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Em finais de 2003, uma criança nicaraguense de 8 (oito!) anos foi violada, em frente às suas colegas de escola, engravidou e abortou. Embora à época o aborto para salvar a vida da gestante fosse legal na Nicarágua e todos os complicados procedimentos necessários tenham sido obedecidos, o aborto, realizado numa clínica privada, foi declarado um crime pela ministra da saúde, que resignou queixando-se de não ter sido apoiada na sua cruzada pelo então presidente Enrique Bolanos.   

 

O caso foi muito mediatizado depois do Cardeal Miguel Obando y Bravo ter excomungado todos os envolvidos e  ter enviado aos dirigentes da Nicarágua uma carta aberta em que afirmava que ter salvo a criança constituiu um crime equivalente aos ataques de bombistas suicidas.

 

Tal como Bento XVI, não obstante as desculpas enganadoras do porta-voz do Vaticano, para os bispos da Nicarágua o aborto terapêutico não passa de uma «aberração»,  «um crime abominável disfarçado por atenuantes pseudo-humanitárias». Assim, o caso de Rosita foi também o pretexto para a delegação local da ICAR  dar início a uma campanha para criminalizar o aborto terapêutico em qualquer circunstância.

 

Não sei se alguém reparou...

Como ainda ninguém falou do assunto, custa-me ser eu o primeiro a levantar a questão, mas a verdade é que, podendo estar enganado (e se for o caso peço desculpa), deu-me a sensação, fiquei mesmo com a forte impressão, que o árbitro da final da taça da liga, senhor cujo nome agora não me recordo, errou ao assinalar aquela grande penalidade contra o Sporting. Vi agora as imagens pela primeira vez (ainda não as tinha apanhado porque estranhamente nenhum telejornal as passou até à exaustão) e tenho quase quase a certeza. Estranho como ninguém reparou nem trouxe o assunto à baila. Deve ser o tal do fair-play, ou essa modernice de achar que errar é humano. Estamos a ficar mais civilizados, essa é que é essa.

O homem errado no lugar errado

Salvo erro, nunca por aqui falei de Marinho Pinto e da forma como este conduz os destinos da Ordem dos Advogados. Salvo erro, porque é natural que alguma vez a resistência tenha pecado por escassa e a caneta tenha acabado por pingar - tantas foram as ocasiões em que me apeteceu dizer algo sobre quem, em demasiadas ocasiões, não conseguiu ficar calado em situações em que tal se impunha; não perdendo de vista que, goste-se ou não (eu não gosto e espero que Marinho Pinto também não), sempre que aquele homem fala, fala também o Bastonário da Ordem dos Advogados.

Tenho de Marinho Pinto a imagem de um homem de metralhadora a disparar em todas as direcções. Com tantos tiros dados, alguns hão-de acertar o alvo – questão de probabilidade estatística (imaginem-se de G3 naquelas barraquinhas de tiro aos patos - é inevitável que alguns tiros saiam certeiros). Nestas rajadas mediáticas a que o Bastonário é dado, acaba pois por ser natural que, mais do que uma vez, todos nós tenhamos concordado com as opiniões manifestadas (o tipo de caudal torna impossível que tal não aconteça).

Porém, no reverso da medalha vê-se a porca a torcer o rabo. Por mais que o Bastonário acerte, os danos causados pelos inúmeros tiros ao lado, tiros na água se quisermos mudar de jogo, são demasiados para poderem ser desculpados ou, ao menos, vistos como colaterais necessários a um fim que justifica os meios.

Desde logo, desconheço o fim, a finalidade, os reais objectivos de Marinho Pinto, ignoro completamente, e francamente até ao fim do mandato nem quero saber, se tem uma agenda própria, supra ou lateral ao cargo que detém - nem quero ir por aí. O que me incomoda deveras é ver o Bastonário, que também é o meu, a fazer supostas revelações bombásticas no Boletim da Ordem, ali abordando temas completamente estranhos aos desígnios da Ordem, que nada a favorecem, e que caberiam melhor em páginas de jornais sensacionalistas – veja-se, a este propósito, o título da capa de Abril que ao lado reproduzo: “CASO FREEPORT – Carta anónima que incriminou Sócrates foi combinada com a PJ”. Como exemplo e para que melhor se entenda o que era e para que serve o dito Boletim, pegue-se nas edições de Março-Abril, Maio-Julho e Agosto-Outubro de 2005 (na altura a peridicidade era bimestral) e vejam-se as chamadas de primeira página: respectivamente, “Novo Estatuto – Novas regras profissionais – Entrevista com António Vitorino”, “Férias Judiciais – Entrevista com Mário Raposo” e “A Reforma do Estágio – Entrevista com Rui Medeiros”. A aparente nova missão do Boletim não passa, claramente, de um equívoco de monta.

