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Fundações: primeiras impressões da proposta de lei n.º 42/XII

(Shyznogud made me do it)
O Governo aprovou recentemente uma proposta de lei com o propósito de reformar o regime jurídico fundacional, que irá começar a ser discutida na Assembleia da República nos próximos dias. Importa, por isso, deixar alguns comentários tópicos sobre o tema e uma brevíssima nota prévia.

 

Nota prévia:

 

A proposta aprovada em Conselho de Ministros pretende conciliar dois percursos distintos.

 

Um, mais lento, destinado a levar à alteração global do regime jurídico fundacional em Portugal. É uma ideia velha de, pelo menos, uma década, se tomarmos como seu surgimento a apresentação dos projectos da Comissão Alarcão, em 2001, com três ante-projectos sobre o tema. Como qualquer reforma importante e complexa, o tempo desta reforma tem que ser um tempo de calma e reflexão. Uma década pode parecer muito tempo, mas para se ter uma ideia, talvez o exemplo alemão seja esclarecedor: o BGB (o código civil alemão) está em vigor desde 1900, a parte relativa às fundações só foi revista em 2001 e as primeiras discussões sobre a reforma começaram em 1962...

 

O segundo percurso é bem mais recente. Prende-se, tal como é logo adiantado na exposição de motivos da proposta de lei, com compromissos assumidos perante a UE, o FMI e o BCE. Em bom rigor e comparando o que se escreve na exposição de motivos com os dois pontos do Memorando de Entendimento alusivos às fundações (3.42 e 3.43), o que as contra-partes pretendem é alteração de dois aspectos muito específicos: o controlo dos gastos públicos e a melhoria do governance das fundações públicas ou sobre controlo público. Nada é dito sobre fundações privadas, sendo a exposição de motivos e as normas da proposta de lei que colocam tudo no mesmo saco, sem ulteriores esclarecimentos.

 

A confluência destes dois distintos percursos fundamentadores da proposta de lei leva a que tenhamos duas personalidades distintas nesta proposta de diploma, uma boa e uma má. No que toca aos aspectos directamente ligados com o Memorando, ie, controlo financeiro público e governance, a proposta é de saudar; no que toca aos aspectos de sistematização do regimes fundacionais a proposta fica muito aquém das expectativas.

 

 

Vejamos: )

 

Não, no início não é a poupança.

Credit is essentially the creation of purchasing power for the purpose of transferring it to the entrepreneur, but not simply the transfer of existing purchasing power. The creation of purchasing power characterises, in principle, the method by which development is carried out in a system with private property and division of labour. By credit, entrepreneurs are given access to the social stream of goods before they have acquired the normal claim to it. It temporarily substitutes, as it were, a fiction of this claim for the claim itself. Granting credit in this sense operates as an order on the economic system to accommodate itself to the purposes of the entrepreneur, as an order on the goods which he needs: it means entrusting him with productive forces. It is only thus that economic development could arise from the mere circular flow in perfect equilibrium. And this function constitutes the keystone of the modern credit structure (Schumpeter 1983 [1934], The Theory of Economic Development: An Inquiry into Profits, Capital, Credit, Interest, and the Business Cycle, Transaction Books, New Brunswick, N.J. and London: pg. 107)

Ao contrário do que tem sido dito, não são as poupanças dos países 'virtuosos' que financiam os défices dos 'indisciplinados'. Curiosamente, acontece exactamente o contrário, porque as poupanças estão no final do circuito, não no início, como defendem os moralistas para quem as virtudes puritanas são a causa primeira e o motor do crescimento económico. A ideia de que a primeiro é preciso poupar e que só depois se pode gastar inverte a causalidade do sistema de crédito que caracteriza as economias modernas. As poupanças são o resultado, um output, não um input do circuito de crédito. Este circuito começa com a criação de crédito (ex-nihilo) por parte dos bancos, como descreve Schumpeter. Foi essa criação de crédito que financiou o consumo e o investimento na chamada periferia e que, posteriormente, tornou possível a poupança nos países credores. Sem este consumo e investimento, sem esta despesa, portanto, não haveria poupança, porque a venda de bens e serviços que criou o rendimento a partir do qual se pode poupar não teria ocorrido. Como é óbvio, as exportações dos países credores não se devem apenas à 'indisciplina' dos periféricos, porque parte das exportações se deve à procura de países não-europeus. Mas este facto apenas confirma a lógica do meu argumento: as exportações existem porque, algures no sistema, há despesa, isto é, procura por esses bens e serviços. No princípio, como nos ensinou Keynes, está sempre a despesa, a procura efectiva. E é por esta razão que a actual estratégia de desalavancagem e correcção dos desequilíbrios está condenada ao fracasso e vai arrastar todos - devedores e credores - para uma profunda recessão.

