sem alegria
Desde 2006 que sabemos isto: Cavaco tem a intenção de fazer um segundo mandato. E é inevitável que o seu pessoalíssimo projecto de poder implique que nessa segunda estada em Belém tente explorar todas as virtualidades da indefinição que a Constituição portuguesa prescreve para a função, coisa que nenhum presidente fez até hoje mas que nem por isso está indisponível. Acresce a isso - e por motivos que decerto se prendem com as características do seu projecto, plenamente desvendadas nestes quatro anos nos quais logrou suplantar as mais cassandricas previsões - que Cavaco tem sido apontado como o primeiro presidente em democracia a correr o risco de não ser reeleito. O que implicaria, em princípio, uma entusiástica movimentação de interessados e respectivos apoios. Estranhamente, assiste-se ao contrário. É óbvio que a eleição de Passos Coelho para a liderança do PSD atrapalhou os planos de Cavaco (difícil imaginar Coelho a, se algum dia chegar a primeiro-ministro, convidar, real ou metaforicamente, Cavaco para presidir ao Conselho de Ministros), mas o actual dirigente do PSD não ponderou encontrar outro candidato e já fechou o assunto, declarando-lhe o seu apoio. O mesmo se passa com o CDS-PP, cujo líder foi, enquanto director de O Independente, o maior inimigo da pessoa e da política do agora presidente. Se não houver mais uma convulsão no PSD (sempre possível, claro) Cavaco irá pois à liça respaldado por dois líderes que não aprecia e nada o apreciam, numa convergência de puro oportunismo - que os eventos poderão provar, sobretudo para Coelho, mais ou menos inoportuno. Oportunismo, igualmente, explica a adesão do BE a Alegre - visto pela liderança do Bloco como a melhor arma possível contra o PS. Nesta dança de cadeiras restam o PS, o PCP e Alegre. O PCP resolverá o problema da maneira do costume: um camarada qualquer avança e pronto. Quanto a Alegre, que desde 2006 prepara a sua candidatura, conseguiu, prodigiosamente, fazer tudo mal. O seu recente e soturno silêncio a propósito de tudo o que se passa - nem piou face à declaração de Cavaco sobre o casamento das pessoas do mesmo sexo ou sobre as recentes medidas do Governo, por exemplo - talvez signifique que no meio de toda a megalomania histriónico- -poética que o caracteriza está a realizar isso mesmo. E há o PS, claro: adiou, desconsiderou e negou o problema, chegando a esta extraordinária situação. Que não é, afinal, senão uma fórmula mais transparente da que ocorre em todos os partidos: ninguém tem candidato próprio, no sentido de alguém que materialize o seu ideário e represente as suas propostas (a existir) para o País. E ninguém, na verdade, quer Cavaco. A não ser que ocorra um milagre, as próximas presidenciais simbolizarão então isso: um deserto de cidadania e partidos sem coragem.