Para alguém que está profissionalmente ligado ao bom governo das instituições, sobretudo públicas ou com funções públicas, a melhor medida que ouvi neste Congresso do PS foi a previsão de um Secretário-Geral adjunto para assegurar a ligação entre o Governo e o partido, quando o PS chegar ao poder. É um bom sinal, desde logo por ser uma medida de bom governo e por começar em casa.
Não há boas políticas públicas sem boas organizações e os sucessivos governos têm descurado a organização, esquecendo que sem ela até as melhores medidas sucumbem, ou, pelo menos, produzem resultados medíocres.
A nossa Administração Pública está assente numa estrutura que, no essencial, não muda desde a matriz fixada por Napoleão e Bismarck (sim, esses mesmos) e, apesar de termos tentado algumas ideias novas - estruturas de missão, agências com competências transversais sediadas na Presidência do Conselho de Ministros - a verdade é que não conseguimos criar uma estrutura nova e muito menos uma nova cultura. Isso só pode ser feito com um sinal claro da liderança política e com uma perseverança férrea em prol das mudanças que devem ser feitas. E há boas ideias que podem ser estudadas (ou simplesmente adaptadas) e aplicadas pelo próximo Governo na nossa Administração Pública.
Mas para isso é fundamental que o PS e outros partidos de esquerda resistam ao medo de acharem que podem perder o seu eleitorado pela simples menção de mudanças na Administração Pública. A maior parte das pessoas estaria disposta a uma discussão sobre as funções e o modo de organização do Estado se os partidos preparassem, enquadrassem e motivassem essa discussão. E estaria disposta a aceitar a mudança se a compreendesse. Não a fazer demontra apenas que os partidos não a querem. E isso é dramático, pois só o bom governo da Administração Pública pode no curto prazo (face a um crescimento económico deprimente) trazer a eficiência que permite reduzir despesa, para além de ser um bem em si mesmo.
É preciso reduzir a dimensão dos Ministérios, melhorar fortemente a regulação e as parcerias público-privadas (sem medo das palavras e mostrando aquelas que são virtuosas) e aumentar exponencialmente as estruturas transversais por oposição às estruturas verticais de tipo ministerial. E tudo isto tem que ser feito com uma discussão sobre as funções do Estado e o modelo de combinação de entidades que as desempenham, entre entidades públicas e privadas. Ora, nada disto parece estar em cima da mesa. Só se pensa na organização como resultado de novas políticas públicas ou suas redefinições e esta subordinação é quase sempre geradora de ineficiências, desperdícios e disfuncionalidades.
Um governo com boas políticas públicas e uma administração pública organizada de modo obsoleto e disfuncional é um mau governo. Temos 10 meses para nos assegurarmos de que isso não acontece.
muito comovente ouvir recitar, por céu guerra no congresso do ps, o nome das mulheres assassinadas este ano.
mas estou tão cansada de momentos simbólicos sem consequência, de ramos de flores e poemas marejados de lágrimas que só sublinham a indiferença e a continuação do costume do resto do tempo.
olho para o secretariado nacional e vejo uma esmagadora maioria de homens. olho para a prática legislativa e vejo o ps a defender que o assédio sexual, evidência quotidiana da violência e da menorização das mulheres, da certificação de que o espaço público é masculino e que as mulheres nele se devem aventurar sempre a medo e sob ameaça (em que cores será preciso fazer um desenho para se perceber que isso condiciona todo o percurso das mulheres na esfera pública?), 'não tem dignidade penal'.
as mulheres são mortas, e tantas, porque vivemos num país que as desconsidera quotidianamente, que nem sequer reage quando um pr vai a um país onde as mulheres têm um estatuto legal de inferioridade fazer publicidade a portugal como tendo 'cavalos e mulheres bonitas'. não ouvi uma palavra -- houve? -- em todo o congresso do ps, e muito menos no discurso de costa, sobre essa obscenidade. se calhar não repararam.
só reparam na morte? a morte não tem remédio. é na vida que temos de reparar, e agir. porque só isso pode evitar a morte, real e simbólica, das mulheres.
nota: acabam de me dizer no twitter que alegre criticou a nojeira de cavaco. menos mal. mas a ausência de ligação entre o que cavaco disse -- e cavaco, por mais que isso pareça incrível, é o representante mais alto do sistema político -- e a lista das mulheres mortas, como com toda a desconsideração e agressão quotidianas de que as mulheres são alvo, é o essencial da cegueira. um país que assiste com um sorriso ou encolher de ombros ou, pior, com total 'normalidade' ao que cavaco disse não pode surpreender-se com ter 34 mulheres mortas este ano ou noutro ano qualquer. enquanto isso não for entendido, enquanto não se perceber que esta cultura de insulto permanente é a cultura em que o homicídio de mulheres por serem mulheres floresce, nunca saíremos daqui.
