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Um homem bem informado

No âmbito da discussão sobre a co-adopção foram ontem ouvidos na AR Dulce Rocha, vice-presidente do Instituto de Apoio à Criança, e Luís Villas Boas, director do refúgio Aboim Ascensão. A solidez dos argumentos de cada um deles está à vista de todos. Achei deliciosa a dúvida do senhor sobre "quantos casais homossexuais conseguiram adotar uma criança" em Portugal. Houve de certeza uma alma caridosa que o elucidou sobre a "falta de dados estatísticos" e lhe disse que há... zero.

Irra, não há ninguém que lhe esfregue isto na cara?

Ao comentar os números do défice conhecidos hoje - a saber, 10,6% no primeiro trimestre - Passos Coelho disse que, e cito, «Está relacionado com a reposição de um dos subsídios». Ora que eu saiba no primeiro trimestre do ano apenas foram pagos 3/24 dos subsídios devidos, ceeeerto? Se este foi o efeito de 3/24 a malta nem quer pensar no que acontecerá quando os restantes 21/24 entrarem nas contas... 

Palhaçada de justificação e torna-se muito cansativo verificar, dia após dia, declaração após declaração, que o homem continua a tratar toda a gente como tolinha..

Imaginemos Paulo Portas em versão não governamental

 

Estávamos em março de 2008, um "surto" de mortes violentas enchia os espaço mediático, acompanhado dos tradicionais anúncios de apocalipse. Um ex-secretário de estado deste governo afirmava, dramaticamente, que "A ideia de que Portugal era um paraíso com melros a cantar nas oliveiras já se foi. Resta pouco desse retrato. Tenham cuidado.", não lhe interessava muito que números não confirmassem os seus achismos, dizia aliás que se alguém se atrevesse a questionar a ideia de que o homicídio ou a criminalidade violenta estavam a aumentar isso não era mais que "pingar a mentira" para proteger as instituições ou o governo. Entre esses pingadores de mentira estariam alguns membros deste blog, caso da Fernanda que por essa altura escreveu vários textos em que demonstrava que o tal apocalipse era capaz de não estar bem a chegar, e com números a servir-lhe de apoio:

 

Em 1994 foram registados 424 homicídios. Em 1995, 408. Em 1996 (o da outra "onda", a citada no início deste texto), 391. Em 1997, 381. Em 1998, 340. Em 1999, 299. Em 2000, 247. Em 2001, 282. Em 2002, 266. Em 2003, 271. Em 2004, 187. Em 2005, 133. Em 2006, 194. E, finalmente, em 2007, 135. Esta evolução corresponde a uma descida sustentada de 68,2%.



Poucos meses depois o tema voltava a servir-lhe de tema para uma crónica e podia ler-se:

 

E que o mais violento dos crimes - o homicídio - teve uma descida sustentada de 68,2% entre 1994 e 2007. Uma descida que é comum à generalidade dos países da Europa Ocidental e coexiste com um aumento moderado do crime violento. Ou seja, a violência contra pessoas aumenta, mas a sua gravidade diminui. Este paradoxo deve levar-nos a reflectir sobre as tendências da criminalidade - não calculadas semana a semana ou ano a ano mas em décadas -, assim como sobre a relação entre a percepção e o sentimento da insegurança.



Até agora apenas falei de 2008 mas houve repetições de discursos do "fim do mundo" em 2009 e em 2010. Normalmente associados a declarações alarmistas e justicialistas, em particular do líder de um dos partidos que está neste momento no poder, falo de Paulo Portas

Não adiantava explicar, por exemplo, que 2008 não correspondia a uma alteração do padrão dos números, o acréscimo acentuado de homicídios só era verificável em relação ao ano imediatamente anterior, que tinha sido atípico em relação ao padrão. Para Paulo Portas e seus acólitos era só o curto-prazo que importava e quem quer que se atrevesse a questionar diagnósticos era um tonto que ia na conversa de sociólogos, essa raça pós-moderna que só existe para mascarar a realidade.

Se toda a gente funcionasse da mesma maneira 2012 teria sido um prato cheio, afinal houve um aumento de 27,4% em relação a 2011 e este ano a coisa parece que vai pelo mesmo caminho, os números do 1º trimestre apontam para um aumento de 20% em relaçao a 2012 (dados encontrados no DN de hoje)...só que, e repito as palavras da Fernanda, quem seja honesto nesta discussão sabe que as tendências da criminalidade não são, nem podem ser, "calculadas semana a semana ou ano a ano".

