depois da espantosa entrevista de cunha vaz ao público, em que o responsável da agência de comunicação contratada pela direcção de luís filipe menezes para 'tratar da imagem' do psd culpou explícita e implicitamente luís filipe menezes por tudo o que correu mal, isentando-se e, cirurgicamente, a pedro santana lopes, de todos os disparates, vem agora a entrevista de santana lopes a judite de sousa, em que o candidato a líder é poupado a qualquer avaliação do período de 'liderança bicéfala' (houve quem a crismasse de biacéfala), como se não tivesse sido um dos pólos da dita, e a quaisquer questões sobre o facto de luís filipe menezes não só ter dado a entender que não concorda com a sua candidatura como tudo levar a crer que a sua 'facção' vai apoiar passos coelho. como é possível nem sequer se perguntar a santana lopes se discutiu a hipótese da sua candidatura com menezes? como é possível não o questionar sobre o seu silêncio nas duas semanas que antecederam o anúncio da demissão de menezes, quando tantas vozes dentro do psd se ergueram para criticar a direcção de que ele, santana, era considerado o co-responsável? estava fora? doente? de cama? afónico? como é possível fazer uma entrevista inteira com um candidato a líder em que a grande questão é o que fez em 2004 e as eleições que perdeu em 2005 e aquilo que propõe agora, como se não tivesse qualquer responsabilidade na actual situação do psd? se alguém me puder explicar, agradeço muito.
De vez em quando surge uma história assim. Não escrevo "de vez em quando há" porque não sei, não posso saber, quantas histórias destas existem, atrás das fachadas das casas, de todas as casas. É aliás a primeira consequência de uma história assim: o desconforto com que olhamos todas as casas, na possibilidade de ocultarem histórias como esta. É uma maneira de sublimar o outro desconforto, o mais indizível.
O desconforto de saber, perante uma história como a do austríaco Fritzl e da sua filha Elizabeth, que não podemos manter o mal fora, lá fora, no desconhecido, nos desconhecidos, nos estrangeiros, nos outros, como algo de alienígena. O desconforto que nos faz pensar nos nossos pais e imaginar que podiam ser um Fritzl. Que nos podia ter sucedido isto, a nós: um dia temos 18 anos e o nosso pai fecha-nos numa cave da casa onde vivemos e nunca mais nos deixa sair. Ficamos lá 24 anos. Temos sete filhos do nosso pai. Ele leva três e deixa os outros. Que crescem ali, naquele espaço minúsculo, sem ver mais ninguém, sem nunca terem visto a rua, o sol, a chuva, a noite, sem que saibamos se algum dia vão poder sair dali. Um deles morre bebé, dos outros que foram levados nada sabemos. Nada sabemos do que se passa fora dali - tudo o que o nosso pai conta pode ser mentira. Podemos explicar aos nossos filhos que há mais que aquilo - mas haverá? E será boa ideia fazê-los sofrer com a ideia de que estão presos numa cave, ou é melhor fazer-lhes crer que é normal, aquela vida? Vivemos - como é que vivemos? Como é que sobrevivemos? Como é que não enlouquecemos? Como é que nos perdoamos o termos sobrevivido, o termo-nos habituado, o termos deixado viver assim os nossos filhos? - primeiro no terror de que o nosso pai (e ainda pensamos nele como nosso pai?) volte e depois, a partir de certa altura, no terror de que ele não volte. Porque se lhe acontecer alguma coisa morreremos ali, debaixo do chão da nossa mãe e dos nossos irmãos, sem salvação. Dependemos dele, do nosso carcereiro, algoz, violador. Ele é todo o nosso mundo, ele é tudo o que há, ele é a vida. Podemos até gostar dele. Podemos sentir qualquer coisa parecida com amor. Podemos, não podemos? Porque se isto aconteceu - e aconteceu -, se isto é possível, tudo é possível. Não, numa história como esta não podemos falar de aumento de penas nem de mais polícia nem vociferar contra "a insegurança". Numa história como esta só podemos olhar para o rosto de Fritzl e tentar decifrar-lhe os sinais, aqueles que deveriam ter alertado toda a gente para o monstro que ali estava, e perceber que não havia maneira, que não há maneira. Nem de perceber - porque se no lugar da filha ainda nos conseguimos projectar, não há forma de pensar como será estar no dele, ser ele - nem de prevenir nem de evitar nem de adivinhar quando e como e porque é que estas coisas acontecem. Nem de encontrar castigos que apazigúem o nosso medo, e a dor e a perda horríveis, tenebrosas, destas vidas. Nenhum sistema penal ou moral nos responde a isto, nada nos protege deste mal. Porque está dentro. Das nossas casas, da nossa família, de tudo o que devia ser seguro e certo. De nós. Porque é humano, tão pavorosamente humano. (publicado hoje no dn)
Este relata de como passei, e passo, parte da vida agarrado a um passado que vivi e a um futuro que sonho ter, apercebendo-me, apenas quando racionalizo, que o meu presente foi o tal futuro idealizado aqui há atrasado. Felizmente, e embora ande constantemente, não à beira de um ataque de nervos, mas em pleno ataque de nervos, posso considerar-me um homem, não de projectos realizados, mas de presentes feitos de futuros sonhados. Este futuro há já uns anos que está comigo, a meu lado, todos os dias. Digamos que o meu presente e o meu futuro vivem numa perfeita e razoável harmonia - apenas razoável porque ainda não consegui realizar o projecto de viver seis meses em Porto de Galinhas e o resto do tempo aqui pelas berças.
