Não passa uma semana sem que a rotina se repita: o Primeiro-ministro deixa cair uma “ideia”, ela é explorada nos jornais e testada por comentadores, para depois ser desmentida ou corrigida em comunicado de um gabinete ministerial. Agora foi a vez dos co-pagamentos na educação.
A educação é, aliás, um excelente exemplo de tudo o que está errado na quimérica refundação do Estado. Não se identificam margens de ineficiência, nem prioridades nacionais, não se compara internacionalmente, nem se explicam escolhas. Quando todos os relatórios e peritos nos aconselham a superar um dos principais bloqueios ao desenvolvimento – as baixas qualificações - o governo quer “moderar” a educação. Quando o parlamento decidiu tornar o ensino até aos 18 anos obrigatório para universalizar o secundário, vem o governo erguer muros, adiar objectivos, dificultar o acesso.
A melhor forma de compreender o logro desta receita refundacional é olhar para os últimos anos e ver onde estavam o PSD e o CDS quando se tentou reformar a escola pública. Quando se sugeriu encerrar escolas com poucos alunos, hierarquizar a carreira docente, implementar um modelo de avaliação com consequências e limitar as reduções da componente lectiva (não nos esqueçamos que a partir dos 40 anos o horário dos professores se reduzia progressivamente, prática rara na OCDE). Quando se tentou melhorar a eficácia e a eficiência da educação - e estas eram reformas com significado orçamental, ao contrário das propinas cuja soma será sempre marginal -, o PSD e o CDS impediram, suspenderam, revogaram qualquer reforma. Talvez assim se compreenda a súbita apatia nas hostes sindicais.
É evidente que cobrar propinas no secundário é inconstitucional, contrário às prioridades do país e um aumento disfarçado da carga fiscal que penalizaria ainda mais as famílias. E sabemos que os estudos recentes e práticas internacionais mostram que as soluções privadas na educação não reduzem despesa e que reduzem a equidade. Mas o que cada vez é mais claro é que estas são soluções facilitistas daqueles a quem falta a coragem para reformar.
"No entanto, é sabido que no ensino secundário e no ensino superior há uma taxa de esforço financeiro direto que aqueles que estão a frequentar o ensino superior e, até aqui, o ensino secundário, faziam, a par do esforço dos impostos.", disse hoje Pedro Passos Coelho
Agradecia que alguém perguntasse ao senhor primeiro ministro que raio é uma "taxa de esforço direto" e, já agora, que diferenças existem entre o financiamento do secundário e do básico por parte das famílias (para a gente se rir com a resposta, claro). A criatura não faz mesmo ideia de nada, pois não? Mas, caraças, pelo menos assessores que lhe expliquem as coisas o homem deve ter, não? É que isto é confrangedor...
* e pouco sensata porque o conselho que me deram era muito avisado "O homem é e-s-t-ú-p-i-d-o. Para quê tentar dar sentido ao que ele diz?"
Adenda: o Sérgio Lavos é muito mais paciente que eu e ainda mais insensato, deu-se ao trabalho de dissecar o resto do disparate
O que é que deve levar à demissão de um primeiro-ministro que dispõe de uma maioria, se não estável, pelo menos que, com maior ou menor algazarra, protesto e ranger de dentes lhe viabiliza o Governo?
Não há de ser por, como já vi Soares dizer e escrever, lhe chamarem gatuno na rua. Nem por, discurso sim discurso sim, evidenciar que quando distribuíram a sensibilidade andava de fisga às andorinhas (e ainda pergunta, o pobre, se tem um problema de comunicação); ou por sonhar com um país do homem-novo, onde toda a gente cria empresas em loop, sem salário mínimo nem "direitos adquiridos", e o Estado é um guichet para sem-abrigo.
Não será por assinar textos lacrimosos no Facebook - logo ele, que chama piegas aos portugueses -, por dizer que não se preocupa com a contestação porque as manifs portuguesas são pacíficas, nem sequer por (ainda que nos ferva o sangue) defender que "o desemprego é uma coisa por que infelizmente temos de passar". Tão-pouco por humilhar com gosto parceiro de coligação e presidente - não se pusessem a jeito.
Nem há-de ser por ignorar as censuras e avisos dos barões do partido, por passar a vida a mandar as culpas de tudo e um par de botas para o antecessor, ou por dizer que não é de fazer promessas - quando faz tantas e tão contraditórias que ninguém, muito menos ele, se pode lembrar de todas.
Nada disso. A demissão de um primeiro-ministro é algo de muito sério. Não se exige por desfastio, ao não lhe irmos com a cara ou as ideias, mas só e apenas quando se torna claro que é incapaz e indigno. Quando fica evidente que chegou ao poder através de um colossal e calculado embuste, negando o que tencionava fazer (Catroga, um dos autores do programa do PSD, revelou agora que o aumento de impostos foi rasurado do documento). Quando anuncia medidas incendiárias num dia para as retirar semana e meia depois; quando todas as suas previsões - todas, sem exceção - falham sem que sequer o admita ("tenho noção da realidade", escandaliza-se ele). Quando aumenta brutalmente os impostos e, perante o que todos menos ele e o seu Gaspar previam, a queda da receita fiscal, fala de "surpresa orçamental" - para a seguir voltar a fazer o mesmo, em pior. Quando toma medidas inconstitucionais e a seguir se queixa do tribunal que lho diz e o culpa por ter de tomar mais - e mais inconstitucionais. Quando se recusa a aproveitar a aberta da Grécia e a renegociar o acordo com a troika, mas não se incomoda em rasgar todos os compromissos assumidos com os eleitores e se prepara para, após anunciar a venda ao desbarato de todos os ativos nacionais, trucidar até o pacto social que funda o regime.
Demite-se um PM quando é mais danoso para o País mantê-lo no lugar que arriscar outra solução, por fraca e incerta que pareça. Quando cada dia que permanece no lugar para o qual foi eleito cria perigo para a comunidade. Demite-se um primeiro-ministro quando é preciso. É preciso.