Os afectos não têm género e a parentalidade não está nos gâmetas

Na discussão sobre a co-adopção o importante é, parece-me, perceber os efeitos da homoparentalidade sobre o desenvolvimento das crianças. Já por diversas vezes perguntei e volto a fazê-lo, onde estão as evidencias sérias que sustentam os seus terríficos malefícios? Facultem-me informação que argumente de forma consistente sobre os perigos para a criança, mostrem-me, por exemplo, os relatos de psicopatia, os piores indicadores de saúde mental, o suicídio aumentado ou as maiores taxas de maus tratos em filhos de gays e lésbicas quando comparados com crianças que cresceram no seio da chamada "família tradicional". Para além de pontuais críticas metodológicas, algumas lícitas, ao alargado conjunto de dados que consistentemente mostram não existirem diferenças significativas, na perspectiva do superior interesse da criança, na qualidade da parentalidade quando a variável em estudo é a orientação sexual dos progenitores nada mais encontrei e sem preconceitos ou enviesamentos procurei, garanto (não falo de “pseudociência”, naturalmente).

 

As narrativas não sustentadas proliferam. Nada de novo, também acontecem com a parentalidade heterossexual. Da mesma maneira que, como escrevia a Sara Falcão num artigo de opinião saído no DN em Fevereiro do ano passado, "é tempo de abandonar o discurso da naturalização da maternidade, que continua a remeter para as mulheres a responsabilidade exclusiva pelo cuidar, ao mesmo tempo que prevalece naturalizada a representação do papel masculino como "ignorante" relativamente às funções parentais", também é tempo de abandonar o discurso da necessidade “natural” de um pai e de uma mãe como factor  determinante da formação de uma personalidade harmoniosa e sintónica, ou a defesa da mimetização dos ditos "papéis feminino e masculino" como absolutamente mandatória para um desenvolvimento saudável . É falso, a criança cresce com a dinâmica relacional e não mimetizando cada um dos progenitores, a capacidade parental é sempre uma capacidade em relação - a relação de cada um dos progenitores com a criança - e as qualidades parentais não dependem do sexo do objecto de amor e de cópula dos progenitores.

 

Os consensos científicos, nomeadamente os clínicos, são necessários e norteiam decisões, servindo também de aferição ética e deontológica entre pares. Não é demais relembrar, então, a posição pública e sempre no sentido positivo de diferentes associações americanas, onde os estudos sobre a homoparentalidade já não são recentes, como sejam a American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, a American Academy of Pediatrics, a American Academy of Family Physicians, a  American Medical Association, a American Psychiatric Association, a American Psychological Association, a American Psychoanalytic Association, a Child Welfare League of America, a National Association of Social Workers e o North American Council on Adoptable Children. No mesmo sentido foi o comunicado do Instituto de Apoio à Criança saído em Maio. Estas tomadas de posição não podem e nunca se baseiam no tão popular "óbvio", não chega para as sustentar.

 

Mas óbvia mesmo é a realidade, negá-la não a altera e os filhos de homossexuais estão aí, lado a lado com os de heterossexuais, são os direitos dessas crianças que importam. 

 

Proponho-vos um exemplo prático. Manuel, funcionário público numa repartição de finanças, adoptou a Mariazinha. Um ano depois entra na vida deles o Francisco, excelente advogado num importante e conceituado escritório lisboeta e originário de uma família rica, com quem o Manuel formalizou uma união de facto e, mal a lei lhes permitiu, um casamento - ao qual assistiram os pais de ambos, ainda vivos, e os dois filhos do Francisco, fruto de uma relação anterior. Uma família funcionante, equilibrada, saudável... "normal", portanto. Só por curiosidade deixem-me referir que foi o Francisco quem levou a Mariazinha à primeira consulta de ginecologia,  como tinha já feito com a sua filha biológica. O Francisco morre subitamente num acidente de viação. A Mariazinha, que tem uma excelente relação com os avós e os irmão - "postiços" por via do actual estado da lei - é privada da parte da herança do Francisco, sua pelo direito que o amor confere, tão só porque a hipócrita lei impediu o pai Francisco de formalizar a sua parentalidade. É única e exclusivamente o interesse da Mariazinha que está em causa neste exemplo. Outros casos existem e virão a existir, com diferentes contornos vivenciais e legais, em comum têm sempre o prejuízo da criança e isto tem um nome, chama-se discriminação.

 

(Um texto meu saído no Público de hoje, ao lado desta manifestação de maldade pura)

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