O busílis é mesmo o passado com o qual eu não me consigo conciliar. Não consigo conformar-me com a travessia do tempo, com aquilo que ele vai apagando para nunca mais deixar voltar.
O problema, significava, o verdadeiro problema, tem a ver com os “sentires”, com o imenso espaço aberto que era a vida, espaço que, quer se queira quer não, e por mais que se reme contra essa maré, se vai estreitando, afunilando. Tudo de acordo com as nossas próprias escolhas, os caminhos que esse nosso ser passado decidiu trilhar e nos levou, e condicionou, a ser aquilo que somos hoje.
Uma das grandes diferenças é essa, como um caminho que se vai trilhando, em que as estradas se vão fechando à medida que as vamos caminhando. “No hay camino, el camino se hace al andar”, sem dúvida, mas esqueceu-se António Machado, melhor, nem vinha a propósito, de dizer que o caminho andado se vai fechando. A diferença, dizia, reside precisamente no número de estradas que já trilhámos e que se fecharam a futuros alternativos. E isso condiciona, por certo, a forma de sentir o tal passado.
Quando entramos na idade adulta, já aprendemos, de uma forma ou de outra, com maiores ou menores penas, a lidar com a morte. Ainda há tempos olhava os meus avôs maternos e avó paterna, ainda vivos, e dava graças por os ter comigo. Porém, a verdade é muito mais dura que isso, as pessoas que eles foram, que ajudaram, para o bem e para o mal, a construir aquele que sou hoje, já não estão comigo. Nem eu estou com eles. Ambos envelhecemos. Essa é a realidade. O que eu dava, o que eu pagava, para voltar a passar uma tarde de férias grandes, do verão de 74 ou 75, com a minha avó materna.
Para isso teríamos de entrar naqueles caminhos que já se fecharam, a minha avó e eu, ambos tínhamos de recuar, pelo menos, 30 anos. Hoje, quando olho para eles, para ela, muito particularmente para ela, a minha avó, para além do olhar, do sorriso, que continua a ser o mais bonito que eu alguma vez vi, sem contar com o do meu filhote, vejo uma memória dolorosa de tempos passados. Dolorosa porque, e era aqui que eu queria chegar, por causa dos tais caminhos que se fecham, das pessoas que se renovam em si mesmo, morrendo continuamente, saudade é dor. Fado. Uma dor não lancinante, uma dor demarcada do seu próprio conceito, mas sempre uma dor.
Gostava de conseguir viver em paz com o meu passado. Infelizmente, e sem que isso seja agrura tremenda e insuportável, parece-me demanda impossível.
O que é a Sociedade Lomográfica Nacional? Tem uma embaixada em Portugal? Onde fica localizada? Cada vez que dirijo estas perguntas a uma plateia, descubro sempre duas ou três pessoas, invariavelmente jovens, que conhecem as respostas. Quando às outras, ficam com cara de ponto de interrogação. E o leitor, sabe do que estou a falar?
Em que pensam e o que sabem, afinal, esses seres exóticos a quem damos o nome de jovens? O que lhes vai no espírito? Como ocupam os seus tempos livres?
Ou ainda: qual a importância de tantos e tantos dos nossos jovens ignorarem quem foi o primeiro Chefe de Estado democraticamente eleito, quantos países integram a União Europeia e se o Partido Socialista dispõe ou não de maioria absoluta no Parlamento?
Aparentemente, os jovens desconhecem factos que os políticos reputam importantíssimos. Sê-lo-ão mesmo? E, ademais, invertendo o sentido do questionamento, não será também verdade que os políticos ignoram coisas que os jovens consideram de enorme relevância? O simples facto de necessitarem de recorrer a inquéritos por amostragem para saberem o que pensam os cidadãos juniores parece sugerir que sim.
De tão obcecados que andamos com a globalização, tendemos a esquecer um outro fenómeno de importância ao menos idêntica que corre a par dela. Refiro-me à crescente fragmentação dos modos de vida, dos interesses pessoais e das culturas.
