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jugular

Frase do Dia

Não tenho a certeza. Do dia, claro. Provavelmente, será do ano. Da década. Autor? Um personagem, nosso compatriota, fadado para altos vôos internacionais. Má sorte ter nascido político. Fosse trolha, sapateiro, caixa de supermercado, jardineiro, reformado compulsivo à maioridade, abanador de moscas, caçador de gambozinos ou outra atividade produtiva, teria poupado tal nódoa ao palmarés lusitano. Dá pelo nome de Burrão Duroso. É duroso porque foi MRPP enquanto jovem, quando se insurgia contra o "ensino burguês". Desistiu, mas um antigo camarada é hoje ministro e prosseguiu a sua tarefa, como todos sabemos. Curiosamente, no campo político que ambos ferozmente combatiam nesses tempos. A sua durosidade (vulgo "ruindade de erva daninha") persistente levou-o, entre oportunidades e golpes de sorte, flic flacs à retaguarda e viscosidade a gosto, invectivas contra o "país de tanga" e metamorfoses numa certa espécie piscícola de alto mar, ao trono da Europa. Já o outro nome não necessita de esclarecimento, temos uma década de União Europeia a caminho do colapso para o comprovar.

A sua burrosidade durosa  vem hoje demonstrada na entrevista à Visão. É um monumento de euismo. Medalha no 10 de junho próximo, candidatura ao Prémio Nobel, é o mínimo os mínimos que o personagem merece. Não o reclama porque é modesto, QED. E qual é a tal frase? Ei-la: "nós, nos países do Sul, (...) devemos igualmente fazer uma autocrítica. Fomos, sobretudo, maltratados por quem nos pôs nessa situação, que foram nos nossos governos. Ou como chegou a dívida a tal ponto?". Portanto, apesar de a crise ter sido causada pela desregulação dos mercados e pelas bolhas imobiliárias, pela especulação financeira e pela ganância dos poderosos, apesar do reconhecimento generalizado - infelizmente tardio - da absoluta estupidez que foi a aplicação austeritária em termos claramente punitivos (não esqueçamos a inoculação da ideia de que nós, os gregos, os espanhóis e outras bestas preguiçosas merecemos o que sofremos porque vivemos acima das nossas possibilidades, gastámos o dinheiro alheio em putas e vinho verde e, portanto, tínhamos que pagar o preço para aprendermos), da imposição do garrote orçamental à custa do sofrimento, da vida e das esperanças de muitos milhões, temos que fazer (nós, diz sem pudor este slimmy worm), uma autocrítica e reconhecer que foram os nossos governos os culpados. Deduzo que "nossos governos" signifique "Sócrates", e nunca ele próprio, apesar de ter sido subsecretário de Estado, depois ministro e finalmente primeiro-ministro. E que, quando se anunciou a bomba, não tenha feito discursos tranquilizadores, repetidos tantas vezes por cá por certos comentadores, de que a crise era apenas um ajustamento dos mercados e que nunca chegaria à "economia real" e que, quando ela finalmente estalou, não tenha recomendado aos países do Sul um aumento da dívida para amortecer o choque e absorver o impacto social, recomendação rapidamente varrida para debaixo do tapete quando a Merkel sacou do seu Diktat, fez buuu e ele amochou.

No final, diz que não sabe o que vai fazer agora. A reforma modesta (como se espera de tão grande estadista) a que tem direito não lhe dá descanso nem grandes opções. Uma delas é a área académica, como refere. Parece-me adequado, tanto mais porque me esqueci, no início deste post, do reconhecimento mais óbvio e inevitável: um doutoramento honoris causa, um number one no topo do pódio, secundado por outros dois grandes vultos benfeitores já agraciados pela academia portuguesa, a saber, Ricardo Salgado e Zainal Bava.

No lugar do outro

No ano passado, numa das levas de discussão acalorada sobre o assédio na rua (eufemisticamente referido como piropo), o Paulo fez aqui no jugular aquilo que se pode qualificar como um exercício empático (de leitura sempre recomendada) de que me lembrei assim que, esta manhã, pus os olhos nesta curta metragem de Eléonore Pourriat.

 

 

Ah! Encontrei este pequeno filme devido às conversas que desde ontem  à noite surgiram a propósito do video que se espalhou como azeite por essa web fora (Ten hours of walking in NY as a woman).