Do uso das aspas

Dizem-nos as gramáticas que as aspas se usam para indicar a reprodução literal e fiel  de uma oração, de um período ou de um texto. Esta pequena reflexão justifica-se por uma notícia que desde esta manhã tem invadido jornais e sites noticiosos em geral. Vejamos, por exemplo, o Sol, que reproduz uma notícia da Lusa:

 

 

 

Ora bem, esta conversa é repisada. Em finais de Janeiro discutiu-se a mesma coisa e várias pessoas chamaram a atenção para o "erro" de tradução (de, na altura, Eva Gaspar), como o João Pinto e Castro aqui no Jugular. Que eu saiba o homem não voltou a falar do tema logo as aspas, que indiciam que terá dito aquela frase, estão a ser abusivamente usadas. Se eu estiver a ser injusta a Lusa ou o Sol que indiquem, por favor, a fonte de onde tiraram a frase "Salários em Portugal devem baixar".

 

 

Sugestão: não se queixe à Ilga, peça informação*

Ena tanta baralhação junta.

 

Assim à laia de "antes da ordem do dia": se a homossexualidade não é (não deve nem pode ser) fonte de direitos também não pode ser, de per si, fonte de falta deles. A aprovação do casamento de pessoas do mesmo sexo é disso exemplo. Defendo que a ninguém pode ser negada a possibilidade de, tal como eu, poder decidir não querer casar, ora para que tal seja uma realidade é necessário que a possibilidade de casar exista.

 

Agora o tema. Com a legitimação legal da adopção por casais homossexuais não é o reconhecimento social da homossexualidade que está em causa. Nem a qualidade parental depende da orientação sexual nem a homossexualidade depende do reconhecimento social, existe, ponto. Casamento e parentalidade são coisas diferentes, como a lei portuguesa bem o prova, aliás, ao permitir a adopção de crianças por homossexuais solteiros, por exemplo.

 

Se, como de resto o Pedro afirma no texto, não é a orientação sexual que determina a qualidade parental, como baralha a defesa do interesse da criança com a orientação sexual dos progenitores? Mais, estas crianças, filhos biológicos e adoptados de pais homossexuais, já existem e a sua ética pessoal e a sua saúde mental não são de pior qualidade que a dos filhos de heterossexuais (aqui está alguma informação sobre o assunto mas há mais, bastante mais, espalhada pelo Jugular). A que preço se refere? Estigmatizante é uma lei obrigar uma criança a omitir uma realidade que é a dela.  

 

E a cereja em cima do bolo é a dos "papéis masculino e feminino definidos". De que  falará exactamente, será deste género de patacoadas? Mais, onde foi buscar a ideia de que a formação de uma personalidade se resume a um dever e um direito dos pais? Análise simplista, deixe-me dizer-lhe, patética e pouco informada. Imagine só que, sendo solteira, tenho um projecto de vida "estável e claro", para além de uma filha com uma personalidade sintónica criada numa família monoparental.

 

Adenda: Só para acrescentar mais este link e um pequeno comentário. Homossexuais conservadores é o que para aí não falta, Pedro, como muito bem sabe, sai-lhe furada, por isso, a ironia com que terminou a sua crónica.

