Noticia o Público de hoje (e o Correio da Manhã de 5 de Agosto) que o Governo pediu um parecer à Comissão Nacional de Protecção de Dados sobre um projecto de proposta de lei que permitiria o cruzamento, em tempo real, de dados de saúde entre o Serviço Nacional de Saúde e as Finanças. Não se trata, segundo a secretária-geral da CNPD, de uma base de dados que apenas fornece ao SNS o escalão de rendimento do utente de modo a possibilitar a aplicação de taxas moderadoras variáveis (e voltaremos a este assunto e ao desvirtuar do carácter universal, geral e tendencialmente gratuito do SNS que esta medida acarreta). Não; segundo noticia o Público, trata-se de dar acesso ao perfil de saúde dos utentes, isto é, aos seus dados clínicos, a entidades fora do SNS. Com que fins? Com que níveis de segurança? Não sabemos e, aparentemente, a CNPD também não.
Além das questões de privacidade, segurança e sigilo médico que a notícia do Público refere, não podemos deixar de temer que esta notícia tenha alguma coisa a ver com o famoso plano de prestações garantidas.
Um pastor norte-americano pretende criar um site nacional onde sejam divulgados os ateístas. Porquê? Porque, de acordo com o devoto pastor, se já existe o National Registrys para "convicted sex offenders , ex-convicts , terrorist cells , hate groups like the KKK , skinheads , radical Islamists , etc.." por todas as razões e mais algumas deve haver algo análogo para os ateus. E as mais algumas são, claro, a proselitização e, se isso não resultar, o boicote dos negócios dos aliados do mafarrico.
Nos últimos meses, extremistas salafi devotaram-se a "purificar" o Egipto da imagética religiosa não islâmica, atacando, para além de locais de culto cristãos e sufis, os vestígios da "cultura podre", como se referiu o porta-voz da Al-Dawa Al-Salafya (Salafist's Call) às pirâmides, esfinge e demais templos faraónicos.
É uma expressão antiga, de um livro antigo, não recordo qual. Remete para a imagem de alguém no meio de algo demasiado grande – uma batalha, uma revolução, a comuna de Paris, as invasões napoleónicas – a tentar, como no meio de um tufão, sobreviver e fazer sentido. Uma imagem épica, vista de longe como a daquelas câmaras que de cima, como do céu, varrem a paisagem e perspectivam a pequenez do indivíduo. 2011, este ano espantoso, é um lugar assim. Não me recordo de um, no meu tempo de adulta consciente e interessada, que acumulasse tantas ocorrências avassaladoras.
Houve 2001, é claro, com a sua alteração fundamental da percepção do mundo, espécie de corolário de 1989, o ano do fim do muro de Berlim e do bloco de leste mas também o ano de Tiananmen. Houve, para Portugal, 1974 (mas aí eu tinha dez anos). Houve muitos acontecimentos brutais, tremendos, vitais, a suceder-se no meu tempo de vida. Mas tantos, no mesmo ano, uns a seguir aos outros? Estamos um mês e pouco após o massacre de Utoya e parece ter acontecido há seis – porque entretanto houve os motins de Londres que, por sua vez, “mataram” o escândalo mediático e político do News of the World, o jornal da constelação Murdoch que foi apanhado a escutar milhares de pessoas para fazer “notícias” com base na sua vida privada. Ao mesmo tempo que os EUA, que vemos ainda como a mais poderosa nação do mundo, ficavam a um triz da incapacidade de pagar a sua dívida e mais uma série de nações europeias, agora das “grandes”, viam os seus ratings baixar, abanando ainda mais o euro e lançando ainda mais os governos numa espiral enlouquecida de “austeridade” – enquanto a novela da acusação por sequestro e tentativa de violação de uma empregada de hotel pelo ex-director-geral do Fundo Monetário Internacional continua. Entrementes, na Síria um governo homicida usa tanques e navios de guerra contra civis desarmados, na Líbia a guerra entre o ditador Kadhafi e os que se lhe opõem, com apoio da NATO, arrasta-se há meses, no Egipto a revolução que derrubou (em Fevereiro, lembram-se?) o déspota Mubarak parece azedar e prenunciar desastre e em Israel assiste-se ao primeiro protesto massivo contra o governo por motivos económicos – um protesto que, entre outras coisas, demonstra o quanto a sociedade israelita é diversa da visão monolítica em que alguns tanto gostam de a encerrar. Do Japão, o desastre nuclear que se seguiu ao terramoto e tsunami de Março continua a fazer vítimas e a lançar presságios sobre todas as centrais atómicas do mundo. E, em África, morrem milhares à fome (e, sim, estamos tão habituados a que morram milhares em África, à fome ou por outro motivo qualquer, e que isso nos pareça natural e nada ter a ver connosco, que nesta lista esta hecatombe vem no fim, como algo que se pode quase esquecer por não ter qualquer impacto político ou económico na nossa vida, em suma, por não fazer qualquer diferença “efectiva”).
