a pior coisa, diz silvana mangano em violência e paixão perante helmut berger morto, é que esquecemos.
mas há pior. antes mesmo de começarmos a esquecer, sentirmos que não sentimos o suficiente. que não sofremos tudo o que deviamos sofrer, que não doeu tanto como tinha de doer. que nos resignámos, conformámos, aquietámos no definitivo dessa ausência, dessa sentença. que não vamos negar, nem regatear, nem invectivar os deuses. que continuamos.
às vezes, talvez para me justificar, para não me chocar tanto com a facilidade com que deixo gente para trás, penso que é só porque não consigo crer, acreditar mesmo, que isto sucedeu. que não é possível que a pessoa que ri nestas fotos no meu abraço não seja mais, que o silêncio que lhe impus, as cartas a que não respondi, as sms sem réplica sejam irremediáveis, sem regresso, sem redenção.
não interessa se tinha razões, razão. só conta que isso, que é o que resta -- razões -- não consola.
fazemos tudo como se fossemos eternos -- e somos. quando morrermos não sobrará nada para emendar ou lamentar. mas esquecemos que os outros não são. que cada decisão fica connosco, na nossa eternidade.
isto está tudo muito bem. mas expliquem-me como é possível que um dos proponentes desta petição que faz esta descrição do que é o jornalismo seja membro da redacção do avante!. não há proponentes da flash e da lux porquê, já agora?
e sim, têm todos, os membros das redacções dos órgãos partidários, como das chamadas revistas cor de rosa (a cor exacta que as descreve não sendo essa), direito a carteira profissional de jornalista. aquela que pressupõe, precisamente, o cumprimento dos preceitos do estatuto de jornalista e que este excerto da petição pelo jornalismo e pela democracia espelha. mas esse facto não devia ser a primeira coisa que deviamos estar a discutir?aquilo em que permitimos, com a nossa pacholice e o receio de 'atacar os colegas' e 'arranjar problemas', que esta profissão se tornasse?
alguém me explica como é que jornalistas que queiram continuar a fazer jornalismo e só jornalismo se podem defender de situações em que lhes ordenem que façam aquilo que o estatuto e o código deontológico lhes proibem, se são às centenas, senão aos milhares, os detentores de carteira que mais não fazem na vida que contrariar tudo o que deve ser o jornalismo? alguém me explica como é que se impedem os meios ditos de referência de se encherem de crimes jornalísticos se a própria comissão da carteira, ao apreciar uma queixa, invoca fotos de paparazo para a refutar?
desculpem-me se não assino esta petição. desculpem-me se não aceito que uma pessoa que fez toda a sua carreira 'jornalística' num órgão partidário me venha tecer loas ao jornalismo que garante a democracia. e tanto me faz que seja do avante!, do acção socialista ou do não sei quê do bloco de esquerda. é-me totalmente igual.
há problemas nos outros órgãos, os ditos 'de referência'? se há. e devemos estar sempre capazes de os identificar e discutir, coisa que não acontece, e quando acontece dá sempre origem a acusações de deslealdade e falta de solidariedade e quejandas. mas como sequer começar a debater casos individuais e necessariamente subjectivos, se temos este objectivo escândalo a suceder e nem com este conseguimos acabar?
Há nos EUA uma expressão muito usada na política: pork. Este pork, ou seja, carne de porco, refere situações em que se desperdiça o dinheiro público para benefício de clientelas. Em Portugal não temos palavras assim, tão despachadas e carregadas de ironia, para designar ocorrências típicas da política.
Para o facto, por exemplo, de o Governo ter anunciado a restrição das viagens gratuitas para os trabalhadores das empresas de transportes e pela calada garantir aos magistrados que mantêm essa benesse. Ou para a manutenção, na mesma corporação, dos subsídios de habitação de 620 euros mensais não sujeitos a impostos (que incluem magistrados jubilados e implicam mais de 20 milhões de euros/ano), quando não se ensaiou nada em retirar a integralidade dos subsídios de Natal e férias a todos os trabalhadores do Estado.
Difícil apontar melhor exemplo de gorduras e mordomias que este anacrónico subsídio de habitação concedido aos magistrados. Mas quando no início de 2011 foi discutido o respetivo estatuto, o PSD não só não propôs a abolição do abono, como se opôs a que fosse taxado em sede de IRS, considerando tratar-se de "uma dupla penalização", pois o então Executivo previa já uma diminuição de 20% no montante. Dupla penalização, claro, não será uma sobretaxa sobre o IRS ou taxar subsídios de doença e desemprego.
Aliás, quando o País, na retórica atual do PSD, balançava indefeso à beira da bancarrota, os sociais-democratas não só obstaculizavam estas racionalizações de recursos como bradavam (ouve-se ainda o eco indignado) contra qualquer aumento de impostos ou baixa das deduções fiscais. Rasgavam as vestes ante a proposta de aumento do IVA em produtos alimentares tão essenciais e saudáveis como os refrigerantes e o leite com chocolate - os mesmos que nem um ano após anunciavam o aumento do da restauração para 23%. E os autointitulados democratas cristãos, o que guinchavam, no fim de 2010, com o congelamento das pensões? Ainda zumbe nos ouvidos. Mas ei-los, no OE 2012, a aprovar, sem tugir, o esbulho de dois subsídios aos pensionistas (e no OE 2013 o de um subsídio mais um corte médio de 5% mais o maior aumento de impostos da história).
Se foi assim que PSD e PP agiram quando, é pacífico na cartilha dos partidos no poder, o País até já devia ter pedido um resgate e tudo, como terá sido nos anos anteriores? Que propostas fizeram, de 2005 a 2011, para combater o que apelidam de "criminoso despesismo do Estado"? Como votaram diplomas governamentais visando conter a despesa pública ou racionalizar recursos?
Ah pois é. Portanto, de cada vez que um ministro, secretário de Estado ou deputado do PSD ou do PP se erga para mais uma catilinária contra o anterior governo pelo "estado a que isto chegou" na vã tentativa de nos distrair das enormidades do atual, gritemos todos, a plenos pulmões: "Leite com chocolate." É mais elegante que aldrabões e tem a vantagem de avivar a memória.
Anders, Molussia, de Nicolas Rey, filmado a partir do único romance do filósofo Gunther Anders (aliás Gunther Stern, autor de A obsolescência do Homem, judeu, primeiro marido de Hannah Arendt), escrito entre 1932 e 36 mas só publicado, postumamente, em 1992, é o grande filme do aqui e agora do Doclisboa (e já agora da responsabilidade individual e colectiva face à opressão). Prisioneiros nas catacumbas de um reino totalitário, Molussia, contam uns aos outros histórias do mundo lá fora, como parábolas narrando afirmações fundamentais - por exemplo, hatred comes with killing. É filmado em película e a ordem de projecção das 9 bobines é aleatória, o projeccionista trabalha a partir de um baralho de cartas (sim, a questão do controlo não é apenas uma questão teórica do filme, a coisa é feita a sério but playing). Passa outra vez (a última) amanhã, sábado, às 18h45 na culturgest. ide ide!