nota 2: ontem à noite soube que a presidência tinha desmentido a referência a mulheres, bonitas ou não, no almoço de 27 em abu dabhi, e que a sic assumira ter havido 'um mal entendido'. ao mesmo tempo, soube que a intervenção de cavao no almoço está no site da presidência e fui ver. em vez de referência a mulheres bonitas, oiço (em inglês) referência a paisagens bonitas. portanto, um repórter, aparentemente, terá feito confusão entre women e landscapes, o que já de si é extraordinário, e só deu pelo facto passados três dias? mais extraordinário ainda, a presidência da república, perante a reportagem da sic e a imediata reacção nas redes sociais (onde a pr está e onde não colocou até agora qualquer desmentido), não achou necessário reagir durante três dias? e nos media nacionais nenhuma reação (de monta, pelo menos) a tal barbaridade?o desmentido de cavaco, aliás, só surge depois de alegre ter referido criticamente a coisa no seu discurso no congresso. a única explicação para tudo isto é óbvia: se cavaco não disse, nem a presidência nem a sic nem o resto dos media e comentadores sortidos achou impossível que o tivesse dito ou que isso tivesse qualquer gravidade. o facto aliás de ninguém ter duvidado de que cavaco pudesse ter dito aquilo, mesmo entre as pessoas que consideram inadmissível tal coisa na boca de um presidente, diz tudo sobre o que se pensa de cavaco (et pour cause) mas também sobre a cultura generalizada de machismo -- ou seja, de absoluta falta de respeito pelas mulheres -- em que estamos todos mergulhados.
"Ontem a Finlândia tornou-se o 18º país a aprovar a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo! A proposta surgiu de uma iniciativa popular!" , li ali no FB da rede ex aequo.
Adenda1: @pedro_sales: a única razão para ir a uma teocracia árabe e falar das mulheres portuguesas é para enumerar os seus direitos, ok, cavaco?
Adenda2: Ainda não consegui chegar ao pedido de desculpas da Sic - se alguém tiver link agradecia - mas venho repor a verdade dos factos deixando o discurso de Cavaco Silva, onde não há qualquer referência a "mulheres bonitas". Melhor assim.
António Vitorino já colocou correctamente a questão: é evidente que há um problema político, para além de criminal, quando um membro de um Governo é indiciado pelo crime de corrupção. Afinal, a ser verdade, trata-se de um dos piores crimes contra a República - o aproveitamento do trabalho e do esforço de todos os contribuintes em benefício de uma pessoa - e isso não pode deixar de se reflectir no juízo que fazemos do partido a que essa pessoa pertence. Porém, dito isto, fica quase tudo por dizer e é bom que tenhamos ideias claras. Não só para podermos viver bem com as nossas consciências, mas para podermos rechaçar os ataques políticos desmedidos e oportunistas.
A tentativa de colar o PS de Costa ao PS de Sócrates, para além da responsabilidade política que a normal institucionalização de um partido permite, é uma estratégia política rasteira e que não resiste a qualquer análise minimamente séria e honesta. Uma coisa é o PS de Costa ter que encontrar uma política que o defina, como, por exemplo Sócrates teve o seu Plano Tecnológico. Uma coisa é o PS de Costa ter que encontrar um discurso que responda ao pedido de resgate do PS de Sócrates como é a luta pela renegociação da dívida. Outra bem diferente é tentar transformar uma batalha ideológica entre o Governo e o PS num salganhada de desinformação e confusão política, destinada a enganar os eleitores, em que se começa com a crítica a Sócrates, se evoca o socratismo para apanhar nesta malha todas as pessoas - sejam sérias e competentes ou não - que trabalharam com Sócrates e acaba-se a tentar condenar Sócrates por antecipação, com isso pretendendo manchar - como no tempo dos crimes de sangue da vindictas privata - todo os que com ele trabalharam, contactaram ou privaram.
Sejamos claros: 1. Sócrates não foi ainda condenado por nada; 2. Indícios são isso mesmo: indícios; 3. Mas mesmo que Sócrates venha a ser condenado por alguma coisa será por crimes, não por más políticas; 4. A ideia do contágio político ao PS está por demonstrar e depende mais de Costa do que de Sócrates; 5. O juízo político, esse, os portugueses já o fizeram em 2005 e em 2009, quando Sócrates ganhou as eleições e em 2011, quando Sócrates perdeu as eleições. E fá-lo-ão de novo em 2015 quando Costa ganhar as eleições.
O juízo político - e apenas esse - é um juízo sobre o PS e quem o lidera, pois é quem o lidera o responsável pelo programa político. A circunstância de Costa, como líder, contar entre os seus apoiantes com aqueles que um Governo desesperado chama de socráticos demonstra uma realidade muito simples: quando um bom líder mobiliza, o melhor PS aparece. Aconteceu com Sócrates - independentemente do que venha a ser o resultado do inquérito que agora decorre - e acontecerá com Costa, com todas as diferenças que há entre um e outro e com todas as diferenças de liderança que existirão. Essa demarcação existe naturalmente e é tempo de Costa confrontar o discurso do contágio político por aquilo que é: uma mistificação de um Governo que não tem como combater Costa e a alternativa que ele representa às políticas desastrosas dos últimos três anos.
O melhor que Costa tem a fazer quanto ao socratismo, que PSD e CDS tanto abocanham, é rapidamente criar o costismo. Chamando os melhores e oferecendo uma alternativa política que exponha a táctica do papão do socratismo como aquilo que é: uma mistura de oportunismo e desespero político.
Não só tenho as melhores filha, irmã, sobrinha e mãe de todas como tenho as melhores amigas assim do mundo e arredores, que trazem com elas mulheres fantásticas que também se tornam minhas. Obrigada miúdas.