É certo que, se necessário fosse, o 11 de Setembro e o que se lhe seguiu teriam provado o quanto as instituições internacionais, a começar pela ONU, podem ser inúteis. Mas a estonteante exibição de dois pesos e duas medidas face aos casos da Líbia e da Síria (para não falar do Bahrein e da China) é definitiva de tão obscena, como obscena é a incapacidade face a tragédias como a da Somália. Tão obscena como o facto de a hiper-crise de 2008/2009, causada pela ideologia liberal – foi a permissão, nos EUA, da fusão entre banca de retalho e de investimento, defendida pelos liberais, que permitiu a loucura da transformação dos créditos à habitação em fundos especulativos – estar a resultar, após uma primeira fase, em 2009, de reacção pelo investimento estatal nas economias e na protecção social, no triunfo do liberalismo mais descabelado e na destruição do Estado Social que as últimas décadas tinham provado ser uma das grandes conquistas civilizacionais do Ocidente. E, de caminho, no desmantelamento da ideia de União Europeia. Some-se a isso a acelerada degradação dos media, transformados em máquinas criminosas de intrusão e manipulação, e são os alicerces do mundo – o nosso, tal como o conhecemos – a ruir. O blockbuster deste Verão é um filme catástrofe – e nós os protagonistas.
(publicado na coluna 'sermões impossíveis' da notícias magazine de 21 de agosto)
Estrela. "Patologizar" isto, fazer um diagnóstico formal, seria desculpabilizar um exercício de poder que é, de facto, uma filha da putice sem nome, grave.
A frase é de Norman Tebbit, secretário de Estado do Emprego de Thatcher, quando o desemprego explodiu no primeiro governo conservador (1979-1983) e, adivinhem, os motins alastraram-se a várias cidades britânicas (qualquer semelhança com a actualidade será pura coincidência).
A diferença entre a frase de Tebbit (em 1981) e as consequências desta medida é que não são apenas os desempregados que são aconselhados a deslocar-se de bicicleta, mas as centenas de milhar de trabalhadores portugueses que vão perder acesso ao passe social.
Não só esta medida específica não está no memorando assinado com a Troika, como esta decisão, tomada seguramente por quem não faz a mais pequena ideia do impacto que uma medida desta tem para a tal "classe média que vive do trabalho" que o PSD e o CDS passaram demagogicamente anos a defender, sai direitinha do baú ideológico de Passos Coelho. Não digam, por isso, que não estavam avisados (e isto aplica-se ao BE e PCP).
Como o João Galamba já disse algures, esta medida terá como efeito que, para muita gente, bem feitas as contas, não compensará sequer ir trabalhar, tal o corte no rendimento disponível que não pode deixar de representar (a não ser que isto dos incentivos monetários só funcione para quem ganha muito dinheiro; para os outros, o real incentivo será o "chicote da fome").
