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jugular

Aos "opinadores" nacionais

Começa a chatear-me seriamente o apelo ao Juramento de Hipócrates para falar de um caso clínico que tem de ser investigado.

Meus senhores, deixem-se de tretas, eu NÃO FIZ o dito juramento por me parecer que o simbolismo - repito, simbolismo - nada acrescenta ao exercício da medicina nos dias de hoje e, mais importante, por defender, enquanto médica e cidadã, que as minhas obrigações deontológicas têm de ser aferidas com rigor nas estruturas competentes - os serviços onde trabalho, o Conselho Nacional de Ética e Deontologia Médicas da OM e os tribunais se for caso disso - e não por um documento simbólico.

O não fazer o dito juramento, que não é obrigatório, foi uma decisão pensada e ideológica, a ética e deontologia médicas estão muito para além de um texto simbólico, e ainda bem.

 

 

qirtas

Alguém conhece a origem da palavra "cartaz"? Não vem do latim carta, mas do árabe qirtas ("folha de papel") e designava uma espécie de salvo-conduto de navegação no Índico, que os portugueses encontraram como prática corrente quando lá chegaram e que utilizaram abundantemente ao longo do século XVI. É neste sentido que se fala da "política de cartazes" (de Afonso de Albuquerque, por exemplo), expressão que se presta a equívocos engraçados quando é usada por quem desconhece a especificidade do termo naquele contexto. Mudaram os tempos e "cartaz" passou a significar o papel exposto publicamente, com aviso ou anúncio. Na política, passou a equivalente a imagem, a outdoor. Se há décadas pouco mais tinha que uma sigla partidária e um "vota X", hoje, como todos sabemos, é tudo diferente. Toda a gente percebe o impacto de um bom cartaz ou o impacto negativo de um mau (ou de uma série de maus, como foi o caso do PS nas legislativas). 

Muito bem. Há cartazes e depois há comentadores de cartazes. Ontem houve um que publicou uma crónica no Jornal de Notícias: "os Cartazes de Marisa" de seu título, José Manuel Diogo de seu nome. Quem é o senhor, que nunca tinha tido o prazer de conhecer? Está tudo na sua página na Wikipédia: Aliás, não ter uma página na Wikipédia seria imperdoável para quem se afirma "especialista em informação e comunicação". Mas já lá iremos. E que diz ele? Uma ideia muito simples: que o sucesso eleitoral do Bloco de Esquerda se ficou a dever ao uso das "carinhas larocas" da Mariana Mortágua e da Catarina Martins nos cartazes. Eu cá podia questionar esta lógica do 1+1=2 e perguntar porque é que, assim sendo, Joana Amaral Dias fracassou na sua eleição. E, já agora, interrogar-me sobre o motivo de haver sempre questões de "beleza" ao barulho quando se fala do sucesso de mulheres na política, enquanto que o dos homens parece sempre derivar do seu carisma, da sua estratégia, do seu caráter visionário e das suas capacidades de liderança. A maioria dos eleitores são mulheres, serão elas indiferentes à beleza masculina? Ah espera, não tem nada a ver, certo? Quem não tem cão, caça com gato, e as mulheres lutam com as armas de que dispõem, a tal "beleza" das "carinhas larocas". O BE dá mais um passo nas presidenciais, com o uso da imagem da Marisa Matias, "toda ela forma, toda ela olhar", "olhar e sedução", "juventude e beleza" e com uma mensagem "ainda mais radical e mais sensual" que a de Catarina e Mariana. Mas, conclui, vai falhar.

José Manuel Diogo sabe do que fala. Comunicação, informação e imagem são os seus campos de eleição. Não é por acaso que a sua página na Wikipedia descreve generosamente as suas qualidades, o sucesso dos seus vários livros e outras coisas que deixam qualquer um impressionado, como ter sido "o único autor europeu a participar no XIV Congresso Internacional de Propriedade Intelectual" e a "apresentação oficial" de uma das suas obras ter sido feita por João Soares. E lá está a sua foto. Fosse ele uma mulher e eu diria que teria uma "carinha laroca", mas isso não é coisa que interesse a um homem a sério que escreve sobre espionagem e serviços secretos. Nunca li nenhum livro dele, mas o autor garante que foram um sucesso. Um deles foi até "apresentado no congresso Associação Brasileira de Jornalistas de Investigação Abraji no Rio de Janeiro e distribuído à escala nacional em importantes livrarias do Brasil como é a Livraria Saraiva". Fiquei convencido. Nem era preciso o autor tê-los classificado quase todos com 5 estrelas no Goodreads. Mas comunicação e imagem, presumo, é isto.

Ninguém pode acusar José Manuel Diogo de misoginia ou, no mínimo, de não gostar de mulheres. Parece-me, a mim, que sofre precisamente do oposto. Que gosta tanto delas que as acha mal empregadas na política. "Beleza desperdiçada", conclui ele a propósito do fracasso anunciado da Marisa Matias. Isto apesar de ter adotado um irresistível "registo de “diva” e “vamp” do cinema", como escreve no seu site (sim, que um profissional da comunicação não tem um mísero blog, mas um site) quando fala dos muitos M do Bloco: mulher, marketing, Martins, Mariana, Mortágua, Marisa, Matias. Calculo que se tenha contido em chamá-las de M&M's irresistíveis e saborosas. E se dúvidas houvesse acerca da sua adoração contemplativa pelas mulheres (ou, vá lá, ao seu aspeto físico), elas desfazem-se na sua poesia sobre "beleza": "tudo nelas é magia". 

José Manuel Diogo diz que a estratégia de Marisa Matias vai falhar porque "ser candidata a deputada é uma coisa muito diferente de ser candidata a Presidente da República. Os eleitores não procuram a mesma coisa e não decidem da mesma forma". Deduzo que para fazer exibição pelos corredores e bancadas da AR, mocinhas jeitosas façam jeito, que é sempre bom uma presença feminina. E sendo tantos os deputados, limitam-se a alegrar o ambiente. Mas para presidente da República, calma lá, nem que fosse uma angel da Victoria's Secret. Portanto, por mais qualidades de Marisa que sejam exibidas nos cartazes, não adianta. Ora bolas, e eu, historiador por profissão e hobby, a ver se o qirtas do século XVI continuava a ser um salvo-conduto no século XXI, neste caso, para o sucesso eleitoral. Falhei a 50%, portanto.

Já agora, se alguém achou que comecei este texto com uma coisa que não tinha nada a ver, termino do mesmo modo: no Festival da Canção 1974, os Green Windows concorreram com uma música chamada "Imagens". O single que foi lançado pouco depois tinha uma música interessante na face B. Esta. É mais ou menos o que penso acerca do assunto.

 

 

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