dulce salzedas: reminder
(texto de dulce salzedas, jornalista da sic) Hoje é o dia mundial de luta contra a sida. Mais um, depois de muitos outros, e antes de outros tantos. O primeiro dia em que dei por mim a preocupar-me com esta maldita doença, vai longe. Julgo que foi entre 1989 e 1990. Não recordo qual era a revista. Mas o nome não é importante. Tinha umas duas páginas sobre a nova doença. E o título era qualquer coisa como "Vai matar milhares". Quase vinte anos depois o hiv não matou milhares, mas milhões. Em Portugal é a principal causa de morte na faixa etária dos 30 aos 40 anos.
Voltando às minhas lembranças. Voltei a preocupar-me 3 anos depois. Na SIC, mandaram-me a Paris acompanhar o primeiro-ministro, Cavaco Silva, ao célebre, mas já esquecido, "Sommet de Paris". Um encontro europeu, de governantes europeus, que tinha como objectivo discutir as formas de travar o avanço da epidemia no velho continente. Não vale a pena dizer que não deu em nada. Olhe-se para os números que anualmente a ONU-SIDA divulga. Mas o que valeu a pena, para mim, foi uma conversa que tive a felicidade de ter com um senhor que poucos conhecem - e a quem eu tive o privilégio de ser apresentada por Odete Ferreira. Chama-se Luc Montagnier e foi o primeiro a descobrir que a doença que andava a matar gente pelo mundo fora era provocada por um vírus, o HIV. Dizia então Luc Montagnier que seria difícil encontrar medicamentos que travassem a doença e sobretudo encontrar uma vacina para o vírus. Segundo ele, aquele micro-organismo iria tornar-se um dos grandes inimigos da humanidade. Terá sido essa conversa a responsável pelo meu interesse pelo assunto? Não sei. O que sei é que quer profissionalmente, quer pessoalmente não mais deixei de preocupar-me. Fiz dezenas e dezenas de reportagens. Vi o sofrimento que a sida provoca, a angústia e o medo de quem está infectado e tem medo de o dizer e o esforço dos que tudo fazem fazem para acabar com o flagelo e diminuir a dor de tanta gente. Falei com doentes, com médicos, enfermeiros, psicólogos. Com gente que diariamente lida com o raio desta doença que mata pessoas, mata pais e mães a milhões de crianças. Tira a vida a outros tantos milhões de bébes, dizima continentes e faz alterar as geografias do mundo. Põe os senhores da guerra a pensar nela: está na origem de muitas das cimeiras intercontinentais e até obriga a muito diligente CIA a fazer relatórios sobre o alastramento da doença. Por cá, poucos se preocupam com isto. A sida está lá longe, em África, na Ásia e um pouquinho na América Latina. Nós, os europeus e americanos brancos, continuamos convencidos que somos imunes. Convenceram-nos que não fazendo parte de nenhum "grupo de risco" não seríamos "apanhados". E convenceram-nos de tal maneira que agora não há forma nem ninguém capaz de nos meter na cabeça que os grupos de risco já era. Há é comportamentos de risco, como por exemplo o não usar preservativo. E esse comportamento temos quase todos. Não chegou já a altura de o mudar?