. Sócrates e Górgias concordam que a maioria dos cidadãos é incompetente para tomar decisões fundamentadas na justiça e na política pública, mas divergem no que se deve usar para influenciar os cidadãos nas suas escolhas, a «persuasão que gera a crença» - como Górgias define retórica - ou o conhecimento dos peritos:

 

Górgias: «eu quero dizer [pela arte da retórica] a capacidade de convencer, por meio do discurso, um júri num tribunal de Justiça, membros do Conselho na sua Câmara, os eleitores durante uma reunião da Assembleia, e qualquer outra reunião de cidadãos, seja ela qual for

 

Sócrates: «Quando os cidadãos se reunem para nomear oficiais médicos, construtores navais ou qualquer outra classe profissional, certamente não deverá ser o orador que os aconselha então. Obviamente, em todas as eleições desse tipo a escolha deverá recair sobre os melhores especialistas».

.

Ou seja, para Górgias, a maior virtude da retórica ou «arte dos discursos» é ser um meio eficiente para atingir o poder. Para Sócrates, o poder baseado na habilidade para produzir persuasões que são crenças e não conhecimento não pode ser boa coisa, porque:

 

«se pela retórica é possível persuadir sem ter saber, como pode transmitir o saber quem previamente o não possuir

 

Uma questão que, a todos os níveis, se mantém actual 2400 anos depois de ter sido formulada.

 

*Charles de Montesquieu

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