Catroga quer que o governo seja levado a tribunal - um claro progresso em relação à ideia de suspender a democracia por seis meses, visto que o julgamento dos políticos equivaleria a cancelar a democracia liberal de uma vez por todas. Esta ideia de colocar sob a alçada do poder judicial as ideias políticas que nos incomodam chama-se ditadura e já foi experimentada entre nós quando Catroga era um pouquinho mais novo - admitindo que uma pessoa com o perfil psicológico dele alguma vez tenha sido nova. Acho que é altura de que quem no PSD se choca com estas coisas venha a público questionar as repetidas declarações de dirigentes do seu partido que de uma forma ou de outra evidenciam falta de cultura democrática. É que não estamos a falar de Miguel Relvas, Marco António ou Alberto João Jardim, mas de Eduardo Catroga e Manuela Ferreira Leite. Mais respeitável que eles, ao que nos dizem, não há. Vamos continuar a fingir que se trata de gaffes de tontos que não sabem o que dizem ou deveremos antes concluir que, de facto, prefeririam viver numa sociedade em que para as suas políticas prediletas triunfarem não tivessem que submeter-se ao sufrágio popular?
Tenho-me esquecido disto mas de hoje não passa. Há uns dias estava no cabeleireiro e fiquei verde. Eu conto. Como faço muitas vezes peguei numa das revistas que habitualmente por lá andam, no caso a FLASH! que trazia o líder do PSD e a mulher na capa. Folheando a dita dei com uma coisa inenarrável, escrita por um tal de Carlos Dias da Silva, que passo a transcrever (até recortei, com autorização, o pedacinho de trampa): "E pronto há uma épocazinha de férias e o aeroporto de Lisboa enche-se de africanos que vão viajar. Eu gosto deles, mas que são muito dados a confusão e que se distraem um bocadinho... Chegam a causar o caos... Então?". Quem é este animal que, muito provavelmente, tem carteira de jornalista?
Uma vez mais, temos World Press Cartoon no Museu de Arte Moderna, em Sintra. Uma vez mais, é uma visita que merece a pena, desde que se vá com tempo suficiente, pois são quase 300 trabalhos que merecem apreciação adequada. E, uma vez mais, não gostei particularmente dos vencedores. Crise, ambiente, Berlusconi, WikiLeaks, Obama, pedofilia na Igreja Católica, as mulheres e o Islão, terrorismo são alguns dos temas que mereceram maior atenção. Há muitos e muito bons, há alguns excelentes, há uns quantos que provocam sorrisos amargos. Recomendo a visita, também uma vez mais. Deixo aqui um dos que me arrrancaram uma gargalhada na sala em silêncio. Para quem não puder ir, fica aqui um link com todos os trabalhos. Não é a mesma coisa, mas sempre dá uma (pálida) ideia.
O que aconteceu com a 1ª página do Público de quinta-feira deve ser um dos grandes pesadelos de todos os que "fazem" jornais. Uma foto enorme na primeira página, que ilustrava a morte de alguém... e a foto não era de Vitorino Magalhães Godinho mas de seu irmão, José Magalhães Godinho.
Podia usar este episódio para me pôr com grandes conversas sobre jornalismo mas, por hoje, não o faço. Não posso, contudo, deixar de achar muito discutível a opção tomada pelo jornal para corrigir a situação. Hoje - dois dias depois! - lá aparece, na zona tradicional de "o Público errou" (junto às cartas do leitor) uma pequena nota pedindo desculpas à família e referindo o engano. É pouco, muito pouco, dada a envergadura do erro...
É muito raro encontrar numa mesma obra três dos temas que mais me interessam. Contudo, aconteceu: em The End of Lawyers?, do autor britânico Richard Susskind, são abordadas as temáticas da protecção de direitos na internet - a partir da abordagem da Online Dispute Resolution (ODR) - o terceiro sector e, englobando tudo isto, a Justiça.
Não é surpreendente. Susskind é um arauto da importância das TIC na Justiça e das mudanças sistémicas que elas podem provocar. A sua obra de 1998, The Future of Law, tornou-o numa das vozes mais ouvidas no panorama das ciências da administração da Justiça. Com The End of Lawyers? deu um passo muito mais largo e abarcou também outras províncias da Justiça não directamente ligadas às novas tecnologias.
É verdade que este livro é sobretudo construído da perspectiva das novas tecnologias mas o subtítulo indicia logo que iremos muito para além disso. Rethinking the nature of legal services é realmente o que preocupa Richard Susskind. Daí que, sendo uma obra dirigida primacialmente a advogados - e especialmente a in-house lawyers e grandes sociedades - e pensada a partir das vantagens trazidas pela tecnologia, Susskind não deixa de terminá-la com um olhar sobre a temática mais vasta do acesso à Justiça pelos cidadãos (a este propósito é notável o Capítulo 7 desta obra).
Sendo alguém com interesse e responsabilidades profissionais nesta área é com muito agrado e sintonia que encontro algumas das preocupações de Susskind. Por exemplo, a sua visão sobre o acesso à Justiça e o modo como as tecnologias podem ajudar é muito semelhante ao projecto do Portal de Acesso à Justiça que vem sendo desenvolvido em Portugal. O mesmo se diga da importância que atribui aos mecanismos de resolução alternativa de litígios online, onde em Portugal estamos perto de criar um Centro de Mediação e Arbitragem, totalmente em rede, para litígios emergentes do comércio electrónico.