O medo e a vergonha - sobretudo a vergonha - são portentosos

Há dias de consulta absolutamente lixados, daqueles em que nos confrontamos com o que de pior um ser humano tem. Ouvir a história de vida de uma mulher batida e humilhada durante quase duas décadas não me deixa, nunca me deixará, indiferente. E não é uma mulher sem recursos económicos, intelectuais ou afectivos, mas nada disso foi suficiente para a proteger da teia em que se viu envolvida e para a qual, como me disse, "contribuiu e pactuou". Puta que pariu os psicopatas narcísicos e sádicos. 

 

Dos internamentos compulsivos - pegando numa reportagem

Começando pelo fim. Quando um jornalista vai fazer uma reportagem sobre um qualquer tema tem obrigação de se informar, muito bem informado, sobre o dito tema. Neste caso imaginava eu que a primeira coisa a ter sido feita era estudar a Lei de Saúde Mental, onde os internamentos compulsivos estão referidos. Ora alguém que escreve "Não foi porém a avaliação de médicos independentes que trouxe algum descanso, mas sim o reconhecimento da justiça de que afinal não estava louco" não pode ter lido, nem se ter informado minimamente, sobre o processo geral de um internamento compulsivo nem da passagem do regime de internamento compulsivo para o de tratamento ambulatório compulsivo. Para que fique claro, a decisão judicial é tomada com base na informação clínica que o tribunal solicita, e recebe, sobre a evolução do caso - naquilo que na gíria chamamos a avaliação bimensal de um processo de tratamento ambulatório compulsivo -, donde nunca é a justiça a determinar quem está, ou não, "louco".

 

Dito isto, sem conhecer o caso concreto e sendo eu muito crítica do uso indevido deste articulado legal, arrisco a afirmar que o jornalista não se preocupou em saber o tempo médio de um internamento numa unidade psiquiátrica de doentes agudos, caso contrário teria percebido que 71 dias de internamento foge largamente à média, quer se trate de um internamento compulsivo ou não, e que só acontece em situações particulares e complicadas. Ora terão de me convencer que numa estrutura psiquiátrica com inúmeros psiquiatras, onde os casos clínicos são obrigatoriamente discutidos, não haveria ninguém a questionar não só a justificação clínica da manutenção da compulsividade do internamento como a sua longa duração.

 

(Faço aqui um parêntesis para deixar um comentário a este outro texto, também do i e sobre o mesmo assunto. A serem correctas e não descontextualizadas as citações do director clínico do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, merecem-me um reparo público pela sua leviandade, sobretudo tendo em conta que a clínica que determinou, em contexto de urgência, o internamento compulsivo pertence à sua instituição.

Para não ir mais longe na observação fico-me pelos aspectos menos relevantes humana e clinicamente, apenas me detendo nas questões  "economicistas". Ora sabendo, como eu, que quem dirige o serviço de psiquiatria do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental é um homem muito implicado nas políticas de Saúde Mental e na gestão de serviços de saúde psiquiátricos, como é que o primeiro pensamento de Salgado não foi "hummm, 71 dias de internamento?, como é que o Caldas de Almeida permitiria este isto sem razão?".).

 

Que se fazem muitos internamentos compulsivos que não estão de acordo com aquilo que esteve na base da criação desta lei - a salvaguarda do próprio e de terceiros tendo em conta os possíveis danos que a falta de consciência mórbida determina no comportamento do doente - não tenho dúvidas. E desse ponto de vista percebo este post do Vitor Cunha. Concordo com algumas das questões levantadas, ainda que discorde da maioria dos argumentos ali referidos. Como escreveu uma amiga e excelente psiquiatra numa trocas de mails onde discutíamos o assunto  "Eu acho que a realidade tem muitas mais dificuldades do que as expressas no texto do Vitor Cunha e não concordo com a sua argumentação, embora tenha razão quanto à discussão que é necessário fazer.

