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jugular

1 de agosto

Depois de um julho miserável, lá veio o primeiro de agosto estragar as expectativas de quem aguardava um início de férias auspicioso. O problema destes dias-desmancha-prazeres é que não há ninguém a quem se possa pespegar as culpas, nem um ministro, uma troica, um presidente ou uma crise que possa arcar com as favas da coisa. Os graciosos falam de S. Pedro e das partidas que prega, mas isso deixa sempre um travo de sabe-a-pouco, afinal não se pode rogar pragas a um santo. E se se pode, não se deve. Mas eu juro que não roguei pragas a ninguém. É sempre melhor proferir a já costumeira “só neste país”, misto de praga e de lema dos três mosqueteiros e de solidariedade coletiva da desgraça e do infortúnio (mas se quiserem chamem fado) que lançamos de forma tão corriqueira quanto, a mais das vezes, injusta. Portugal não tem, felizmente, orelhas; se as tivesse, já estariam carbonizadas há muito. Vamos, portanto, assumir que, como é hábito, a culpa do dia de hoje foi do “país”; não é, bem vistas as coisas, mais ridículo do que tantos bodes expiatórios que se arranja por aí. 

... )

E se em vez de insultarem o "eduquês", o estudassem?

Uma vez que os artigos na imprensa sobre o "eduquês" se sucedem a uma cadência quase quotidiana, era tempo de convocar os seus críticos para um debate sério. Uma vez que falamos de pessoas com formação e actividade profissional científica, esse debate devia respeitar regras elementares. Infelizmente, não é o caso.

 

Quando há um par de anos reuni o que em cerca de década e meia em Portugal se escreveu sobre o "eduquês" (quem quiser o paper é só pedir), o que mais me deixou espantado foi a forma leviana como as críticas eram feitas: leviana porque nunca sustentada em estudos concretos sobre a realidade portuguesa - e já nem falo de comparações sistemáticas entre a nossa realidade e a dos outros países. O que existe publicado são (o que devem ser considerados, na melhor das hipóteses) ensaios, a que se juntam, naturalmente, dezenas artigos de jornal e entrevistas. Mesmo neste livro, talvez aquele que reúne escritos mais técnicos, é extraordinariamente limitada a relevância dos artigos para qualquer conclusão sumária sobre o "eduquês".

No global, a maior parte dos escritos versa, imagino - e imagino porque se desconhece o objecto, a amostra, etc. -, sobre textos sobre pedagogia e formação de professores. Ou seja, os críticos do "eduquês" escrevem textos sobre textos (qual ironia: pensava que esta era a prática pós-moderna por excelência) sem nunca se questionarem (e a lista de questões está longe de ser exaustiva):

(1) se o conteúdo desses textos é apreendido uniformemente por todos os professores que por eles são formados;

(2) que correspondência existe entre o conteúdo desses textos e a realidade da acção pedagógica no dia-a-dia da sala de aula;

(3) se o "eduquês" é, enquanto teoria e prática, a "ideologia dominante" dos professores portugueses;

(4) se a obsessão com a questão pedagógica não desvia a atenção crítica para dimensões porventura mais essenciais para a eficácia e eficiência do sistema educativo, como as de cariz profissional (como se seleccionam e avaliam os professores, como estruturar a carreira docente, etc.) e organizacional (como pensar a governação da escola mais eficaz, mas que também seja vista como legítima). Claro que me dirão que o "eduquês" incide sobre todas essas dimensões - a pedagógica, a profissional e a organizacional. Pois é: o "eduquês" aborda tudo o que for necessário abordar para que a conclusão dos seus críticos seja a mesma. Nunca consegui encontrar uma definição de "eduquês" estabilizada e que signifique o mesmo para todos que manipulam aquilo que nunca chega a ser um "conceito". 

 

Isto é, a todos os títulos, extraordinário. Falamos de um grupo de pessoas que insultaria qualquer leigo que tivesse a leviandade de dizer, sem estudar, o que lhe parecesse ser "óbvio" sobre a formação das estrelas, das placas tectónicas ou dos oceanos, mas que considera ser dispensável fazer estudos sobre o que se passa nas salas de aula em Portugal para garantir que o que é afirmado tem robustez científica. Na medida em que o que é afirmado consiste num insulto generalizado e sumário a pessoas e instituições, esta ausência de prova - melhor, de elementar preocupação em provar o que é afirmado - é ainda mais grave. É este o exemplo científico que dão ao país? Aos críticos do "eduquês" não faltarão recursos institucionais, financeiros e editoriais para mobilizar umas dezenas de especialistas das áreas que entenderem para estudar o "eduquês" não nos livros, mas em acção. Custa muito construir uma amostra representativa das escolas do país? Fazer questionários, entrevistas, observação participante? Ouvir as pessoas, observar as práticas, atentar às justificações? Construir coortes de estudantes, grupos de controlo, comparar resultados? Perceber as diferenças do impacto pedagógico de certas práticas, isolar variáveis com capacidade explicativa forte para além das estratégias docentes (como a origem social dos alunos)? Etc. 

Dirão que em ciências sociais a produção da prova é mais difícil. Pois é. É precisamente por ser mais difícil construir dispositivos experimentais que sejam capazes de dar conta da diversidade empírica das instituições, das práticas e das atitudes que é particularmente insensato, senão irresponsável, chegar a certezas sobre temas tão politizados sem antes os estudar de forma aturada. Um ou dois estudos podem não chegar? Provavelmente não, se a realidade for demasiado complexa. E talvez precisemos de uns 10 ou 20 para chegarmos a uma conclusão robusta. Mas não é esse o preço da ciência - a suspensão do julgamento fácil sem conheceremos e estudarmos de forma metódica a realidade?

Vale a pena dizer que não sou advogado de nenhuma facção - sobre as vantagens e desvantagens do "eduquês", sou agnóstico. Revejo-me em inquietudes expressas pelos críticos do "eduquês": se, por exemplo, essas práticas pedagógicas prejudicam os alunos menos recursos culturais, reproduzindo défices de aprendizagem. Tenho as minhas opiniões, mas sobretudo muitas dúvidas. Não tenho qualquer problema que os críticos do "eduquês" demonstrem ter razão no que afirmam. Mas o ponto é precisamente este: que demonstrem. O que tem sido feito em Portugal na última década em meia sobre este tema não passa, infelizmente, de propaganda. E vindo de quem vem - um conjunto de pessoas com importantes responsabilidades científicas e intelectuais -, é particularmente grave.

sobre a melanina e outros assuntos a talhe de foice

“O senhor está a precisar de sol, não está?”, foi a frase do dia, uma espécie de sentença inaugural de verão, receção de boas vindas ou veredito Omo, ouvida hoje de manhã na papelaria aqui da terra. Várias respostas passaram-me pelo espírito, dizer-lhe que sim, confirmar que tinha acabado de chegar ou, ainda, preparar um testamento contando as minhas desventuras dos verões passados, nomeadamente o último, dizer que há aproximadamente dois anos que não apanho sol que se veja, o que me transformou num ser idêntico ao que alguém aqui no blog chama de “lula anémica”, enfim, coisas pessoais e profissionais, peripécias enfadonhas que a simpatia da senhora, por trás dos óculos grossos, não merecia. Fiquei-me por um sorriso e por um assentimento, sim, sim, preciso, é verdade, vou tratar disso. Era o bastante. 

... )

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