Mais transformação estrutural da economia?
"O grande problema da economia portuguesa é a falta de qualificação dos seus trabalhadores", se houve algum consenso durante décadas foi o expresso nesta frase.
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
"O grande problema da economia portuguesa é a falta de qualificação dos seus trabalhadores", se houve algum consenso durante décadas foi o expresso nesta frase.
Quem quer que seja que neste momento "coordena" politicamente este governo e esta maioria enviou ontem aos jornalistas um conjunto de documentos, na tentativa de mostrar que os assessores económicos de José Sócrates não teriam rejeitado liminarmente a proposta que lhes havia sido apresentada pelo citygroup e - pasme-se! - a tinham enviado para o Ministério das Finanças para que fosse estudada tecnicamente e em detalhe.
Deixemos de lado o facto de agora reclamarem que alguém que escolheram para Secretário de Estado do Tesouro devia ter sido denunciado à polícia, ou mesmo o facto de com esta "jogada" divulgarem um parecer do IGCP que considera as propostas apresentadas por JPJ, que há dias o PSD tinha considerado normais, como sendo lesivas para o interesse público.
Este caso é revelador de uma certa ideia sobre o funcionamento de um gabinete governativo. E, portanto, a pergunta é esta: se receber uma proposta e pedir que os organismos competentes se pronunciem sobre ela - e depois agir em conformidade com a recomendação- é errado, então qual o procedimento recomendado pelo PSD? Como sugere Marco António que se faça e, acima de tudo, como funciona agora o governo, se não envia as propostas que recebe para os organismos da administração pública para que estes se pronunciem?
Talvez despachem "visto com desinteresse e displicência". Pensando bem, é o mais provável.
Uma reportagem assinada por Urbano Tavares Rodrigues e João Corregedor da Fonseca, publicada na Seara Nova, número1437 de Julho de 1965 ("Reportagem nas linhas de montagem da Somave")
Já por várias vezes aqui usei a frase "Quando nós somos os outros" para falar de emigrantes/imigrantes, e apetece-me repeti-la para vos aconselhar a leitura do "Emigrei e agora tenho este fascista a olhar para mim", que não é só sobre "ser o outro" mas também é.
E já vem atrasado, que elas já acabaram. Mas assim encerro com um twilight post. E que é um twilight post? Um neologismo que acabei de criar e que significa "post escrito quando as férias acabam e o trabalho recomeça, que tanto dá para um lado como para o outro, também chamado de «post lusco-fusco» e para o qual se pode usar a analogia do copo meio cheio ou meio vazio". O presente, contudo, excede largamente esta mera dimensão laboral; na verdade, é também uma porta para a surrealidade, digamos que "onde o disparate acaba e o Cosmos começa". Musiquinha do Rod Serling, sff.
Portugal só cria empregos nos salários inferiores a 310 euros
Acordei há pouco, acabei de chegar de férias e isto é tudo muito confuso. Ora deixa cá ver se eu percebo.
Melancholia, de Albrecht Dürer (British Museum)
Paul Ricoeur, La mémoire, l´histoire, l´oubli (Paris Éd. du Seuil, 2000)
Volto regular e sistematicamente a este livro do filósofo Paul Ricoeur, do qual traduzo aqui alguns excertos. Um grande autor é aquele que se lê sempre de forma diferente e onde se encontra sempre algo de novo, seja para a nossa própria história, seja para a História colectiva. E, na leitura deste livro, sobre a memória, a história e o esquecimento, de repente fiquei “agarrada” à parte em que o autor distingue a melancolia do trabalho de luto (pp. 87-111).
Melancolia, ou humor melancólico (bilis negra), no sistema da medicina grega antiga, tem como sintomas a depressão ou ansiedade (ou o medo). Melancolia é porém diferente do luto, embora por vezes o luto se possa inclinar para a melancolia. Enquanto na melancolia há uma diminuição do sentimento de si, uma desvalorização da auto-estima, no luto, não. No luto, o universo parece empobrecido e até vazio, enquanto na melancolia, é o próprio «eu» que fica desolado: cai sob os golpes da sua própria condenação, do seu próprio rebaixamento. Ora, as próprias queixas viradas contra si próprio não servirão ao invés para mascarar as queixas visando o objecto de amor?