Há uma escassa trintena de anos, os críticos sociais preveniam-nos contra os perigos da crescente uniformização e massificação dos modos de vida. Em vez disso, porém, a sociedade sofreu um acelerado processo de parcelamento, de modo que, após uma primeira fase de individualismo extremo, assistiu-se ao reagrupamento das pessoas em grupos relativamente pequenos, multiformes e instáveis. Alguns sociólogos chamam-lhes tribos urbanas: tribos, porque o cimento que as une não é primordialmente de natureza convencionalmente sócio-demográfica, mas cultural; urbanas, porque, ao contrário das comunidades primitivas assentes em laços de sangue e na partilha de um território, estas são fruto de escolhas individuais e a filiação nelas é cancelável a qualquer momento.
O lado maravilhoso desta nova realidade é a aliciante combinação de liberdade e pertença que ela proporciona ao cidadão, que já não se sente aprisionado a vínculos familiares, religiosos, ideológicos, profissionais ou geográficos limitativos do desenvolvimento da sua personalidade.
O problema é que, do mesmo passo, a sociedade esfarela-se em micro-comunidades que, embora as mais das vezes convivam pacificamente, pouco têm a dizer umas às outras, crescendo entre elas vastos espaços de indiferença. Paradoxalmente – ou talvez não – apenas trivialidades como o futebol, o culto das celebridades ou a cobertura mediática de crimes odiosos parecem hoje capazes de proporcionar aos cidadãos um terreno de interesses comuns. Muitos observadores inferem daqui erradamente que só essas superficialidades mobilizam as pessoas, mas esse equívoco resulta de os seus interesses mais profundos não se exprimirem no espaço público tradicional.
A primeira vítima do esvaziamento em extensão e profundidade do espaço público é, naturalmente, a política, na exacta medida em que a linha de demarcação entre “nós” e “eles” se torna mais fluida, provisória e até, para alguns, carente de sentido. Daí a preferência contemporânea dos jovens pela micro-política em desfavor das mobilizações de massa movidas por grandes princípios.
A preocupação com as consequências deste estado de coisas para a saúde da democracia é, pois, compreensível e legítima. O ponto de partida do debate não deveria, porém, ser aquilo que os jovens não sabem, mas aquilo que eles sabem e os restantes desconhecem, porque é aí que se oculta o potencial de transformação positiva da sociedade.
Voltando ao princípio, o que é então a Sociedade Lomográfica Internacional que mencionei a abrir este texto? Ora, nem queiram saber... Até porque nem toda a gente tem o direito de saber.
Boa noite a todos, FuckItAll is in the house. Aliás, não está, estou eu, a Inês, mas há dias em que é difícil distinguir-nos. Venho apenas estrear neste 1º de Maio a bela roupinha nova que tiveram a bondade de me oferecer há muito tempo e que eu, mal-educada, deixei no armário até agora. É um grande prazer vir brincar com vocês. Hei-de aparecer por cá mais vezes.
(para que conste, e porque neste blog a confusão pode surgir, peço desde já que não culpem a jornalista Inês Meneses pelos meus disparates - tanto quanto sei, partilhamos só o nome)
Estava a ver um conjunto de iniciativas que a campanha de António Costa tem previstas para as próximas semanas e detive-me no “Encontro com Jovens”, a realizar no Belém Bar Café (BBC) no dia 10 de Julho (de 2007, claro). Lembrei-me, a propósito, de uma conversa que tive há uns dias atrás, enquanto participava na Marcha Gay (de 2007, claro). Foi sobre Lisboa, poder local e adolescentes, a dita conversa, em particular sobre a constatação de que as grandes linhas programáticas especificam as crianças e os velhos, mas quase não falam desta faixa etária.
Os desgraçados dos adolescentes (tantas vezes chatos, inconvenientes e irritantes, é verdade) são uns seres da terra de ninguém. Não são pequenos nem grandes. Para mais, não votam…
Mas eu gosto dos tipos, divertem-me. E “amar é amar com e não apesar de”, como dizia a Yourcenar.
Que tal preocuparmo-nos menos em lhes arranjar “ocupação”, com actividades que os “guardam” e que nos “descansam” (a nós, os adultos), e mais em lhes perguntar o que querem, responsabilizando-os pelas escolhas? Que tal discutirmos com eles os “nossos medos”? Que tal termos uma atitude pró activa na prevenção da toxicodependência e da gravidez adolescente? Que tal criarmos alternativas complementares aos projectos familiares e escolares? Que tal criarmos fóruns municipais de informação e esclarecimento? Que tal fazê-lo em articulação com estruturas já existentes, como é o caso, por exemplo, do Instituto da Juventude?
Acima de tudo, estes borbulhentos seres, com as hormonas todas aos saltos, têm direitos.