como se morre
coisa estranha: hoje (quer dizer, ontem) ao escrever um texto sobre saramago, que nunca apreciei e que cheguei a execrar em alguns momentos (aqui neste mesmo blogue e não há muito) lembrei-me de um poema de sena. é um poema tão belo e cruel (porque fala daquilo de que raros conseguiram falar -- e tão bem) que me estremece sempre, apesar de o conhecer. e ao relê-lo, por estranha alquimia, senti como ainda não sentira a morte de saramago. talvez porque sena me consegue fazer sentir a morte e a sua suprema solidão sem remédio, porque ao reler (ou ler pela primeira vez) uma série de entrevistas de saramago vi além (ou aquém?) do que nele tanto me irritava e o vi, com esse olhar vesgo do poema, a abarcar pela última vez o mundo.
'Como se morre? Neste instante extremo,
sentiste um respirar que te alargava
e te expandia o peito mais os olhos
até os confins deste universo inteiro?
Abriste os olhos? Só em sonhos viste?
Morreste – como se morre?'