Começo com um exemplo paradigmático da minha mais recente paixão musical, o chamado "Bolivian Baroque", associado, em traços gerais, à música das missões jesuíticas da América do Sul e, em sentido mais estrito, à descoberta de um largo conjunto de manuscritos inéditos que permitiram um notável número de novas gravações e um interesse renovado pela temática. A música como instrumento de conversão sempre me interessou (bem mais do que as armas) e teve um momento alto aquando do visionamento de A Missão, de Roland Joffé, já lá vão mais de duas décadas. O filme contém muitos disparates mas a banda sonora de Ennio Morricone permite todas as absolvições. Por outro lado, a fusão musical é sempre uma experiência rica e interessante que me fascina especialmente. No caso presente, trata-se do exemplo mais antigo de polifonia vocal publicado no Novo Mundo (em 1631, mais informações aqui). Trata-se de um hino simples e singelo, dedicado à Virgem Maria e cantado em quechua. Destinava-se a ser executado no início das cerimónias, em procissão e é hoje um elemento importante do património cultural bolívio-peruano. Correm diversas versões no youtube. Escolhi esta, deste álbum. Bem-aventurança do Céu.
Época pascal, bem entendido. Na continuidade do balanço do que fiz aqui, decidi agora fazer uma breve incursão na chamada "música sacra" (ou litúrgica, ou o que quiserem), sem pretensões antológicas. É apenas uma seleção pessoal de peças muito especiais, num campo que não prima exatamente pela popularidade. Acresce o facto de este campo musical estar vulgarmente associado a convicções religiosas muito específicas, a "erudição" ou a outras formas de segregação que, de algum modo, afastam as pessoas da simples audição. Concedo que não é música fácil de trautear. Mas há barreiras que vale a pena derrubar e, sobretudo, acabar com ideias feitas, sendo a mais comum e errónea a de que "é toda igual". Sobre cada uma delas muito haveria a dizer, quanto mais não fosse pela heterodoxia de algumas. E como me pareceu que passeiam-se por aqui uns quantos melómanos, cá vai disto, de hoje até à Páscoa, em suaves prestações diárias.
Diz desta vez o Pedro Picoito que me atiro aos estudos. Errado, discuto, ou tento discutir, com ele. Naturalmente que se podem apresentar bibliografias arcaicas, não se pode é fazer de conta que não há uma realidade em mudança, com estudos muito mais actualizados. Se o Pedro Picoito quiser fazer essa discussão be my guest.
Insisto, porque parece não querer ler, que o importante é a discussão dos efeitos da homoparentalidade sobre o desenvolvimento das crianças, mas essa conversa fica por fazer. Quando lhe pedia estudos comparativos entre casais homo e heterossexuais referia-me, naturalmente, a trabalhos que dissessem respeito ao assunto em discussão, mas isso moita. Mostre lá a instabilidade comparativa nos candidatos homo e heterossessuais à adopção e, de caminho, defina instabilidade relacional - será que uma relação emocionalmente branca ou mantida porque sim, com toda a agressividade expressa e/ou latente é uma relação estável? Estranho conceito de estabilidade.
Note-se que, de novo, em nenhum momento qualquer dos estudos que desta vez apresenta releva a importância do número absoluto de parceiros ao longo da vida de alguém no desempenho da sua parentalidade. Porque é que a minha qualidade materna haverá de ser pior que a de uma freira?
Quantos aos números apresentados por Paul Van de Ven et al, num estudo que, repito, não autoriza conclusões sobre promiscuidade, só me resta dizer que o Pedro Picoito, além de descontextualizar, se impressiona com pouco, e falo de berlaitadas com vivos.