Qual é então o trabalho fornecido pelo luto? Segundo Freud, «a prova da realidade mostrou que o objecto amado cessou de existir e toda a libido tem de renunciar à ligação que a prende a esse objecto». Lendo Freud, Paul Ricoeur diz que o que faz do luto um fenómeno normal, embora doloroso, é o facto de «uma vez terminado o trabalho do luto, o eu ficar de novo livre e desinibido». E por esse lado o trabalho de luto pode ser aproximado ao trabalho da memória. O trabalho do luto é o custo do trabalho da memória; mas a trabalho da memória é o benefício do trabalho de luto. O trabalho do luto aproxima-se da tristeza sublimada. Sublimação que transforma a complacência à tristeza em tristeza sublimada – em alegria. O desgosto é assim a tristeza que não fez o trabalho de luto. E a alegria é a recompensa da renúncia ao objecto perdido e o penhor da reconciliação com o seu objecto interiorizado. Assim como o trabalho de luto é o caminho obrigatório do trabalho da memória, a alegria pode também coroar o trabalho da memória, no horizonte do qual está a memória «feliz».
Individualmente, já todos nós nos confrontámos com essa situação, bem como com a melancolia e o luto. Saindo, porém, da nossa memória individual para a colectiva, para a situação actual da generalidade dos portugueses, neste período de crise, ocorre-me pensar que a passividade actual também poderá estar relacionada com uma situação de melancolia paralisante, de auto-desvalorização e falta de auto-estima em que todos, mais ou menos, nos deixámos cair. Paul Ricoeur mostra como as feridas do amor-próprio nacional se aparentam a um objecto de amor perdido. É certo que, para as fissuras do seu “amor-próprio”, os portugueses tiveram uma grande ajuda com o discurso único, vindo de cima, de que «vivemos acima das nossas posses» e que agora temos de pagar por isso (fosse essa narrativa deliberada ou não, embora eu me incline para a primeira hipótese).
Então, para sairmos disso, talvez fosse bom não continuarmos enredados na «melancolia» e fazermos um «trabalho de luto», que nos liberte, e que começa por um trabalho de memória do passado recente, mesmo que esta seja – e é-o – plural. E aqui entra a História, também com a sua pluralidade de interpretações. Enquanto a memória é o «reconhecimento» do traço vivido de um «real já passado», a História é o «conhecimento», que opera através da distância que permite ao investigador libertar-se do passado, através de duplo trabalho de recordação e de luto. A escrita histórica estabelece uma distância com o seu objecto de referência, mas, na medida em que é mais distante, mais impessoal na sua relação com o passado, pode ter um papel de equidade e temperar a exclusividade das memórias particulares, não servindo qualquer uma deles. Na realidade, como diz Goethe, «Escrever a história é um modo de nos livrarmos do passado». Eu acrescentaria…, de nos livrarmos de um passado (recente) infeliz, na medida em que, ao fazer o luto do passado, o trabalho da História preserva a memória e contribui para transformá-la numa memória pacificada e justa, uma memória feliz, condição de uma relação actuante com o presente e o futuro, bem como de solidariedade entre as gerações.
Leituras de Verão, que podiam ser de Inverno, e a coincidência irónica de datas – 11 de Setembro de 1973 e de 2001.
Heraldo Munõz, A Sombra do Ditador, Memórias Políticas do Chile sob Pinochet (RJ, Zahar, 2010)
Como se sabe, o governo do socialista Salvador Allende, no Chile, foi derrubado por um golpe militar liderado pelo general Augusto Pinochet, que governaria durante 17 anos um regime ditatorial sangrento, responsável por cerca de 40 mil vítimas da prisão, tortura, morte e/ou desaparecimento. O que se sabe talvez menos bem é que o Chile de Pinochet serviu de laboratório para Milton Friedman, cujas teorias monetaristas foram adoptadas nesse país pelos chamados «Chicago Boys», economistas chilenos neo-liberais formados na universidade de Chicago. Como mostra Heraldo Munõz, o «Chile de Pinochet se tornaria depois o bom aluno do Fundo Monetário Internacional (FMI), a inspiração do Consenso de Washington, o conjunto de directrizes ditadas pelo FMI que apontavam o rumo a ser seguido pelos países a fim de “pôr a casa em ordem do ponto de vista económico” e crescer».
