Não é nada que não se esperasse. Mas não deixa de me causar impressão a forma como as crónicas, nos poucos e cada vez mais monocórdicos títulos da nossa imprensa escrita, venham gradual mas seguramente baixando a fasquia da exigência do discurso, da elevação da linguagem e da clareza da análise. Nos tempos em que a disciplina de "iniciação ao jornalismo" fazia parte dos planos curriculares dos 10º e 11º anos de escolaridade, foi-me ensinado que a "crónica" era algo de especial. Não era um "editorial", nem uma "notícia", muito menos uma "reportagem". Era uma espécie de reflexão ponderada, um ensaio compacto de escrita cuidada, uma pequena jóia que só alguns conseguiam alcançar. Um "cronista" dos nossos dias (que nós ainda misturávamos com os cronistas medievais) era alguém capaz de produzir opinião, mas também literatura. E alguns exemplos eram lidos e mostrados nas aulas. Qualquer um podia fazer entrevistas e escrever notícias. Mas crónicas não.
Brad de Long explica por que razão o BCE está a falhar enquanto Banco Central:
Our current political and economic institutions rest upon the wager that a decentralized market provides a better social-planning, coordination, and capital-allocation mechanism than any other that we have yet been able to devise. But, since the dawn of the Industrial Revolution, part of that system has been a central financial authority that preserves trust that contracts will be fulfilled and promises kept. Time and again, the lender-of-last-resort role has been an indispensable part of that function. That is what the ECB is now throwing away.
Passos tem toda a razão quando diz que o cenário macroeconómico e evolução das principais variáveis tornam necessário renegociar o memorando.
A Troika não pode considerar este pedido de renegociação como um incumprimento, porque sempre defendeu que o memorando é um acordo que deve ser adaptado às circunstâncias.
Passos quer envolver o PS nesta renegociação. Muito bem. Resta saber se o PS pode ter uma palavra a dizer sobre as implicações do novo quadro macroeconómico e sobre a evolução das 'principais variáveis'. Envolver o PS não pode implicar acompanhar a interpretação que a direita faz daquilo que deve ser ajustado. O PS sempre esteve vinculado ao memorando, nunca à interpretação que a direita vai fazendo desse memorando. E assim deve continuar a ser.
Highlighting the region’s deteriorating economic prospects, seasonally-adjusted unemployment in the 17-country region rose to 16.2m in September, 188,000 higher than in August and the highest since comparable data started in the late 1990s, reported Eurostat, the European Union’s statistical office. It was the biggest monthly rise in two years (Financial Times)
Enquanto o Eurostat informa que o desemprego na zona euro continua a subir e atingiu o valor mais elevado desde a criação da moeda única, os principais líderes europeus (e o governo português) continuam a achar que o problema se deve à falta de empenho na consolidação das finanças públicas e reafirmam o seu compromisso com as políticas de austeridade. Que a incerteza nos mercados, nas empresas, nos consumidores e nos trabalhadores se possa dever a esse tipo de política é coisa que não entra na cabeça de quem governa a Europa (e o país).
Numa das suas idas ao Parlamento, Vítor Gaspar citou Keynes - 'os aliados fazem sem querer aquilo que os marxistas fazem de propósito' - para criticar aqueles que criticam a obsessão europeia com as políticas de austeridade. Citou mal. Keynes estava convencido que a política de reparações de guerra que os aliados tinham imposto à Alemanha iria destruir a própria Europa. Hoje, se fosse vivo, Keynes diria algo semelhante sobre a resposta europeia à chamada crise das dívidas soberanas. A citação de Keynes, afinal, aplica-se ao próprio Gaspar.
Os dados de Eurostat publicados hoje mostram que em Setembro de 2011 a zona de conforto o desemprego subiu tanto na União Europeia-27 como na Zona Euro, voltando ao pico que registara no fim de 2009, no rescaldo da crise financeira iniciada em 2007-8.
A austeridade a nível continental está, portanto, a resultar*. Por exemplo, na Irlanda e na Letónia, os alegados casos de sucesso da "austeridade expansionista", cifrou-se nos 14,2 e 16,1%, respectivamente (na Letónia os dados reportam-se a Junho).
* O comentário é só parcialmente irónico. A estratégia mais fácil de dar cabo do Estado social é "manter" o desemprego a nível elevado durante o tempo necessário para que os eleitores percam a paciência, passem a achar que as despesas públicas com o apoio aos desempregados são insustentáveis e que o que é preciso é os malandros saiam da "zona de conforto".
A curto prazo, se queremos estimular o crescimento económico a competitividade poderíamos reduzir a taxa social única, mas não temos margem orçamental para o fazer. A medida que foi aqui discutida passa pelo aumento temporário do horário de trabalho, o que será uma lufada de ar fresco para muitas das empresas, que ficarão mais compettivas e criar mais riqueza e postos de trabalho (Negócios)
Álvaro Santos Pereira lá reconheceu que não é possível ganhar competitividade através da redução da TSU. Mas fê-lo pelas piores razões. É que, ao contrário do que pensa Álvaro Santos Pereira, o problema não está na ausência de margem orçamental, mas na total ineficácia e ineficiência deste tipo de medidas. Quando Vítor Gaspar disse que a redução da TSU funciona muito bem mas é nos modelos da universidade, devia ter ido mais longe: pelas mesmas razões, o aumento de meia hora de trabalho também só resulta nos modelos teóricos. Se o tivesse feito, teria evitado que o Ministério da Economia fizesse figuras tristes com (supostos) estudos que (supostamente) demonstram a eficácia de mais este game changer da competitividade. Onde se lê que a meia hora adicional vai melhorar o desempenho das empresas portuguesas em 4%, devia ler-se: os modelos de universidade que encontrámos para justificar o injustificável dizem-nos que esta medida vai melhorar o desempenho das empresas portuguesas em 4%. É uma diferença que faz toda a diferença, porque os modelos teóricos deixam de fazer sentido assim que o pensamento teórico desce à terra e se confronta com a realidade portuguesa. Como escreveu Pedro Romano no blog Massa Monetária, o choque de competitividade da meia hora tem dois problemas:
1) De acordo com o INE, não há, ao contrário do que é pressuposto pelo Ministério das Finanças, empresas da indústria transformadora a trabalhar próximo dos limites da capacidade (em média, pelo menos). A taxa de utilização da capacidade instalada foi de 74,5% em Setembro, em linha com os valores dos meses anteriores;
2) As próprias empresas dizem que o principal obstáculo à produção é a falta de procura, bem longe de qualquer outro tipo de constrangimento.
Ou seja, o aumento do horário de trabalho só dinamizaria as empresas e o emprego numa situação teórica que nada tem que ver com o actual contexto da economia portuguesa. No contexto actual, caracterizado por procura insuficiente e excesso de capacidade, das duas uma: ou não tem qualquer efeito ou aumenta o risco de destruição de emprego.