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Laicidade e Laicismo

Hoje, em entrevista à Lusa, Francisco Sarsfield Cabral incorreu num erro que infelizmente é muito comum. Disse o comentador católico que "Julgo que o Papa explicou muito bem e muito sinteticamente o que entende por viver numa sociedade pluralista (...) em que o Estado é laico, mas de uma laicidade positiva, que não discrimina religiões, mas está atenta à sociedade e a sociedade não é laica, tem pessoas de várias religiões".

 

A adjectivação da laicidade tem marcado indelevelmente o léxico eclesiástico nos últimos tempos, numa tentativa de convencer os mais desatentos de que há uma laicidade má, normalmente designada por laicismo, e uma versão boa, a «laicidade inclusiva» ou a «laicidade positiva» a que se referiu Sarsfield Cabral. A conferência do cardeal-patriarca Policarpo «Laicidade e laicismo: Igreja, Estado e Sociedade», realizada em 10 de Outubro de 2007 no Centro Cultural de Belém, explica esta confusão. Para o patriarca de Lisboa, «um recto conceito de laicidade ressitua a dignidade e a transcendência da fé cristã» enquanto ao «alargamento abusivo do âmbito da laicidade costuma chamar-se laicismo», abuso que consiste em «uma mundividência laica, que fundamenta a moral, inspira as leis, regula o viver comum da sociedade».

 

Na realidade, a distinção entre laicismo e laicidade é apenas aquela que distingue entre conceito, laicismo, e praxis, laicidade. A laicidade significa simplesmente que há separação entre o Estado e a Igreja, isto é, num Estado laico o Estado é completamente neutro em matéria de religião e as igrejas não detêm qualquer poder político. A laicidade garante simultâneamente a liberdade de todos e a liberdade de cada um ao distinguir o domínio público, o domínio onde se exerce o poder do Estado e onde se cumpre a cidadania, e o domínio privado, onde se exercem as liberdades individuais (de pensamento, de consciência, de convicção, de religião e de associação) e onde coexistem as diferenças (biológicas, sociais, culturais). Pertencendo a todos, o espaço público é indivísivel: nenhum cidadão ou grupo de cidadãos deve impôr as suas convicções aos outros.

 

Parece no entanto que a Igreja católica e alguns dos seus seguidores continuam a confundir laicidade com catolicismo e a pretender que a verdadeira laicidade, a adjectivada, é aquela que impõe uma «mundividência católica, que fundamenta a moral, inspira as leis, regula o viver comum da sociedade». Isto é, confundem uma sociedade laica, no sentido grego da palavra, uma sociedade de todos e para todos, com a sua involução latina, uma sociedade católica imposta a todos!

 

publicado ontem DN online

6 comentários

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    Palmira F. Silva 12.05.2010

    Espaço público este caso quer dizer espaço do Estado e claro, nenhum agente do Estado deve (ou deveria) usar desse sua perrogativa para impor ou privilegiar as suas escolhas pessoais em termos de pensamento, de consciência, de convicção, de religião e de associação. Claro que na sua condição de cidadão, não de actor político, ou seja, no domínio privado, pode fazer o que lhe der a telha.
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    António Parente 12.05.2010

    Salazar também achava que no espaço público os cidadãos não deviam impor ou privilegiar as suas escolhas pessoais em termos de pensamento, de consciência, de convicção e de associação. Foi assim durante 48 anos. Coincidências.
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    Palmira F. Silva 12.05.2010

    Por acaso o ANtónio Parente etá redondamente enganado, mas não é coincidência.

    Salazar achava que no espaço público os actores do estado  deviam impor as suas escolhas pessoais em termos de pensamento, de consciência, de convicção e de associação ( se coincidentes com as dele e para o confirmar todos os funcionários públicos tinham de assinar um papelucho em como eram católicos, repudiavam o comunismo e todas as actividade subversivas, vi um há pouquito e foi uma experiência reveladora).

    Por outro lado, negava essas liberdades no espaço privado a todo os cidadãos. Claro que o AP não se devia dar mal com esse estado de coisas...
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    António Parente 12.05.2010

    Não estou enganado, cara Palmira. É isso mesmo que a Palmira quer:  impor as suas escolhas pessoais em termos de pensamento, de consciência, de convicção e de associação. Felizmente não tem a força nem o poder para o fazer.

    Eu dei-me muito mal no tempo do Salazar, cara Palmira. A PIDE visitou a minha casa porque o meu pai comprou um rádio telefunken e um vizinho denunciou a compra, indagando a PIDE se a compra do rádio era destinada a escutar a rádio moscovo. Os meus pais proibiram-me a inscrição na mocidade portuguesa, veja lá. 
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    Palmira F. Silva 13.05.2010

    Uh? O caro acha que considerar que os católicos não têm direito de nos impor a todos, pela força do Estado, as suas patetadas é ujma coisa inadmissível? Juro que nunca irei compreender o autismo de alguns católicos, sigh...
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