Também o que talvez não se sabia bem é que Pinochet, que morreu em Dezembro de 2006, e foi detido, em 1998, surpreendentemente para o mundo, numa clínica em Londres, por violação dos direitos humanos, a pedido do juiz espanhol Baltasar Garzón, acabaria por regressar ao Chile, em Março de 2000, sendo então finalmente acusado de crimes pela lei chilena e colocado em prisão domiciliar. No entanto, ironicamente, «não caiu em desgraça por acusações de violação dos direitos humanos, mas por uma investigação relacionada a terrorismo, levada a efeito nos Estados Unidos, a respeito de dinheiro não declarado que vinha escondendo, sob vários nomes fictícios e de membros da sua família, em contas no Riggs Banks e em outras instituições no mundo inteiro».
Sobre esse irónico episódio, cito Heraldo Muñoz:
«Talvez o golpe final para a reputação do ex-ditador tenha vindo em 2004, quando o líder da luta do mundo livre contra o “terrorismo comunista” foi derrubado pela “guerra contra o terror” iniciado depois do 11 de Setembro americano» (de 2001) - recordo que o golpe de Estado militar chefiado por Augusto Pinochet que derrubou o governo eleito de Salvador Allende ocorreu também em 11 de Setembro (de 1973).
«Entre 1999 e 2011, o Subcomité Permanente do Senado dos Estados Unidos (…) investigou a lavagem de dinheiro no sector financeiro do país. Em 2003, a pedido do senador Carl Levin, o Subcomité Permanente (do senado dos EU) iniciou uma auditoria sobre o Riggs Bank de Washington, para avaliar a efectividade das cláusulas antilavagem de dinheiro do Patriot Act. (…)
Os documentos também revelaram que, de 1994 a 2002, o Riggs tinha aberto pelo menos seis contas e emitido vários comprovantes de depósito para Augusto Pinochet. Segundo o relatório do Senado, “o total dos depósitos nas contas de Pinochet no Riggs ia de quatro a oito milhões de dólares a cada vez” (…) A investigação do Senado também descobriu que o Riggs Bank ocultou a existência das contas de Pinochet dos auditores (…) por dois anos (…).
Num perfil de cliente de 1998, o banco descrevia Pinochet como “um profissional aposentado que teve muito sucesso em sua carreira e acumulou riqueza durante a vida de maneira legítima”, e estimava sua fortuna líquida num montante que variava de 50 a 100 milhões de dólares. (…)
Em termos do império financeiro ilegal de Pinochet, o Riggs era apenas a ponta do iceberg. O general também tinha depósitos em outras instituições como Citibank, Banco do Chile nos Estados Unidos, Espírito Santo Bank de Miami, Counts & Co. Bank of Miami e Atlantic Bank em Zurique e Gibraltar. (…)».
Já cá faltava Gentil Martins, andava a estranhar, ei-lo em todo o seu esplendor.
O texto tem uma virtude, expõe aberta e claramente a homofobia do autor que apoda a homossexualidade de "desorientação sexual". Pois é, desorientado está o senhor - e a desorientação não é sexual que já não pode, pela certa -, só assim se justifica a referência à patologização da homossexualidade. Mas as suas alterações psicopatológicas não se resumem à orientação, as áreas cognitivas estão mais profundamente atingidas, a avaliar pela precariedade argumentativa expressa na exclamação "tal pessoa (homossexual) não deveria ser considerada idónea para adoptar!". Porquê? Porque sim, porque Gentil Martins acha, ponto.
Quem, sendo médico, assim fala da orientação sexual não merece qualquer credibilidade nem resposta, só mesmo chacota.
Adenda: Boa observação da S. ali noutro sítio "não sei quem escolheu a ilustração da cristina sampaio para o artigo, gostei de ver como ela é a primeira a gozar com o texto ilustrado"
Rogério da Costa Pereira
Rui Herbon
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.
The times they are a-changin’. Como sempre …
De facto vivemos tempos curiosos, onde supostament...
De acordo, muito bem escrito.
Temos de perguntar porque as autocracias estão ...
aaaaaaaaaaaaAcho que para o bem ou para o mal o po...