 

Respondendo ao texto, eu diria que "internamos pessoas compulsivamente para lhes proporcionar o melhor tratamento" em situações em que só isso evitará "dano pessoal de monta para o próprio ou terceiros". Segundo a minha leitura, o desacordo dele estará nos critérios para considerar que existe "dano pessoal ou patrimonial de monta para o próprio ou terceiros". Então quando é que devemos considerar que existe "dano pessoal ou patrimonial de monta para o próprio ou terceiros" e aceitamos o internamento compulsivo? Apenas quando o doente está agudamente doente, obviamente delirante, agitado e a destruir tudo à sua volta? Ou também quando existe um quadro insidioso, em que, pela via da ausência de insight, ocorrerá "dano pessoal de monta para o próprio ou terceiros"? Este é um dilema que vivemos na prática clínica. Na grande maioria dos casos só atuamos no primeiro caso, mas na minha equipa, por exemplo, que também visita e acompanha no domicílio (ou seja, não se limita a aperceber-se da situação num contexto de urgência, mas já fez tentativas de intervenção e de avaliação), já decidimos intervir perante casos do segundo grupo, talvez "impingindo coercivamente a quem quer que seja, só porque um serviço acha que é melhor para o indivíduo em questão." Até agora, com bons resultados para as pessoas doentes. Em ambas as situações estão a ser "retirados direitos básicos às pessoas, nomeadamente o direito de não ser tratado", mas no atual momento da vida em sociedade decidimos que isso faria sentido. 
 
E aqui começa outra discussão. É importante discutir a lei de saúde mental não só em relação à sua aplicação (haverá muitos abusos pelo país fora), mas também à sua própria natureza. Por esse mundo fora são cada vez mais fortes os movimentos de utentes que contestam a existência desta figura legal, alegando que as pessoas devem ser completamente livres de optar por não se tratarem, mesmo quando essa decisão é afetada pela ausência de crítica. É esta a discussão que me parece importante que comecemos a fazer, que o Vitor Cunha acaba por tocar ao de leve e que sai prejudicada de todo este episódio mediático.".
 
De tudo o que li sobre o assunto, e mais uma vez reassumindo que apenas conheço o caso pela imprensa, arrisco a assinar de cruz um bom resumo desta novela, feito por outro amigo também psiquiatra, "Este episódio parece-me um vergonhoso momento de anti-psiquiatria, alimentado por um doente paranóide, um advogado idiota e alguns psiquiatras imprudentes.".

Entrada de leão - texto de Tiago Antunes

Todos sabemos bem como este Governo, que transpira incompetência, é no entanto um mestre da novilíngua, demonstrando altíssima criatividade e performance na manipulação vocabular. “Irrevogável” passou a ser irrelevante. “Alívio fiscal” passou a ser mais do mesmo. Pois bem, entre ontem e hoje, “vinculativo” passou a ser indicativo e “sucesso” passou a ser derrota. Senão, vejamos.

 

Ontem, Passos Coelho chegou ao Conselho Europeu, de peito feito, a ameaçar que vetaria as conclusões, em matéria de política climática e energética, se elas não contemplassem metas vinculativas quanto às interconexões elétricas entre a Península Ibérica e o resto da Europa. A verdade, porém, é que as conclusões acabaram por não contemplar tais metas vinculativas. E, contudo, Portugal não vetou. Apesar disso, revelando que não há limites para o descaramento, hoje o Primeiro-Ministro veio cantar vitória.

 

Vale a pena seguir os acontecimentos através do próprio site do Governo. Nem sequer é preciso ir mais longe para constatar a contradição. Anteontem dizia-se aí o seguinte:

 

«Portugal não subscreverá conclusões do Conselho Europeu sobre as políticas de energia que ignorem a questão das interconexões europeias, afirmou o Primeiro-Ministro na véspera do Conselho Europeu que tem este assunto em agenda, durante uma visita oficial ao Luxemburgo. Numa conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo após uma reunião de trabalho, Pedro Passos Coelho disse que tinha transmitido ao Primeiro-Ministro Xavier Bettel «as particulares preocupações que Portugal tem quanto à fixação de objetivos vinculativos relativamente às interconexões sobretudo na área da eletricidade e do gás» (realce nosso)

 

Hoje, depois de acordo final NÃO ter contemplado metas vinculativas quanto às interligações elétricas, o site do Governo afirma:

 

«Portugal obteve um excelente resultado» no pacote sobre clima e energia «que se pretendia ambicioso, incluindo a questão das interligações», e que «foi também um excelente desfecho para a União Europeia», afirmou o Primeiro-Ministro na conferência de imprensa no final do Conselho Europeu, em Bruxelas»

 

Portanto, um “excelente resultado” é, afinal de contas, um recuo em toda a linha. Sendo que muitos jornalistas foram atrás deste embuste, propalando o acordo alcançado como um grande feito quando, em bom rigor, o Governo não conseguiu aquilo que queria: que as metas relativas às interligações fossem vinculativas. Pior: não só o Governo não conseguiu o que pretendia, como “meteu a viola no saco” e não utilizou o poder de veto que tinha ameaçado usar.

