Já não me falta ver nada depois de ler estas linhas, escritas por Vasco Graça Moura (eheh que topete).
Agora, e em paralelo com esta opacidade progressiva do diálogo, está- se a assistir à proliferação do insulto. E, pior, o insulto não se limita a ser personalizado, entra no próprio plano institucional. As coisas não começaram só com o recente comentário sobre o Presidente da República feito por Miguel Sousa Tavares que teve, de resto, a elegância de vir reconhecer, logo em seguida, que se tinha excedido e não devia ter dito o que disse. Mas esse caso propicia um alastrar de atitudes negativas e insultuosas recuperadas pelo populismo demagógico e produzidas na praça pública, engrossando em catadupa, de tal modo que esse e outros insultos são vociferados contra altas figuras e instituições do Estado, e multiplicados pela comunicação social. Tais atitudes visam levar a uma profunda descredibilização do Estado e dos seus órgãos, a um esboroar de quaisquer formas de autoridade legítima, a uma ruptura do sistema, à destruição da imagem dos visados e à incapacidade prática de repressão de eventuais infracções criminais.
É um processo de agitação e desgaste muito preocupante, porque bloqueia quaisquer possibilidades de discussão e apreciação crítica daquilo que estiver em causa e porque é susceptível de alastrar como forma de protesto numa dinâmica de massas que não se sabe onde pode ir parar.
O problema não se resolve limitando a liberdade de expressão nem excluindo a polémica por mais acesa que seja, mas é necessário perceber- se o grau de responsabilidade que decorre desta instrumentalização e generalização do insulto como arma política.
Um país que não respeita as suas instituições legítimas é, por definição, um país inculto. E isso só pode aumentar a gravidade do insulto. O insulto não se limita a ser personalizado, entra no próprio plano institucional”.
ando com preguiça e sobretudo farta de me repetir. portanto, e porque tomei nota de que o interlocutor de um meu post de antanho ainda anda aí a bramar que lhe insultei os filhos, não posso deixar de dar aos leitores do jugas com menos boa memória que eu e com melhor que a do pai dos insultados o benefício de revisitar, pela minha mão, o post culpado.
As fitas são, como toda a gente sabe, como as cerejas. Há quem as faça e quem as corte, desde o saudoso Américo Thomaz (curiosamente encarnado nos nossos dias em forma de palhaço) ao maravilhoso blog que debita, em glória, plágios de criaturas dotadas de "tanta autoridade académica quanto brio profissional". Depois, qual vénus de Boticcelli nascida de uma concha e planando acima do comum dos mortais, há os espíritos superiores que olham com desdém para as ratazanas que se mordem aqui na Terra mas que, em termos fiteiros, se revelam verdadeiros junkies agarrados ao celuloide. O Pedro Picoito é, talvez, o mais interessante.
Na segunda-feira, decidiu meter ordem no "filme dos estudos sobre a coadopção gay", uma sequela daquele que, confessa, "protagonizou" há uns tempos. É sempre bom conhecermos os protagonistas das fitas, sobretudo aqueles que modestamente dizem que nem queriam constar nos créditos mas que depois não resistem a um "mamãe, olhe eu aqui". Ora, PP (não confundir com o autor destas linhas, mero gaffer ou key grip da dita fita) atira-se logo à cena-choque do script (da sequela, não do precioso original): a "evidência" de "que os casais gays são mais instáveis ou mais promíscuos e isso desaconselha a adopção". É uma evidência, digo eu, fiteira, mas para PP é cartesiana: olha para ela com a clareza e nitidez dos espíritos iluminados e superiores. Segue-se a parte mais fraquinha, aquela que mete estudos e critérios cientificos, que dá sempre em chachada, sem tiros nem espadeiradas. Falar em "estudos atualizados" e em "peer review" pode ser lá muito giro para os maluquinhos da ciência mas dão fitas piores do que o Manoel de Oliveira a filmar a relva a crescer. PP é historiador e deveria estar consciente da importância de ambos, mas vir cá misturar critérios académicos com pipocas estraga tudo. É muito melhor, efetivamente, obter o patrocínio do guru Abel Plágio Santos. Adiante.
