[..]Talvez este seja o mais tradicionalmente feminino trabalho de Ana Vidigal – o que não deixa de ser interessante como recorrência nos termos interpretativos do lugar da mulher, do conflito e da pacificação dessas posições. Talvez por isso esteja ostensivamente no átrio de um mundo tradicionalmente masculino, o IST. Logo, e paradoxalmente, é feminista. Não por contestação, por confirmação. Estamos aqui. Outro traço distintivo: a presença da dualidade, feminino-masculino. Adiante mais. E a intervenção, deveria dizer a feminização do espaço, radical: a Casa dos Segredos é, antes de ser outra coisa, uma caixa de caixas, a maior cuja tampa é a clarabóia, luz de fora filtrada para dentro, como no tempo da infância de Ana Vidigal, onde se fez pessoa, quando era através do homem fora que o mundo chegava à mulher dentro, casa-caixa-contentor de si e continente de outros, um mundo e outro mundo. As paredes erguidas tais muralha, caixas-cacifos, modo vertical de actuar, assumpção do modo masculino pelo feminino, ir ao mundo fora, levando o mundo de dentro. Um mundo e outro mundo num só mundo, uma das paredes caiu, dentro prolonga-se para fora, e fora cresce para dentro, o continente somos eu e tu, à vez. Dentro dela, a casa, nomeada na parede pelo lado externo, qual villa onde se habite: Casa dos Segredos. E este é o seu maior segredo, à vista de todos, o segredo do movimento dos tempos no tempo: este mundo masculino já é feminino, estamos aqui, diz a voz de uma mulher. O segredo é possível?[..] (ler na íntegra aqui)
Desta feita começa por me explicar o uso que deu à expressão "lésbicas activas". Mais uma vez, para quem inicia um texto anunciando que o irá fundamentar cientificamente, tem graça este recurso a definições selvagens. Aplicando à expressão "mulheres heterossexuais activas" a lógica picoitiana conclui-se que ela deve ser usada "para distinguir entre as adolescentes que desenvolvem sentimentos heterossexuais, geralmente por influência de um ambiente favorável à heterossexualidade, mas sem os concretizar (e que podem até tornar-se homossexuais quando adultas), e outras adolescentes, com a mesma orientação, que se tornam heterossexuais quando sexualmente activas na vida adulta". É isto, não é? Que discurso digressivo e redondo para justificar o injustificável. Importante, contudo, é a constatação de que o Pedro, ao falar de ambientes favoráveis à homossexualidade, assume a existência de ambientes desfavoráveis - é contra eles uma das minhas guerras.
Por mais que o Pedro Picoito insista a minha discussão com o ele não assenta em dar "jeito" ou em "aceitação" - não sei se se revê nisso mas pelo meu lado é assim - e a guerra que travo é pela decência e pelas crianças. E lá está o Pedro Picoito todo baralhado outro vez, a homossexualidade - como a bissexualidade e a heterossexualidade - não é uma identidade, é uma orientação sexual. Mas do que eu gostei mesmo, mesmo foram os "papéis activo e passivo da relação heterossexual". Assim uma coisa tipo "bêêêje, vou pintar o tecto de bêêêje"? Há mais mundo para além do fazer de morta(o). Fiquei para aqui a pensar quem considerará o Pedro Picoito o passivo e o activo na prática simultânea de sexo oral por um casal - o vulgar 69, portanto. Não tarda ainda sou informada que o sexo anal é apanágio dos homossexuais masculinos. A fazer fé na norma heterossexual que o Pedro Picoito nos revela ter na cabeça muita coisa fica explicada. Espero francamente, por ele, que escreva estas coisas só por receio que os vizinhos o leiam e que a sua realidade prática seja diferente. Isso ou sofre do "síndrome do electricista"- formatação mental que leva a ver tudo sob a forma de fichas e tomadas*.
Muito gostava eu de saber o que é um "lapsus linguae freudiano". Enfim, adiante. Esta questão da capacidade parental discutida em paralelo com a adopção é, e deve ser, bastante clara. Aplicam-se aqui as mesmas normas e usam-se os mesmos instrumentos psicométricos e de avaliação da personalidade e do funcionamento que os usados na regulação do poder parental em sede de divórcio. Independentemente de como cada um desenvolve a sua capacidade parental, do que para ela contribui e onde vai beber, ela exerce-se na relação do progenitor com a criança e é isso que está a ser avaliado nos processos de adopção. Tantas vezes, felizmente, uma péssimas relação de casal não exclui uma excelente qualidade da relação parental individual. Recordo, também, que a avaliação da qualidade da relação parental se faz nos casos de adopção singular.
