Vamos lá então à comissão de inquérito e às suas circunstâncias
Falar das circunstâncias da comissão de inquérito (CI) é um bom começo de conversa. À medida que me for explicando, penso que ficará claro porquê.
Tem havido muita confusão em torno dos poderes da CI em curso, sobretudo no que ao acesso às escutas telefónicas judicial e licitamente determinadas, por exemplo entre Armando vara e Rui pedro Soares, diz respeito.
Pedro Lomba não tem razão, assim como não tem razão quem ele contesta. Anda tudo a fazer ginástica jurídica, a torturar o nº 4 do artigo 34º da CRP, que proíbe a ingerência por parte de autoridades públicas nas telecomunicações, excepto nos casos previstos em matéria de processo penal, uns a dizerem que é a regra, que pode ser, outros a dizerem que é a excepção, que não pode ser, a meu ver todos passando ao lado de uma interpretação correcta dos preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias e esquecendo o princípio norteador de situações como esta, que é o princípio da ponderação.
Em primeiro lugar, o nº 4 do artigo 34º da CRP não é para aqui chamado. Ponto. Ele proíbe a ingerência de autoridades públicas nas telecomunicações. Acaso a CI está a fazê-lo? Não. Isso já foi feito, nos termos legais, licitamente, há bastante tempo. Este preceito só seria para aqui chamado se a CI, alegando os seus poderes judiciais, requeresse nova ingerência nas telecomunicações. Aí sim começaria uma discussão, se é que me faço entender. A CI está a ter acesso ao resultado de uma ingerência prévia, à qual ela é totalmente alheia, no uso da sua faculdade de requerer elementos úteis à sua investigação.
O que está aqui em causa é outra coisa. É evidente e todos sabemos que quando se atribuem às CI poderes de investigação próprios das autoridades judiciais não se está a assimilar as posições constitucionais de uns e outros órgão, ou as CI teriam, por exemplo, poderes instrutórios. Têm, no entanto, importantes poderes, como o de facultar por escrito às autoridades judiciárias as informações e os documentos que julguem úteis.
Quais são os limites para este tipo de poderes? Tem de ser ter conta que a CI prossegue um "interesse público relevante", no caso o apuramento da verdade sobre se houve ou não a tentativa de interferência, por parte do Governo, no controlo da comunicação social.
No desenvolvimento da sua actividade, a CI está directamente vinculada aos direitos, liberdades e garantias, o que decorre do nº 1 do artigo 18º da CRP. Esta vinculação importantíssima é inquestionável e não tem de estar reconhecida na lei.
Assim, desde logo, a CI está vinculada ao direito ao bom nome e, mais importante para o caso, ao direito à reserva da intimidade.
É aqui que bate o ponto. Está a CI impedida a priori, sem mais, de aceder a escutas telefónicas ordenadas licitamente? Não. tem de se proceder a uma tarefa de ponderação. A ponderação é feita entre o interesse público a prosseguir - o apuramento da verdade, a defesa do Estado de direito, em sentido lato - e a reserva da vida privada. O resultado da ponderação pode ser, como foi, o que estamos a ver. O acesso condicionado a escutas, sem que haja violação da CRP, a não ser a que há sempre, que é a fuga do que deve ser sigiloso para os jornais, e desde que, ponto fundamental, as conclusões do inquérito não se baseiem nas ditas escutas. Seria inadmissível que a CI não juntasse às conclusões elementos adicionais.
É isto.