Como todos os agarradinhos das matinés de reprise, PP tem que arranjar uma boa teoria da conspiração. A atual discussão da coadoção presta-se pouco ao assunto, por se tratar, em boa verdade, de um pormenor unicamente destinado a corrigir uma injustiça e a garantir paridade jurídica a situações de facto. Mas nada disso trava uma gula fiteira que se preze. Lamentavelmente, Picoito escreveu o seu texto umas horas antes do magnífico serão televisivo desse dia; tivesse esperado um pouco e podia dar uso de thriller à cena de Marinho Pinto, de olhos esbugalhados e aos gritos, de dedo em riste acusador, a dizer que "querem impedir que as crianças tenham um pai e uma mãe!". Até poderia citá-lo abundantemente, que o eminente bastãonário ficaria deliciado (pois não é modesto como PP e nunca diria que o seu protagonisto é uma "honra imerecida"). Assim, sem um muso inspirador de calibre, o blogger saiu-se de forma medíocre: lá deita mão ao estafado lobby gay - já mais gasto que os aliens verdes e o cover-up de Roswell - que, lá está, distorce o debate "científico", arruma para o lado quem manifesta dúvidas ou tem posições contrárias às suas. Este blog, presumo que com a Ana Matos Pires e eu próprio na dianteira (pelo menos, somos os únicos citados), faz portanto parte de uma estratégia global. Falta de imaginação, acho eu. Mas isto sou eu a dizer.
Nem falta, na argumentação papa-fiteira de Picoito, o comic relief. Não, não é o palhaço em que estão a pensar. Sou eu e o Abel Plágio Santos. Este é dado, finalmente, por autor de plágio - a confissão é um sacramento, pois bem -, algo "lamentável" e que "enfraquece" o próprio e quem o citou. Aqui, lamento, mas discordo frontalmente, como já disse: nem uma coisa nem outra. É desprezível e descredibiliza totalmente o autor, não quem o citou ou defendeu. A menos, como é o caso, que este último minimize o assunto. Mas nada disto interessa, segundo PP. É aqui que entra o outro PP, o humble servant que escreve estas linhas e que, "com a sua capacidade de popularizar alta metafísica", chama "alucinados" aos senhores da Narth. Ora, relembro que se trata daquela associação americana muito preocupada com os homossexuais, não exatamente na luta contra a homofobia (certamente porque para isto já haja gente até demais), mas com a sua "cura", pugnando pelo direito dos homossexuais de "diminuir a sua homossexualidade e de desenvolver o seu potencial heterossexual". E aqui, Picoito é tímido e titubeante: "o que está em causa, no fundo, é saber se a sexualidade tem origem no meio, e pode mudar, ou se é uma tendência inata, e não pode mudar, ou se ambas as coisas, e como se relacionam". Ou seja, porque é que uns são uns John Holmes briosos e outros saem bichonas deploráveis.Deveria - opinião muito pessoal - ser um pouco mais explícito e menos envergonhado: "para se saber exatamente como acabar com a homo". Aí sim, teríamos, não uma (sequela de uma) fita, mas um blockbuster.
No final, PP suspira por outra sequela, numa supreendente incursão retrospetiva, quiçá como a Guerra das Estrelas, que recuou ao passado para vender celuloide. A trama é verdadeiramente genial e explica todas as interrogações deixadas pelo caminho: porque é que o Jugular (espécie de irmandade Sith, presumo) "se arvora em paladino da “academia” e da honestidade intelectual" e permite que, no seu seio, alguém profira publicamente certas afirmações. Sangue, sangue, Picoito queria sangue, um Kill Inês à Tarantino. Juro que fui ver se haviam sido ditas em nome do blog. Ou se tinha havido plágio, sequestro, burla, roubo de manuscrito. Não encontrei nada. Nem percebi porque raio caiu isto aqui de paraquedas. Verdade se diga, achei um mau final, ainda que com uma sempre útil lição de moral: "não vejo de onde vem a autoridade do comité jugular para dar lições de ética". Mas, no fim de contas, é aqui que reside boa parte do fascínio das fitas, mesmo aquelas muito velhinhas e batidas, cheias de riscos e tesouradas e que alguns tentam reconstituir e fazer cópias retocadas, remasterizadas e com 3D e dolby surround.
Deixo aqui a minha sugestão (cromática, adiante-se) para a banda sonora, que certamente completará o sucesso, não apenas desta fita, mas de todo este género fiteiro.
(Este texto começou a ser escrito na segunda; uma forte sensação de náusea causada pelo visionamento de parte do Prós e Contras estorvou a sua publicação em tempo útil)
O que o senhor Marinho Pinto acabou de fazer, no programa Prós e Contra, foi (como muito bem disse Miguel Vale de Almeida) recorrer aos Protocolos dos Sábios de Sião, um panfleto fabricado que dizia que os judeus estavam envolvidos numa conspiração para tomar o mundo. E sabe-se onde levou o recurso a panfletos asquerosos desse tipo.