Para terminar dizer só que a minha crítica não é o Pedro tirar conclusões com base na literatura que consulta mas antes que as fontes consultadas e referidas não permitam essas conclusões. O que levará o Pedro Picoito a questionar a identidade "clara e estável" de um pai ou de uma mãe homossexuais? Com que sustentação diz que os casais homossexuais que se propõem adoptar não têm "identidades claras" e que são "mais instáveis"? Deixando de lado qualquer comentário aos autores em questão, como é que um trabalho que "se situa num plano diferente" daquele que se está a analisar permite concluir sobre esse plano? Para que serve fazer-lhe apelo? É o que eu digo, num determinado livro está escrito que todas as rosas são flores logo, pela lógica, eu posso tomar como óbvia a conclusão de que se a minha mãe é Rosa, a minha mãe é flor.
De há uns tempos para cá, não há dia em que não seja interrompida a circulação numa linha do metro de Lisboa por períodos prolongados, frequentemente em horas de ponta, com considerável transtorno para os passageiros.
Curiosamente, esta ocorrência não parece ter valor noticioso para os media. A perturbação continuada da vida dos lisboetas não vale uma reportagenzinha?
Como se explica isto? Os jornalistas não andam de metro? Andando, não enxergam o mesmo que os outros cidadãos? O tema só seria relevante se resultasse de uma catástrofe natural, ou, em alternativa, se motivasse suicídios em massa?
Mais perguntas: o município não tem nada a dizer? Os vereadores também não andam de metro nem conhecem alguém que ande? Parece-lhes o tema irrelevante?
Leaving Berlin on Friday after an interesting meeting at the FES and with spring in the air, I had a choice of newspapers for the flight home. I could have read something innocuous in the Süddeutsche Zeitung. There would likely have been something interesting about my favourite German city in the Tagesspiegel. But a seemingly almost life-size Juergen Stark, former ECB Chief Economist, was staring archly down his nose at me from the front page of the Handelsblatt. Headline: “The world financial system is on drugs”.
I stuffed the paper in my bag for the plane.
Stupid, of course: the wisdom of Mr. Stark, spread over a full-six pages – an abridged electronic version is here – was more than enough to sour the memory of the trip and take the ‘Spring’ out of my step.
Juergen Stark’s ‘Wisdom’
Apart from some broadly sensible remarks concerning the overdimensioned financial sector – just a pity that they were made after rather than before the crisis – Juergen Stark gets almost everything almost diametrically wrong. Basic facts. Directions of causation. Balance of risks. Policy alternatives. Everything. At times the intellectual level exhibited in the interview leaves one wondering how the speaker could possibly have been entrusted with one of the most important economic policy positions in Europe, indeed globally. Not helpful, but also no excuse for an interviewee, are the often inane and leading questions from the Handelsblatt journalists.
From a much longer list, let me mention three critical points (all translations mine):
The interview starts with the idea that the ‘western countries’ were living above their means prior to the crisis due exploding liquidity provided by bubble-inflating central banks monetary and a fateful government deficit bias. This is of course nonsense. The euro area as a whole was not living above its means (balanced current account), and Mr. Stark’s Heimatland was living dramatically below its means, running permanent current account surpluses. Precisely because of the cited ‘iron law’ that income must equal consumption (at an appropriate level of aggregation), the whole idea that ‘western countries’ as a group were living above their means is a preposterous journalistic canard that any half-competent economics student should have disabused them of. On policy, yes, fiscal policy was undoubtedly too loose in some countries, but by no means all: high deficits and debts were the result not the cause of the crisis. And as for over-expansionary central banks, it is very odd that the former Vice-President of the Bundesbank (98-06) and ECB Chief Economist (06-11) talks as if he and Weber, and before that Issing – all proud defenders of the Bundesbank’s privileged position within the ECB – were somehow powerless marionettes, rather than being responsible at the highest level for setting monetary policy in the world’s second-most-important central bank. (A point a half-way competent journalist might be expected to raise.)
