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Reencontrar amigas que não se vêem há trinta anos devia provocar uma sensação física de estranheza, um súbito, breve e doloroso "O que estou aqui a fazer?". Todos os rostos envelheceram, os sonhos em comum passaram a resoluções solitárias, depois partilhadas por terceiros, num afastamento inexorável que se parece, outra vez em dor lenta e muda, com as fotografias da infância que vão perdendo a vivacidade e o ritmo das cores solares até se esbaterem nos casacos cinzentos, nas camisolas magenta, no eclipse das formas das pernas, do pescoço, das mãos, para se apagarem de vez num filtro branco - a memória.

Reencontrar amigas que não se vêem há trinta anos devia provocar uma sensação física de estranheza, de embaraço, até, mas não provoca.
Toca-se, abraça-se, ri-se, e o toque, o abraço e o riso são, subitamente, tão naturais como a compaixão ou a preguiça. Apenas com os amigos isso acontece - nunca com a família, que se revisita pela bela necessidade dos rituais, nunca com aqueles, outrora paixões, de quem nos afastamos longamente em determinada fase da vida.
Ao reunir-me com a Isabel, a Cristina, a Clara e a Diana, três décadas após a angústia dos exames, a aprendizagem da desilusão, a alegria dos sucessos mais efémeros e a comunidade dos amores mais desastrosos, o amuo colectivo daquelas manhãs frias em que nada apetece e o corpo se deixa levar pelas marés até à hora longínqua do lanche, a certeza da cumplicidade e da verdade sem fim, é como se nunca nos tivéssemos separado. O traço dos olhos, dos meus e dos delas, é menos firme, as mãos são menos límpidas, o cabelo, reflectindo as horas passadas em claro pela paixão, pelo esforço, pelo triunfo e pelo luto. Mas o olhar é o mesmo, os gestos, largos ou breves, são os mesmos. O humor é o mesmo. O carinho é o mesmo. O conforto é o mesmo.

Regressar às amigas de adolescência é como regressar ao início, aos nossos primeiros dias, mas, onde, agora, a ilusão furtiva da nostalgia desapareceu por completo. É simples: abre-se os olhos, olha-se para um espelho onde está reflectido o essencial de nós próprias e, sorrindo, gosta-se do que se vê.

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