Para ele os homossexuais, as lésbicas e LGBT, como disse, estão a ocupar todos os lugares da sociedade portuguesa, empresas, envolvidos numa enorme conspiração para tomar o poder dos, dos... de quem sr. marinho pinto? Diga. Já agora o que propõe que se faça a essa "gente"?
Vergonha. Só espero que haja brevemente eleições para a Ordem dos Advogados e que se corra com esse indivíduo.
Falhou a referência às fontes no artigo do Público, o que é lamentável de facto. Mas não isso não retira crédito à substância tratada.
É lamentável o quê, o Público não ter colocado as referências bibliográficas - era só o que faltava insinuar que a culpa foi do Público - ou a atitude do Abel Matos Santos? Mesmo que a lista de referências tivesse surgido no artigo de opinião o plágio mantinha-se, como bem explicam o Luís Aguiar-Conraria, o Filipe Nunes Vicente e o Paulo de uma maneira mais geral.
Lamentável é tudo isto, incluindo as acusações de calúnia e ataque pessoal que o João Távora e o Abel Matos Santos me fizeram. Como é lamentável o João Távora insistir que "a substância tratada" pelo Rick Fitzgibbons tem créditos vindo os argumentos de alguém que incorre em má praxis. E dizer que os ditos argumentos não foram contrariados é falso, como bem se pode ver aqui e aqui, por exemplo.
Já me começo a fartar da história da coadoção. É verdade que o assunto tem o seu quê de divertido: foi aprovada de forma inesperada porque uns quantos laranjas roeram a corda e fizeram desequilibrar a balança. Quem perdeu viu-se súbita e inesperadamente com as calças em baixo, "ai ai deixa lá fazer contas, bolas, quem mandou conceder liberdade de voto?".
Agora tenta-se desesperadamente inverter o processo, de três formas principais.
A primeira é lançar o debate, ainda que a posteriori. Não foi feito antes porque se pensava que eram favas contadas; agora, aí vem o coro de "argumentos", os Prós e Contras e o inevitável fogo de barragem na imprensa. Não deixa de ser curioso: quando há uns anos foi levantada a questão da necessidade de discutir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, os do "não" vieram logo a correr, que era uma coisa que podia esperar (assim como o Vasquinho da Anatomia disse às tias que não havia pressa em mostrar o seu consultório, "pode ser amanhã, depois de amanhã, daqui a quize dias"), afinal o país tinha problemas bem mais graves e prioritários e o tema não passava de areia para os olhos da "esquerda" para desviar as atenções. Hoje, e uma vez que a tal lei da coadoção passou, não se pode invocar o mesmo? Que é um pormenor sem relevância, passou, passou, vamos mas é dedicar-nos aos problemas graves do país? ah, não, agora já é preciso discutir tudo à lupa, afinal, disto depende a resolução da crise do Euro e, quiçá, o futuro da Humanidade.
A segunda é discutir o assunto buscando "estudos" e "provas científicas" que alegadamente mostram os terríveis malefícios que aguardam as crianças adotadas nestas circunstâncias. Sobre este assunto, depois da vergonhosa prestação do Abel "Plágio" Santos no Público e da ainda mais vergonhosa complacência e cumplicidade de toda a gente, não me pronuncio. Porque tenho dificuldade em falar de coisas que me enojam.
A terceira - e finalmente chego ao que me interessa, maldita mania dos preliminares - é uma espécie de naturalismo insuflado e balofo: que uma criança tem naturalmente um pai e uma mãe. Ou um pai. Ou uma mãe. Nunca dois pais e duas mães, como na Natureza. Bom. É pobre argumento. Nem me merece comentários a quantidade de delírios lançados por alguns - paralelos com a adoção de animais, por exemplo - para lançar a confusão. A intenção, percebo-a: incutir a ideia apocalíptica de que isto é mais um degrau na escala da degradação civilizacional. Fico-me pelo essencial, que mais me incomoda e perturba: a atribuição de funções distintas ao que é "ser pai" e "ser mãe", a autoridade, o respeito e a força (e, já agora, o sustento do lar) do pater familias atribuídos ao primeiro e o afeto, o carinho e o amor (mais a função doméstica) do instinto maternal ao segundo. Uma criança criada por um casal feminino sairá certamente efeminada, caótica e sem regras; por um casal masculino, bom, nem quero pensar nos abusos a que será sujeita. Tudo isto agravado pelo facto de, em ambos os casos, se tratar de casais homossexuais o que, pela mesma linha de pensamento - que considera a homossexualidade um desvio passível de "cura", como alegam os alucinados da NARTH - irá inevitavelmente condicionar (melhor, contaminar) a sexualidade da criança. É isto, no fundo. O resto são fumaças.