Stark repeatedly makes the incredible claim that governments are not now consolidating public finances, and even that fiscal policy is currently ‘very expansionary in most developed economies’. Yet fiscal policy shifted to an austerity course in a number of economies already in 2010 and by early 2011 virtually all the leading economies had begun reducing spending and raising taxes. It is precisely this premature and exaggerated austerity, along with the interest rate hikes in early 2011 that Stark was instrumental in pushing through that derailed the recovery. Such blatant disregard for the most basic facts about economic policy is nothing short of scary.
Stark claims that central bank policies, and notably the recent decision to expand the ECB balance sheet by around EUR1 trn to provide cheap loans to the banks, will lead to inflation: ‘we know from history that every particularly strong expansion of the central bank balance sheet leads to inflation in the medium-term.’ (The Handelsblatt editors helpfully stimulate the reader’s imagination by putting the quote alongside a photo of German children playing with blocks of worthless banknotes in 1923.) Such a prediction is obviously not wrong in the sense that the claim about current fiscal policy is factually incorrect. But any halfway decent journalist would have challenged his argumentation. What would have been the effect on inflation (amongst other things!) if the ECB had allowed the banking system to collapse at the end of 2011? How fast is the overall money supply (not just central bank money) increasing? (Answer: M3 at derisory rates of around 2%.) Are all commodity and asset prices rising fast (as Stark claims) or is it not specific markets (oil, equities) and don’t they have other causes than central banks?
Understanding Juergen Stark
I think the key to understanding the position of Stark and others like him can be seen where he claims that he was acting to remind politicians of ‘the Maastricht Treaty and its underlying concept’. Earlier in his career Stark had helped negotiate the Treaty as a German finance ministry official. The point is that he has been unable to recognise that that Treaty architecture was badly flawed and, in the crisis, has simply proved unworkable. He is like those that reject distributing condoms as an AIDS-prevention measure because all that is necessary is complete sexual abstinence before and complete fidelity during marriage. Distributing condoms merely encourages morally reprehensible behaviour.
So I won’t bore the reader with Stark’s resignation, which is discussed here in some detail. The main thing is that he has in fact resigned. It is regrettable that he is exerting a pernicious influence on German political opinion through such articles. But his and Weber‘s removal from the levers of monetary-policy power was a necessary condition for the (limited and partial) improvement in the prospects for overcoming the crisis we have seen this year.
The global financial system is “on drugs” because it was (and remains) deeply sick. This interview makes it clear that if those two gentlemen had stayed in power, the patient would have died. Given that, my almost choking on my Brussels Airlines sandwich is not even a detail.
Ontem, no Expresso, foi publicado um video num artigo cujo título era "As imagens que antecederam a carga policial". Vendo aquelas imagens ficava-se com a sensação que a polícia tinha reagido ao completo caos reinante mas eis que... novo video surge (estava no Facebook desde quinta e começou a espalhar-se aos poucos) e a história que conta não bate certo com a "as imagens que antecederam a carga policial". O que aqui se vê parece ser o momento exato do início da carga policial e apesar dos gritos dirigidos à polícia serem consideravelmente antipáticos não se vêem cadeiras a voar nem mesas tombadas, o que indicia que o video do Expresso será de um momento posterior. A cronologia fiel dos acontecimentos é fundamental para se perceber o que aconteceu de facto. Presumo que o MAI também usará estas imagens para "contextualizar" e retirar as conclusões que todos esperamos ansiosamente (roubei o filme ao Spectrum, blog onde podem encontrar vários posts com a descrição dos acontecimentos feita por quem lá esteve).
Adenda de dia seguinte: como neste post se refere o video publicado no Expresso no sábado faz sentido acrescentar o que acabou de ser publicado no mesmo jornal, "Testemunhas dizem que polícia iniciou a violência".
Acabo de ouvir nos vários telejornais frases ditas no congresso do PSD, relativamente ao qual nenhum interesse me moveu – confesso – mas que me suscitou alguma curiosidade, quando ouvi arepetição das palavras «início», «revolução tranquila» e «reconstrução nacional» (Passos Coelho). Não tenho bem a certeza de os termos que cito serem exactos, a não ser relativamente a esta noção de «reconstrução nacional», da autoria do chefe do governo, que me chamou particularmente a atenção. Depois também ouvi Nuno Melo, do PP (partido da coligação governamental) a chamar a atenção para a importância do patriotismo demonstrado pelos portugueses relativamente às agruras necessárias provocadas pela actual política. Quase me pareceu que se poderia depreender dessa frase que não haveria atitude patriótica nos críticos desta política ou nos que não a aceitariam de forma passiva. Mas estou certamente enganada. De qualquer forma, parece-me claro que estão a ser utilizados novos termos, remetendo para novos (velhos) conceitos de «começo» e de «início», claramente ligado a valores patrióticas e naciona(l)is(tas) de regeneração e reconstrução, habitualmente usados no (e para o) combate a uma pretensa «decadência» nacional.