Claro que onde o livro é realmente bom é na concretização de uma panaceia que, sem mais, começa a soar, a um slogan vazio: gestão tecnológica de processos (seja numa empresa, numa sociedade de advogados ou num tribunal). Muitos de nós, quando invocamos a absoluta necessidade de introduzir importantes princípios de gestão nos tribunais e noutras formas de resolução de conflitos (como se fez na Saúde com sistemas de triagem, referenciação e acompanhamento), sentimos os interlocutores desconsiderarem a importância deste princípio geral por entenderem que não passa disso. Pois tal ideia é falsa, importa desmistificá-la urgentemente e o livro, The End of Lawyers? de Susskind é um óptimo ponto de partida, repleto de técnicas concretas de como fazê-lo.
Como Miguel Relvas disse, os portugueses fogem do PSD quando este partido diz a verdade. Deve ser por isso que Passos Coelho gosta de brincar com as palavras. Vejamos dois casos paradigmáticos.
1) Na semana passada foi o plafonamento da segurança social, que o líder do PSD resolveu apresentar como uma medida que visa acabar com as pensões milionárias. Ora, não só já existe uma limitação das pensões (12 IAS), como o plafonamento não é uma medida que visa limitar as pensões. Em bom rigor, o plafonamento pretende retirar do sistema salários acima de x, isto é, limita o valor das pensões, no futuro, e o das contribuições, no futuro e no presente. Independentemente dos juízos sobre a justiça desta proposta, ela tem custos de transição elevadíssimos, pondo em risco a solvabilidade do sistema. Mas o problema não é só que no longo prazo estamos todos mortos, é também o efeito redistributivo desta medida - no curto, no médio e no longo prazo. Dizer que salários a partir de x deixam de contribuir para o sistema de segurança social, implica um enfraquecimento da sua dimensão redistributiva, enfraquecendo a dimensão de solidariedade colectiva, intra e inter geracional, do actual sistema de segurança social. Eu sei que o PSD (e outros) tende a esquecer isto, mas as instituições do Estado Social não são apenas seguros e formas sofisticadas e eficientes de mutualizar riscos. São, acima de tudo, instituições que operacionalizam e dão densidade ao conceito de cidadania, algo que nenhuma análise de cash flows ou cálculo actuarial poderá alguma vez entender. O PS fez uma importantíssima reforma da segurança social. Foi uma reforma elogiada por todas as instiuições financeiras. E Portugal é um dos países onde a questão da solvabilidade da segurança social menos se coloca. Perante tudo isto, o que justifica o plafonamento? Tirando uma preferência ideológica pelo sector privado, nada.
2) Passos volta à história do Estado regulador vs. Estado prestador, desta vez para falar do SNS. E, uma vez mais, decide brincar com as palavras, dizendo que o Estado não tem de ser o único prestador de serviços de saúde. Em si mesma, esta frase não significa nada, pois limita-se a constatar uma evidência: o Estado não é nem nunca foi o único prestador de serviços de saúde. Mas concordar com a existência de prestadores de serviços de saúde privados não implica que se defenda o fim da saúde universal e tendencialmente gratuita como ela existe hoje no SNS. Defender esta revolução - sim, revolução - implica dizer-se mais ou menos o seguinte: o PSD não concorda que o SNS deva ser financiado por impostos progressivos (de cada um de acordo com as suas possibilidades) e que a prestação de serviços seja universal e tendencialmente gratuita (para cada um de acordo com as suas necessidades). Se isto ficasse claro, então aí podemos ter uma discussão a sério sobre os méritos do sistema actual e os da alternativa do PSD. Mas isto implicava que Passos e companhia não fizessem demagogia e parassem de dizer coisas como 'não é justo que um pobre e um rico paguem o mesmo quando se desloquem a um hospital', pois isto ignora que a justiça já existe no financiamento via impostos progressivos. Segundo o que constava na proposta de revisão constitucional do PSD, o estado demitir-se-ia das suas responsabilidades no SNS, tornando-se apenas financiador de último recurso dos serviços de saúde para quem não pode pagar. Se é isto que o PSD propõe, então que o assuma de uma vez por todas e que se deixe de rodriguinhos verbais.
No seu artigo de hoje no Publico (sem link), José Manuel Fernandes resolve seguir na onda de Álvaro Santos Pereira, e diz: os factos provam que a culpa é toda do Sócrates. Insistir em desvalorizar, quando não mesmo ignorar, o contexto internacional tem o pequeno problema de se aumentar significativamente a probabilidade de se dizerem disparates. Por exemplo, afirmar que, tirando os países periféricos, 'ninguém sofreu como nós, nomeadamente a destruição de emprego' leva-me a concluir que JMF não vive neste planeta. É que, para além de desvalorizar o facto de Portugal ter tido um aumento da taxa de desemprego muito menor que a Espanha, a Grécia e a Irlanda, ignora que o desemprego na Eslováquia, na Bulgaria, na Estónia, na Letónia, na Lituânia e - pasme-se - na Dinamarca (a da flexi-segurança) aumentou muito mais do que em Portugal (dados OCDE e Eurostat). A não ser que JMF considere que estes países (mais os EUA) são todos periféricos, a afirmação de que Portugal é um caso singular é claramente falsa.
Strauss Kahn pôs o FMI a trabalhar com OIT porque a crise do desemprego é o maior desafio para a eocnomia mundial, não porque José Sócrates tenha criado um problema especificamente português. Mas o problema de JMF não acaba aqui. Mesmo que fosse verdade que o desemprego só tivesse afectado os países periféricos, o que justifica tratar esse facto como algo irrelevante para se formular um juízo sobre o caso português? Como é óbvio, nada disto implica que o desemprego não seja um problema grave; apenas que, se quisermos ser sérios, convém pôr as coisas em perspectiva.