Isto, atenção, no dia em que Hélder Amaral, do CDS-PP, afirmou à TSF, a propósito da discussão de um possível imposto sobre os mais ricos, que «não me parece que se possa ultrapassar aquele limite de sacríficios que se deve pedir aos portugueses». Os ricos - é desses portugueses que fala - já estão no limite dos sacrifícios. O resto que pedale.
há muito que se tornou rotina fazerem-se piadas com escutas. não que tenha alguma espécie de graça imaginarmos que tudo o que dizemos ao telefone, seja a quem for, pode estar a ser ouvido, mas porque é uma forma de lidar com esse pavor. admito porém que quando nesta madrugada li a notícia do expresso que mostra os registos no telefone do nuno simas, meu ex colega do dn e ex co-blogger no glória fácil, fiquei estarrecida. sabíamos das escutas desvairadas da justiça e polícia portuguesas e do uso obsceno que delas tem sido feito, por agentes judiciários e media. de tal modo aliás a palavra escuta passou a relacionar-se com o sistema judicial e processos de perseguição política a ele associados que a ideia de que os serviços secretos pudessem andar a fazer o mesmo esteve arredada da generalidade das mentes e mais ainda do debate público.
aquilo que o expresso noticia é de uma enorme, extrema gravidade e, como se lê na nota do público a propósito, não pode não ter consequências. é preciso saber como algo assim pôde suceder, quem autorizou, quem soube, e se outras situações destas ocorreram e em relação a quem, e, mais, o que se pode fazer para certificar que não voltem a ocorrer.
passamos a vida a ver filmes sobre coisas destas; ultimamente, assistimos na primeira fila ao desvendar do enredo da escutas efectuadas por um império mediático envolvendo a polícia e tocando um partido e um governo. diz-nos a história que isto se faz nos regimes totalitários mas também nos democráticos (mesmo se é a própria negação dos valores essenciais da democracia), que é feito por polícias, por serviços de espionagem, por detectives privados a mando de diversas instâncias, incluindo governos e partidos (watergate, lembram-se?), e, ultimamente, por qualquer pessoa que queira e possa comprar instrumentos de escuta. temos a noção de que dificilmente estas coisas são detectadas e os seus responsáveis punidos. mas isso, a noção do quão difícil é conter o mal e o desalento perante a sua multiplicação e poder, não pode ser motivo para que baixemos os braços, para que possamos sequer considerar isto 'banal' ou 'expectável' ou para que, como vi hoje no twitter, a indignação e o choque sejam qualificados como 'ingenuidade'.
quero saber quem mandou investigar o telefone de nuno simas. porque ele é jornalista, claro, e tem de ter a garantia da protecção das fontes ao abrigo da liberdade de imprensa, mas sobretudo porque é um cidadão de pleno direito, como qualquer outro, e tem direito àquilo que a constituição e a lei decretam sagrado, a intimidade da sua vida privada e a inviolabilidade das suas comunicações.
como a direcção do público, considero que isto diz respeito a todos -- como sempre achei que todas as violações dos mesmos princípios, sejam protagonizadas por serviços de espionagem, pelas polícias e tribunais ou por jornalistas, dizem respeito a todos, devem chocar todos e devem levar todos a exigir apuramento de responsabilidades e punição exemplar de responsáveis.
Com Vale, a censura advém de uma empresa privada. Um privado pode decerto decidir o que expõe, mas, e descontando a hilariante invocação de "valores tradicionais" da seguradora (além do de fazer dinheiro, quais?), será sempre intolerável que a administração de um espaço expositivo diga a um artista convidado o que deve e não deve fazer. Há, porém, quem ache que tudo depende. Caso de Viegas, que em secretário de Estado da Cultura diz desconhecer "pormenores" e não comenta: "É um contrato entre um artista e um mecenas." Pelos vistos, o moralismo só é uma tara na PSP; na Tranquilidade é tranquilo até "não perceber de arte". Porque o sexo em vez de ser de mulher é de homem?, porque o artista, em vez de francês morto, é português vivo?, ou porque. Ah, a arte. Tem destas coisas.