Há mais de vinte anos, o historiador Roger Griffin contribuiu para a caracterização dos regimes antiliberais e antidemocráticos que assolaram a Europa no período entre-guerras do século XX, com um importante livro (The Nature of Fascim, 1991) onde recorreu ao mito da criação do «homem novo» para elaborar um conceito de «fascismo». Segundo a definição ideal-típica de fascismo elaborada por esse autor, a ideologia fascista seria marcada por um «ultranacionalismo populista palingenético» – de «palin» (restauração) e «genesis» (criação, nascimento) –, cujo mínimo denominador comum seria precisamente o mito da criação do «homem novo» e de um «mundo novo», necessários, após décadas de liberalismo dissolvente e decadentista. Tal como o regime fascista italiano de Mussolini utilizou esses conceitos, elaborando até um calendário novo que se iniciava a partir do momento da «Marcha sobre Roma», em 1922, também o regime português de Salazar, em início de carreira, recorreu frequentemente aos termos de «regeneração nacional» ou «reconstrução nacional», nos anos 30 e 40 do século XX. Através deles, pretendia-se mostrar que o Estado «Novo» era um «novo» regime regenerador, restaurador e reconstrutor, que se propunha enterrar a decadência nacional promovida pelo liberalismo, pelo parlamentarismo, pelo socialismo e pelo comunismo. As célebres comemorações do duplo centenário e da Exposição do Mundo Português, de 1940, celebravam precisamente três importantes datas: 1140 (fundação e Portugal); 1640 (restauração de Portugal) e 1940 (regeneração de Portugal), através do Estado «Novo».
Estarei provavelmente enganada e talvez haja aqui apenas infelizes coincidências. Mas não queria deixar de alertar para o facto de as palavras poderem ter efeitos.
As inovações legislativas no domínio violência doméstica, e da violência sobre as mulheres em particular, têm sido muitas e importantes, destacando-se, do meu ponto de vista, a individualização deste crime no Código Penal e o facto de ser um crime público. Mas tão relevante quanto essas alterações é a sua exequibilidade.
Há poucos dias recebi o seguinte pedido de primeira consulta "Vimos por este meio solicitar a marcação de consulta e acompanhamento clínico (...) no âmbito de uma suspensão de pena de prisão por x anos determinada pelo Tribunal Y com origem na prática de cúmulo de violência doméstica, com a injunção de "tratamento e acompanhamento psicológico ou psiquiátrico do arguido" conforme cópia anexa". No referido anexo encontrava-se o apelo ao número 4 do artigo 152º do CP que determina a possibilidade de imposição de penas acessórias, nomeadamente a obrigação do arguido em frequentar "programas específicos de prevenção de violência doméstica". Formalmente nada a apontar.
Uma das inovações introduzidas em 2007 foi, efectivamente, aquela possibilidade de comutação da pena de prisão. A questão que se coloca é a de saber onde estão e quem tem formação específica para desenvolver esses programas. Em Dezembro de 2010 foi publicado em DR o IV Plano Nacional contra a Violência Doméstica (2011-2013). Como explicou Elza Pais, à altura secretária de estado da Igualdade, o "plano tem uma área estratégica nova que não existia no anterior". Referia-se ao Programa para Agressores de Violência Doméstica, então a ser testado na região Norte a título experimental. Acontece que desde então não houve novidades sobre esta matéria e não existem dados sobre a evolução do referido programa experimental nem notícias sobre outros programas semelhantes a decorrer em qualquer região do país. Assim sendo, esta alternativa que a lei prevê não é passível de ser executada. Pergunto eu, quem determina a sentença não é obrigado a saber da sua não exequibilidade? E que papel é o meu, enquanto psiquiatra, na resposta a um pedido deste género? Brincar aos programas e fingir um acompanhamento psiquiátrico para o qual não tenho qualquer formação específica é coisa que me recuso a fazer por me parecer ética e deontologicamente reprovável. Enviar para alguém que o possa e saiba fazer não existe como possibilidade. Resta-me, portanto, devolver o pedido à proveniência com esta informação, porque descansar consciências não é, não pode ser, o papel da lei.