Como apropriada ilustração de tudo o que acabo de dizer, veja-se o caso do mais recente artigo de Marinho Pinto, que dá título à já referida edição de Abril, artigo que se diz ser de opinião, quando manifestamente não o é – se bem o li e entendi, ali são revelados factos que em muito extravasam o conceito de mera opinião. O artigo de Marinho Pinto consubstancia-se numa espécie de artigo de jornalismo de investigação a la Felícia Cabrita, ainda que em sentido inverso.

Independentemente da bondade da investigação e da fidedignidade dos factos ali tratados e relatados (sobre os quais não me pronunciarei), custa-me demasiado ver o Bastonário a assinar um artigo onde, para além de se abordar de forma crítica um processo judicial pendente,  se refere, nomeadamente, que «a ideia da carta “anónima” parece ter surgido num contexto de encontros e reuniões entre inspectores da PJ, jornalistas e figuras políticas ligadas ao PSD e ao CDS» e que «Papel importante nessa reuniões parece ter tido também um individuo de nome José Maria Belo, que costumava ir à caça com Elias Torrão, já que terá sido por seu intermédio que este inspector da PJ organizou os encontros com Armando Carneiro, Vítor Norinha e Miguel Almeida» [meus sublinhados].

“Parece”, “parece”, “terá sido”?

Dores à parte, e as minhas são pouco mais que irrelevantes, termino como faz Marinho Pinto no artigo que faria melhor figura noutra publicação e assinado por outro indivíduo: «Uma coisa é certa: este tipo de situações não prestigia a justiça e, sobretudo, não dignifica o Estado de Direito Democrático nem as suas instituições mais relevantes». Mutatis mutandis…

A Ordem dos Advogados ainda é uma instituição relevante do Estado de Direito Democrático e artigos deste cariz nada fazem pela sua preservação como tal. Sinto-me particularmente à vontade para escrever e assinar este post porque também eu aposto na existência de uma campanha negra contra Sócrates.

A razão deste desabafo é manifestamente outra.

Uh?

"A 'carta anónima' dirigida à Polícia Judiciária no início de 2005, que incriminava o secretário-geral do Partido Socialista, José Sócrates, e deu origem ao processo Freeport, foi escrita por sugestão da própria PJ. Na verdade, a carta nunca foi anónima, já que o seu autor sempre foi conhecido dos investigadores policiais e chegou mesmo a participar em reuniões com inspectores da PJ", pode ler-se na abertura do artigo de Marinho Pinto.  (...)

"A situação, já de si insólita, adquire contornos algo preocupantes, porquanto a ideia da carta 'anónima' parece ter surgido num contexto de encontros e reuniões entre inspectores da PJ, jornalistas e figuras políticas ligadas ao PSD e ao CDS", conclui o bastonário.

e depois do mercado

Na Visão de ontem, uma série de economistas e outros especialistas vem, na senda de Silva Lopes, defender uma descida generalizada dos salários em 20%. O motivo é a crise, assim como, na formulação de António Nogueira Leite, "o desfasamento entre a produtividade e os custos laborais". Não sendo a economia o meu forte, acompanho Manuel Carvalho da Silva, citado na revista como ficando "maldisposto com a discussão".

 

Num país onde a diferença entre os rendimentos dos mais ricos e dos mais pobres é das maiores da Europa, onde o ordenado mínimo é metade do praticado em Espanha mas os salários dos gestores estão ao nível dos auferidos na Alemanha, e onde o preço dos bens de consumo é equiparado (quando não superior) ao que se pratica no resto da UE, haver quem ache que o caminho é baixar ainda mais os salários de todos custa um bocado a perceber. Claro que num contexto específico - o de uma empresa que arrisca fechar - se aceitam ajustes para salvar postos de trabalho. Mas estabelecer isso como regra geral, ainda por cima fundamentando-a numa espécie de fatalidade estrutural - a do tal desfasamento -, acrescentando ainda que "os portugueses se habituaram mal", surge apenas imoral.