No post seguinte Pedro Picoito atinge o clímax da conversa redonda, o que prova uma de duas coisas, ou ambas - ou já perdeu o fio à discussão ou optou por um solilóquio. O mesmo sujeito que começou por falar de ciência, de estudos científicos e de generalizações vem agora falar de senso comum, de discussão extra académica e de não aplicação das ofensas iniciais a todo um grupo. Para esse peditório não dou por desinteresse e absoluta falta de pachorra. O assunto merece-me demasiada consideração, é que só por acaso falamos da vida e da felicidade de pessoas.
Adenda: Vou colocar aqui um lembrete para uso próprio, desculpem lá. Não esquecer que a discussão é com alguém que escreve o seguinte "De qualquer modo, sublinho que orientação sexual é uma escolha e está relacionada com um estilo de vida. No caso dos LGBT, esse estilo de vida tende a ser promíscuo. Há excepções, mas são isso mesmo: excepções." by Pedro Picoito.
Ambas as notícias são da edição online do DN nas datas assinaladas no topo (sobre criminalidade, estatística dos crimes, histeria e demagogia política associada, bem como sobre sentimentos de insegurança e percepções desmentidas pela realidade dos números, há inúmeros textos aqui no Jugular, basta procurar no arquivo).
Na Catalunha, há vários anos que os jornalistas usam coletes e braçadeiras distintivas em situações ditas "de conflito". É o caso das manifestações. Na de ontem, em Barcelona, havia dezenas de coletes laranja no meio da multidão e atrás das linhas policiais, e é algo que nenhum dos repórteres que abordei põe em causa: "Estamos aqui a trabalhar, não para apanhar."
Os coletes, aliás, surgiram porque os jornalistas não raro apanhavam e, como me disse um fotógrafo, "os Mossos de Esquadra quando batem, batem a valer". O argumento de que assim os jornalistas se estão a colocar num plano diferente do das demais pessoas, arrogando-se uma proteção especial, não cala, parece, entre os profissionais catalães; aliás, o uso deste tipo de identificação foi solicitado pelo Colégio de Periodistas da Catalunha. E diz-se solicitado porque os coletes têm de ser numerados e intransmissíveis, custam dinheiro e são como que "alugados", tendo de ser requisitados de novo de dois em dois anos. Ou seja: são um controlo do Estado, através do ministério que tutela as polícias.
Poder-se-á dizer que também a carteira de jornalista é, em Portugal, uma forma de controlo estatal dos jornalistas, já que a entidade que a concede (mediante pagamento, de resto) é criada pelo Estado; e que se trata igualmente de uma forma de distinção em relação aos demais cidadãos.
Mas não só se dá o caso de mesmo com colete e braçadeiras os repórteres catalães continuarem a levar encontrões da polícia (facto denunciado há um ano pelo Colégio, aquando do movimento 15 de Maio) como o que está em causa na proposta feita pela PSP na sequência dos inaceitáveis incidentes do Chiado é uma espécie de "carta branca para agredir", como se só admitisse errar quando bate em jornalistas (só porque sobre eles não pode inventar histórias de provocações e agressões). Estando-se a falar de polícias e não de feras, de gente supostamente submetida a treino, a educação legal e a uma cadeia de comando e não de delinquentes primários, o argumento de que bateram nos jornalistas porque estes não estavam identificados é infame. E é-o porque implica que bater em quem nada estava a fazer que justificasse baterem-lhe só é digno de nota por se tratar de repórteres.
Talvez seja preciso recordar às polícias e governos portugueses que o uso da força de que detêm o monopólio nos regimes de Direito democrático serve para defender os cidadãos, não para vingar a honra dos agentes ou afirmar essa coisa chamada "autoridade do Estado".
Como cidadã, que sou antes, durante e depois de jornalista, não admito que seja preciso usar colete pirilampo (e, já agora, à prova de bala, mais viseira e capacete?) para ter, numa manifestação, a esperança de não ser espancada porque sim. Se temos polícias e governantes que não conseguem distinguir sobre quem podem e devem usar de violência com proporção e na medida da necessidade, é de coletes de forças e grades que precisamos.