 

Em suma, uma vez mais o Governo fez figura triste em Bruxelas. É certo que o acordo fala em interligações e até refere metas (10% em 2020 e 15% em 2030). Isto é, para sermos totalmente honestos, positivo para Portugal e deve-se à insistência que o Ministro Jorge Moreira da Silva tem colocado nesta questão. Mas a verdade é que o Governo recuou em toda a linha quanto à vinculatividade das metas – tudo uma “discussão semântica”, como lhe chamou Durão Barroso, para disfarçar, provavelmente inspirado pela proficiência governamental na inovação linguística – e não pode agora branquear esse recuo, apresentando um fracasso (numa questão tão sensível que Portugal tinha até ameaçado usar o poder de veto) como se de uma vitória plena se tratasse.

 

Quem teve grandes vitórias, sim, foi a Polónia e outros Estados-Membros de leste, que obtiveram a possibilidade de continuar a atribuir licenças de emissão gratuitas às suas centrais elétricas até 2030, quando o Direito Europeu prevê claramente que tal tratamento de exceção deveria terminar em 2020. Já Portugal ficou a meio caminho quanto às suas pretensões, não conseguindo fazer vingar o cariz vinculativo das interligações.

 

Por mais que gritem bem alto que foi um sucesso, a verdade é que Portugal voltou para casa com menos do que pretendia. E expôs-se ao ridículo, ameaçando sacar da pistola, mas mantendo-a bem apertada no coldre. Passos Coelho pode até armar-se em rebelde e, para consumo interno, dizer que vai bater o pé; mas, quando chega a Bruxelas, será sempre o menino bem comportado que não levanta a voz, nem faz ondas. Ora, não precisamos de um capacho em Bruxelas, precisamos de alguém que seja consequente e determinado na defesa dos nossos interesses.

Phishing - atualização

avast.jpg

Disto. Novo email igual, mas desta vez tive paciência para ir calçar luvas e mexer no bicho sem ser mordido por ele. Funciona assim: clicando na imagem, o incauto contribuinte descarrega um ficheiro (1237897sd897as.zip). Depois, frustrado por não conseguir aceder à tal "fatura eletrónica" dos  2410 € alegadamente por pagar, clicará nele, instalando who-knows-what programa infetado com um vírus. Neste caso (mas nunca se sabe se é o mesmo noutros) trata-se aparentemente de uma variante, provavelmente aguçada e afinada, do banker.kwt (um "cavalo de tróia") que, como se pode ver aqui, tem muitos manos e manas.

Portanto, nunca é demais relembrar, nada de clicar diretamente em emails destes, ou seja, para aceder a quaisquer questões que envolvam o fisco, entrar sempre na respetiva conta pelo site das Finanças. E mesmo que alguém descarregue inadvertidamente o tal zip, é ainda possível evitar a infeção: se o ficheiro for apagado e não for "executado", no problem. Portanto, é preciso alguma boa vontade e ingenuidade para ser apanhado numa destas. Mas, sabendo como são as coisas, não me admiro que não sejam poucos os que, mesmo assim, se sintam aliviados ao perceber que a tal "fatura" de 2410 € era mentira e que se tratava "só" de um virus.

Nota final: quem sabe se alertada por este blog, a AT divulgou uma nota de aviso acerca destes emails, que a imprensa reproduziu. Seria bom que, em ocasiões futuras, reproduzissem o seu teor, mostrassem o seu aspeto e dissessem exatamente do que se trata, em vez de informação vaga de que "está a circular uma mensagem fraudulenta" e pouco mais. É que acredito que não seja fácil explicar aos contribuintes a carga fiscal elevedíssima que sobre eles pesa. Mas um vírus, senhores, não custava nada meter lá um boneco para as pessoas identificarem. Podem meter o meu, que não pagam imposto por isso.

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