 

O salário médio dos portugueses é baixo e baixá-lo global e cegamente não pode ser solução. Primeiro porque muitas pessoas já vivem no limiar da pobreza - mesmo se o nível de vida médio tem aumentado e as expectativas, felizmente, não têm comparação com as que existiam há 30 anos (será isso o "mau hábito"?). Em segundo lugar, a ideia de que o investimento estrangeiro poderá ser atraído com salários mais baixos já provou há muito a sua valia - há sempre salários mais baixos noutro lado, e é impossível (e indesejável) competir nesse quesito com países em que as pessoas não têm direitos. Se há empresas que só podem sobreviver com trabalho escravo, então não devem sobreviver - e essa é provavelmente uma das grandes consequências desta crise, a da inevitabilidade de reformulação de certos sectores, sob pena de desaparecerem. Terceiro: a animação da economia também depende do consumo - se se baixarem 20% os salários de toda a gente, é muito provável que o consumo baixe pelo menos nessa percentagem, implicando a descida de preços, falência de mais empresas e, por arrasto, uma eventual nova descida dos salários, numa espiral sem fim.

 

Alegar que por mais que se resista à ideia a redução salarial se aplicará "a bem" (por acordo) ou "a mal" (devido ao dumping criado pelo aumento do desemprego) é, paradoxalmente, negar a existência do mercado: mesmo num contexto de crise há sectores que florescem. E se foi uma ideia de mercado em roda livre e louca, sem relação com a realidade e o realismo, que nos trouxe onde estamos, convém talvez não querer substituí-lo completamente. É capaz de haver uma outra via - a ver se a encontramos, de preferência sem histerias e mantendo em vista algo de fundamental: a dignidade das pessoas e do trabalho.

 

(publicado hoje no dn)

 

RECTIFICAÇÂO: acabam de me dizer que, ao contrário do que eu julgava ter ouvido -- e lido -- silva lopes propôs o congelamento dos salários, não a sua descida. as minhas desculpas ao visado no engano e aos leitores.

adenda ao post anterior

não está em causa se o livro referido -- que não li -- é bom, mau ou assim assim. está em causa o nojo absoluto do processo de intenções, ao nível da mais abjecta inquisição. está em causa assassínio de carácter e perseguição. está em causa a tentativa de criação de um clima intimidatório em que os eduardos cintra torres desta vida se acham no direito de insultar seja quem for que não pareça comungar dos seus ódios de estimação.

eduarda maio tem o direito de escrever os livros que lhe apetecer, sobre quem lhe apetecer. eduarda maio tem o direito de exercer a sua profissão e o cargo para o qual foi nomeada e escrever livros ao mesmo tempo sobre o que e quem lhe aprouver. eduarda maio até tem o direito de ter ideias sobre o mundo, e até ideias políticas, se lhe der na gana, e exprimi-las e votar em quem lhe apetecer, e simpatizar com quem lhe aprouver -- isso não a incapacita em nada para as funções de jornalista. e foi também para isso que se fez o 25 de abril -- imaginem -- para que as eduardas maios possam fazer e ser e pensar e dizer e escrever o que lhes aprouver.

o anúncio da rdp é infeliz. chamar-lhe fascista, inconstitucional ou até, como faz cintra torres, 'horror', e ver nele uma manobra pró-governo seria apenas de uma risível tolice se não fizesse parte do intolerável clima de perseguição que existe neste momento em portugal e em relação ao qual não tenho, nos meus anos de consciência política e de actividade como jornalista, lembrança da mais remota semelhança.

 

não conheço, por acaso, por mero acaso, eduarda maio. nunca trabalhei com ela, não sei se é simpática ou antipática, nem sequer, para ser franca, conheço o seu trabalho como jornalista. como jornalista, só posso julgá-la pelo seu trabalho -- e é apenas por ele que pode como jornalista ser julgada. é inadmissível que alguém ache que pode julgá-la como jornalista por uma correlação de factos como a que eduardo cintra torres aponta. é inadmissível e é uma vergonha que tanta gente rasgue as vestes por causa de uma merda de um anúncio e não tenha um ai perante a tentativa de assassínio profissional de uma pessoa por ter dado voz a um anúncio -- não por ter como jornalista participado num anúncio (até porque se trata de um anúncio da rádio em que trabalha e como tal como ser integrado no sistema de auto-promoções dos meios de comunicação social) mas porque esse anúncio supostamente é 'pró- governo' e anti-manifestações.

 

fascismo, meus caros, é o sistema de pensamento único que tenta aniquilar os seus adversários de todas as formas possíveis, criando um vocabulário de novos crimes e um catecismo de novos pecados.

 

eduardo contra torres e apaniguados querem no fundo dizer isto: uma pessoa que escreveu uma biografia do primeiro-ministro que nós achamos que é 'demasiado simpática' não pode ser directora de uma rádio pública ('do governo', diz a criatura). não pode exercer a sua profissão em liberdade. tem de ser proscrita.

 

a história do anúncio é só um pretexto -- o crime de eduarda maio foi não ter escrito o livro como devia ser. pede-se, nada mais nada menos, que o seu saneamento.

 

tenham vergonha -- se ainda vos sobrar alguma.

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