do autismo tradicional à greve geral
A Confederação de Comércio de Portugal ameaçou, esta semana, juntar-se à greve geral convocada pela CGTP. O motivo, explica José António Silva, o respectivo presidente, é a previsão da perda de 50 mil empregos no sector, previsão essa que associa ao anteprojecto de "licenciamento de grandes superfícies" apresentado pelo Governo. Diz Silva, num afã de reuniões e audiências - pediu para falar com o Presidente, com o primeiro-ministro e com os partidos da oposição -, que "desapareceram 250 mil empregos no comércio nos últimos três anos e agora a destruição do emprego será ainda maior". Parece que as centrais sindicais não acharam muita piada às declarações de solidariedade dos comerciantes, vendo com "grande reserva" a "adesão" dos "patrões" à luta dos "trabalhadores". Mas, pensando bem, a coisa faz todo o sentido.
Há um encontro de visões do mundo nestas dicotomias primárias: os lojistas "coitadinhos" contra os lojistas "tubarões", os "trabalhadores" contra "o patronato". Como há um encontro de visões no que respeita à negação da realidade e à defesa do proteccionismo. Não se trata, é claro (ou, não sendo claro, assim se clarifica), de defender o capitalismo selvagem ou a total ausência de regras. Mas de reconhecer que os tempos mudaram, a começar pelos ritmos de vida, pelos horários, e pelas expectativas criadas por novas fórmulas comerciais, e que quem não evolui morre. Haver lojistas e empregados de lojas que acham que as lojas fecham por causa dos "outros", dos "maus" que abrem todos os dias e a todas as horas e vendem mais barato, e que a melhor forma de sobreviverem é fazer parar o tempo e impor aos seus clientes horários e lógicas de funcionamento ao avesso do que a estes convém - sem no entanto permitir que outros lhes dêem aquilo de que carecem - é normal. Já todos ouvimos comerciantes a dizer que não abrem ao fim-de-semana nem à hora do almoço porque "se as pessoas quiserem comprar, que venham às 'horas normais'". Mas que a própria associação do sector alinhe nesse discurso - como se as tão odiadas "grandes superfícies" não fossem também comércio - e ameace com "greve geral" é bem a medida do esplendoroso autismo daquilo a que se costuma dar o nome de "comércio tradicional". Um comércio cuja essencial tradição é a do imobilismo, um comércio que não viaja, não conhece nem se informa, um comércio que não pensa, um comércio que não oferece, exige. Um comércio, em suma, que não se sabe vender. E que, na sua esquizofrenia, vai ao ponto de ameaçar greve - como se o seu problema não fosse a greve que os clientes há muito lhe declararam.