diz-que-lei-mer
Não venho dizer nada de novo sobre o assunto. Seria, aliás, uma improbabilidade. E qual é o assunto? A novela do Passos e o seu diz-que-lei-mer. Não sabem o que é? é a versão portuguesa, pós 2011, de disclaimer ("a statement that denies something, especially responsibility"), que o nosso PM acabou de inventar: nem é uma declaração, nem nega coisa nenhuma, e muito menos responsabilidades. É não dizer nada, não negar nada e chutar para cima da justiça, cujo funcionamento, aliás e como todos sabem, melhorou muitíssimo nos tempos recentes, sobretudo em rapidez. Um político banalíssimo em qualquer parte do mundo faria um disclaimer; uma conferência de imprensa, um telejornal, uma esquina onde os jornalistas o apanhassem, seriam locais adequados. Que não, que não, que não, que é mentira, que é falsidade, que é invenção, que é deturpação, que é especulação, que é campanha, que é ataque ad hominem, as variações são multiplas. Ou que sim, mas..., e que o assunto será devidamente esclarecido em breve com a apresentação de documentos comprovativos, seguidos de consequências judiciais para os difamadores, etc. Quem disser o contrário, que o prove. Presunção de inocência. Mas todos dizem, falam, respondem, justificam-se, defendem-se. Disclaimeram-se.
Passos, pelo contrário, diz-que-lei-mer. Não se lembra. Não é nada com ele. Nem sim nem não, antes pelo contrário. Os outros que investiguem e, se apanharem alguma coisa, avisem-no que ele depois decidirá o que fazer. Apanhem-no se puderem. Não é presunção de inocência, é gozar o prato. No final - coisa que ninguém vislumbra, entre declarações de IRS desaparecidas, comunicados da AR enviesadas, informações incompletas, pingas na imprensa - emergirá uma saturação, uma sensação de cansaço, de esforço inútil, e o público nem prestará atenção mesmo que ele tenha assaltado a caixa de esmolas da paróquia. Aliás, a sensação de entorpecimento, de desânimo, já invadiu todo e todos, já ninguém se admira com coisa nenhuma.
Este post esteve para se chamar "Os dilemas do Mayo" - Mayo, aquele cadete todo macholas do Oficial e Cavalheiro, também novato e armado ao pingarelho - : recebeu ou não, responde ou não, nega ou não, cometeu ilegalidade ou não. Mas tal como no célebre programa homónimo da não menos célebre cartomante, tudo se resume a fumaças e areia para os olhos, magias, profecias e bitaites. O nosso Mayo sabe bem que, se recebeu dinheiro (muito, pouco ou enormidades) em troca do "era o Pedro que abria portas na Europa" (como disse o outro senhor), não há recibo, nem fatura, nem comprovativo, nem declaração fiscal. Se não recebeu nada (ou, pelo menos, se nada ficar razoavelmente provado, como é mais do que certo), goza o pagode e ninguém o pode acusar de ter mentido ou obstruído a investigação. Nem o seu contrário. Diz-que-lei-mer. Ou, como naquela locução latina proferida por aquele personagem do Pátio das Cantigas, Ad virtam-se.
P.S.: enquanto brincamos ao gato e ao rato, mais uma grande vitória para o povo e a classe operária: as empresas que empregam pessoas a receber salário mínimo têm bonificações sacadas da Segurança Social (a tal coisa que é insustentável quando é para pagar reformas mas que já é sustentável para isto); portanto, para o ano, ninguém leve a mal se muitos trabalhadores de muitas empresas, que recebiam mal, passem a receber pior, e que as novas contratações sejam esmagadoramente niveladas por baixo. Para as empresas-abutre, pagar salário mínimo passou, assim, a ser duplamente vantajoso.