Li ontem no Twitter esta frase, escrita não interessa por quem:
"Se os contribuintes individuais pudessem mudar o endereço fiscal para a Holanda e pagar menos 10 ou 20% de IRS não o fariam? Claro que sim."
A palavra chave nesta frase é "pudessem", a terceira pessoa do plural do verbo "poder" na sua forma condicional. A questão de saber se se deve é subrepticiamente substituída pela de saber se se pode, como se fosse a mesma coisa.
A insinuação é clara: se se pode, não faz sentido perguntar se se deve. "Se tens poder, usa-o": tal é o conselho, a moral e a lei.
Ora a civilização consiste nada mais nada menos que na contenção do poder, a qual inclui como elemento essencial a auto-contenção. Inversamente, quem entende que o poder sobreleva quaisquer outras considerações coloca-se ipso facto do lado da força bruta.
Cheira-me, porém, que não agradará muito àqueles que hoje podem o que um dia poderão vir a poder aqueles que, de momento, não podem.
Os economistas neoclássicos acham que os bancos emprestam um multiplo (multiplicador) da base monetária criada pelo banco central, isto é, que a causalidade vai das reservas criadas pelo banco central para os empréstimos, onde mais reservas implicam, necessariamente, mais liquidez disponível para a economia. Pois bem, esta teoria é falsa. Como diz a Societé Generale:
Graph 2 shows that the money multiplier has collapsed. Indeed, using the weekly ECB data from 23 December, base money has increased by 46% over the past year, when broad money supply has grown by just 2% (with the counterparts of M3, loans to the private sector were up by just 1.7% yoy in November and still slowing). In other words the ECB is printing money but the transmission to the real economy is extremely weak. We have been and remain sceptical that such a passive form of QE would reverse economic fortunes. The money multiplier, now at a historical low in the eurozone, has more than halved from the peak of 2002. The pressure on banks to deleverage and the lack of appetite for non-financial private sector borrowing are such that the ECB ought to think about other plans.
O problema não é que o multiplicador tenha colapsado, porque, na verdade, o multiplicador nunca existiu - é uma ficção dos neoclássicos (e afins), que não entendem como funciona o sistema de criação de crédito numa economia moderna. Isto destrói a ideia que os bancos centrais fazem de si mesmos e, sobretudo, do poder que (supostamente) têm à sua disposição para dinamizar/estabilizar a economia. Só a política orçamental tem real capacidade para aumentar a liquidez na economia. Num contexto como o actual, o papel de um banco central devia ser o de apoiar a política fiscal dos estados, financiando-os, e não, como está a ser feito, o de tentar substitui-los, anulando/mitigando o efeito recessivo da austeridade. A crise actual só se resolve abandonando a austeridade que vai empurrar a economia europeia e, como é óbvio, os bancos para o abismo. Por outras palavras: é a procura, estúpido!