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jugular

Assim não

 

 O autor do artigo do DN de hoje ("Onze das melhores escolas primárias vão fechar") acha mesmo que é lícito usar esta lista de escolas descrevendo-as como "das melhores escolas do país"? Não é um novato em jornalismo de educação, tem obrigação de saber que escolas com número reduzido de alunos que fazem exames não são consideradas para rankings nenhuns porque a amostra diminuta distorce completamente os resultados.

Desta lista de 11 escolas duas têm 1 aluno que fez exame, duas têm 2 alunos e duas têm 3 alunos. Se o critério usado fosse válido e se no próximo ano uma das escolas tivesse um único aluno, com dificuldades extremas de aprendizagem, cujo resultado fosse 1 nos dois exames iria descrever a escola como "a pior do país"? Vá lá, umas noções básicas de estatística e uma moderada dose de bom senso são bons antídotos contra a demagogia. Quer-se discutir o encerramento de escolas? Discuta-se mas com argumentos sérios e análises baseadas em parâmetros válidos. 

 

P.S. - E deixo de lado o irritante que é usar rankings - mesmo os que só contemplam amostras numericamente relevantes - como argumento nesta discussão. 

 

A observar uma "mamading*" ao governo

Nem sempre concordo com as posições oficiais da Ordem dos Médicos de que José Manuel Silva é porta-voz e nunca me inibi de o assumir publicamente - relembro a minha posição face à discussão do racionamento explícito, por exemplo -, mas por isso mesmo tenho obrigações acrescidas de reagir a críticas repletas de desonestidade intelectual que lhe são dirigidas. O André Nóbrega poupou-me trabalho, é ler "Um blasfemo do Observador tirou o estetoscópio do armário".

 

Deixo alguns "bonecos" que mostram que José Manuel Fernandes é seguidor da máxima "aperta com os números!, eles dizem o que tu quiseres".

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*

Recusar a culpa

O acto de contrição de Cavaco perante o seu homólogo alemão, Joachim Gauck, mostra, mais uma vez, como o debate em torno da natureza da crise que vivemos não é sobre o passado. É sobre o futuro. Para Cavaco, para Passos, para Portas e para os nossos credores, Portugal tem a crise que tem por culpa própria. A expiação é, portanto, um dever nacional.

 

Seja porque não soube adaptar-se às exigências da moeda única, seja porque viveu acima das suas possibilidades, seja porque não fez as reformas que devia, seja porque foi despesista e não se preocupou com a sustentabilidade do Estado Social, seja porque não travou as PPPs - seja qual for a versão escolhida desta história, todas pressupõem que a nossa crise é, na sua origem, uma crise de finanças públicas, causada por uma certa forma de despesismo.

 

Quem pensa assim nunca conseguirá verdadeiramente criticar e opor-se às políticas deste governo. Pode dizer que foram excessivas, pode dizer que foram injustas, pode lamentar os seus resultados, mas não pode dizer que são erradas. Se o problema é o despesismo, então a austeridade - em maior ou menor grau - é necessariamente a solução.

 

A rejeição das políticas deste governo requer uma alternativa à narrativa que as sustenta. Sem essa alternativa, estamos condenados a jogar no terreno do adversário. E a perder.

 

Desde meados dos anos 90 que Portugal tem acumulado dívida externa, sobretudo privada. Com a crise financeira internacional de 2008, o mecanismo através do qual essa dívida era financiada implodiu. Quando o Estado interveio, o que era uma crise de balança de pagamentos, transformou-se numa crise de finanças públicas. A crise de finanças públicas não é uma causa, mas sim uma consequência da crise.

 

É simplista e redutor interpretar os nossos desequilibrios externos como sendo causados por despesismo. Se olharmos para a primeira década do século como o culminar desse alegado excesso, incorremos mesmo num erro factual: entre 2002 e o início da crise, Portugal foi, juntamente com a Alemanha, o país da zona euro onde a procura interna menos cresceu. A ter havido um período despesista, ele ocorreu entre 1997 e 2001, período em que a procura interna cresceu quase o dobro da média da zona euro. Depois disso, e até ao início da crise, não houve qualquer tipo de "festa".

 

O que caracteriza a chamada década perdida não é o despesismo, mas sim uma fortíssima desaceleração do crescimento económico. E é sobretudo a estagnação económica que explica o aumento do peso do endividamento na economia, não o contrário.

 

A estagnação económica deve-se a vários choques, todos eles negativos

 

Depois um curto mas forte crescimento na procura interna, que a adesão ao euro e a queda das taxas de juro haviam tornado possível, acabou a "festa". O investimento em construção, por exemplo, está em queda desde 2002. Ao mesmo tempo, o país assistiu a uma significativa alteração das suas condições de competitividade. O alargamento a leste agravou a condição periférica do país, na medida em que desviou fluxos de investimento privados, que não foram compensados por um reforço dos fundos europeus. A entrada da China no comércio internacional teve efeitos assimétricos nos diferentes estados-membros. A estrutura e especialização produtiva Portuguesa foram fortemente afectadas. E a apreciação do euro só agravou a situação.

 

Quando a crise chegou, Portugal estava a responder a estes choques e a investir no combate aos défices estruturais da economia portuguesa, procurando requalificá-la. A chamada década perdida é, na verdade, uma década de profunda transformação estrutural. É uma década de resposta a sucessivos choques, não é uma década de despesismo e desvario. Os números, pelo menos, não o mostram. 

 

A crise financeira de 2008 não veio expor os pecados do país e os seus alegados excessos, mas sim as suas fragilidades e as contradições de uma união monetária incompleta e disfuncional. Para quem não se conforma com a culpa, para quem não aceita a narrativa que divide a zona euro entre países virtuosos e pecadores, esta é a primeira lição a aprender.


(artigo publicado no Expresso online)

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