*

3 linhas, vá

"Há um Santos Silva banqueiro (Artur) e um Santos Silva ex-ministro (Augusto), e foi naturalmente a este que se passou cartão porque o assunto era achincalhar: "Cartões milionários na Defesa", titulou o Correio da Manhã. O Santos Silva não milionário, afinal, era-o... O ministro da Defesa do último Governo tinha dez mil euros de plafond!, gritou o jornal, tão alto quanto o teto do cartão bancário. O CM tem a mais apurada pituitária dos jornais, se fosse escaravelho haveria de se chamar rola-bosta, quem gosta fica bem servido. E assim lá houve mais um episódio de indignação esganiçada. Tudo normal, não fosse o tal Santos Silva não ser dos políticos que quando há suspeitas sobre as suas contas se negam a divulgá-las. A contracorrente do que é norma, o Silva do teto alto, em vez de deixar a suspeita assentar e esquecer, espevitou-a. É certo que começou por dizer, o que podia ser mero truque para protelar a explicação, que do cartão de serviço só gastara em serviço. Oh filho, os fãs do rola-bosta querem é saber se bebeste Petrus à custa do povo... Mas não, o Silva do cartão não estava a protelar coisa nenhuma, tirou a coisa a limpo e exigiu que o Ministério da Defesa tornasse público o que gastara. E ontem soube-se: nos 20 meses em que foi ministro, do seu cartão super-hiper de dez mil euros, Augusto Santos Silva gastou uma média de 147,72 euros mensais. Deixa-me fazer contas: dez mil, manchete; 147 euros, deve dar duas linhas" Ferreira Fernandes.

Pois, pois, JPimenta

Cada um se compara com quem acha justo, Pedro, vexa lá saberá.

 

Os dados oficiais estão à distância de um clique, é procurar, já responder ao meu pedido de esclarecimento 'tá quieto.

 

Adenda: A Shyznogud é mais querida que eu e fez a papinha, pronto, só um dado (os sublinhados são meus): "Cerca de 15% (14/92) das mortes maternas ocorridas entre 2001 e 2007, associaram‐se a diferentes situações de aborto. Os grupos etários onde a percentagem de abortos com morte materna foi mais elevado foi o 15‐19 anos com 50% (2/4) e o dos 25‐29 anos de idade com 25% (4/16)." In: Mortes maternas em portugal 2001-2007, relatório da Direcção Geral de Saúde

o vírus CM

Terrível, pandémico, galopante. O vírus CM alastra por todo o lado. Até a rádio pública já foi contaminada. Hoje dei um salto ao ouvir uma manchete-bomba na Antena 1: "Portugal é um dos países do mundo com maiores desigualdades sociais". O choque durou uns instantes, entre as headlines e o desenvolvimento. "Do mundo"? Pensei nas cleptocracias africanas, nos estados falhados, nos países de elites pornograficamente ricas e de populações indigentes, nos Mobutus, nos Eduardos dos Santos, nos Suhartos, nos Marcos. Como era possível? Ou vivo numa outra dimensão ou padeço de negação da realidade: nem vejo Passos Coelho a desviar milhões para a família, nem hordas de indigentes a viver de e nas lixeiras urbanas. Pouco depois, o desenvolvimento da notícia esclarecia tudo. Um pequeno pormenor é então revelado: "...entre os países da OCDE". Bom. A ONU tem 193 estados. A OCDE tem 34. Diferença pequena, não é? Não nos podemos orgulhar de grande coisa nestes últimos tempos, é verdade. E Portugal resvala para um empobrecimento geral e para o agravamento das desigualdades. Mas haja decência e um mínimo de bem senso.

Uma República, Um Presidente, Uma Maioria, Um Governo, Um Criador e por aí fora

O que deve preocupar os portugueses não é que exista um que ache que a adopção por casais homossexuais é contra o criador. Isso é liberdade de expressão. Basta discordar. O que deveria preocupar os portugueses é que esses portugueses integrem a maioria que hoje chumbou tais propostas de lei no Parlamento.

 

Mas isto se calhar já é muita filosofia para aqui.

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