Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

jugular

O perfeito fato para marrecos

 

Desde que recomecei a andar de bicicleta, tive oportunidade de surpreender-me com a parafernália de adereços exibidos pelos ciclistas que, ao fim de semana, se passeiam à beira-rio, incluindo blusões, camisas e calças garridas, capacetes espampanantes, sapatos hi-tec e um nunca acabar de guiadores e selins especiais, luvas, óculos, lenços, pulseiras, fitas, cantis e bolsas.

Muitas vezes, o custo do merchandising ostentado excede claramente o da bicicleta elementar importada da China em que se empoleiram. Confirma-se, portanto, que os pequeno-burgueses meus compatriotas são uns cagões, sempre dispostos a gastar pequenas fortunas em merdices com o único propósito de alardearem a sua suposta prosperidade.

Dito isto, não me impressiona menos escutar os insistentes apelos dirigidos pelos moralistas de serviço à moderação do consumismo e ao espírito de poupança como forma de ajudar o país a reduzir o seu endividamento. Não é que discorde do propósito, mas parece-me votado ao fracasso o meio escolhido, ou seja, o sermão apelando à reforma dos costumes e das mentalidades.

Primeiro, a necessidade de ostentação tem ela própria causas objectivas. Quanto mais acentuada a polarização social, maior o desejo que o cidadão comum sente de se demarcar dos pobres e de imitar o que considera ser o estilo de vida da mirífica "classe média". Logo, o apelo a que cada qual ajuste o seu nível de consumo às respectivas posses só acentua a vontade de se demonstrar que se tem essas ditas posses.

Segundo, salvo raras excepções, as pessoas que se endividam parece que têm de facto capacidade de endividamento, como se prova pelo facto de ser muito baixo o crédito mal-parado. Logo, perante apelos deste tipo, as famílias indignam-se com a irresponsabilidade das "outras" e continuam a consumir como sempre consumiram.

Porque a verdade é esta: os consumidores individualmente considerados têm capacidade de endividamento, o país é que não tem. E por quê? Ora, porque a zona euro nos impôs ao longo dos anos uma taxa de juro demasiado baixa para as realidades do nosso mercado, tal como impôs aos alemães uma taxa demasiado alta para as realidades do mercado deles.

Por outras palavras, a soma dos comportamentos microeconómicos determinado pelos incentivos à poupança, ao investimento e ao consumo é incompatível com os nossos condicionalismos macroeconómicos.

O perfeito fato para marrecos, portanto.

11 comentários

Comentar post

Arquivo

Isabel Moreira

Ana Vidigal
Irene Pimentel
Miguel Vale de Almeida

Rogério da Costa Pereira

Rui Herbon


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes

  • Anónimo

    The times they are a-changin’. Como sempre …

  • Anónimo

    De facto vivemos tempos curiosos, onde supostament...

  • Anónimo

    De acordo, muito bem escrito.

  • Manuel Dias

    Temos de perguntar porque as autocracias estão ...

  • Anónimo

    aaaaaaaaaaaaAcho que para o bem ou para o mal o po...

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2020
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2019
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2018
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2017
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2016
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2015
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2014
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2013
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2012
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2011
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2010
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2009
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2008
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D
  235. 2007
  236. J
  237. F
  238. M
  239. A
  240. M
  241. J
  242. J
  243. A
  244. S
  245. O
  246. N
  247. D

Links

blogs

media