Decidi esperar para ver se algo acontecia, como não houve retratação aqui fica o esclarecimento público através de um texto publicado na versão em papel do Diário do Alentejo.
Trabalho no Baixo Alentejo, para os baixo-alentejanos, é a eles que em primeira mão devo e quero prestar esclarecimentos. Dizer ainda que optei por frenar a minha intempestividade e só agora falar publicamente pelas características particulares do assunto e porque tive a esperança de uma retratação pública que, passadas que estão mais de duas semanas, não ocorreu. Por último, referir que esta quase carta aberta reproduz no essencial o que tive oportunidade de dizer pessoalmente a José Raul dos Santos em Ourique, onde me desloquei no dia seguinte ao da tragédia.
Quando algo de grave acontece em instituições que dirigimos é natural que tentemos perceber o que falhou, e falha sempre alguma coisa quando algo de grave e violento acontece. Já menos legítimo e mais desonesto é prestar informação pública que não corresponde à verdade.
Ao contrário do que foi referido no comunicado institucional, não é verdade que o serviço de psiquiatria do hospital de Beja “concedeu altas consecutivas" à senhora que alegadamente matou outra nas instalações do lar da Santa Casa da Misericórdia de Ourique, de cuja instituição José Raul dos Santos é provedor. O serviço de psiquiatria da ULSBA não só não deu “altas consecutivas” como pura e simplesmente não deu alta, mantendo em acompanhamento ambulatório a referida senhora, tendo a última consulta acontecido em março e ficada marcada a subsequente, como consta de documento presente no processo individual do lar. Infelizmente não se irá realizar.
Já em relação a internamentos, o serviço de psiquiatria deu uma única alta na sequência do internamento de cerca de um mês a que a senhora foi sujeita em julho de 2015. Quanto a idas à urgência psiquiátrica, como também está documentado, a última aconteceu em setembro de 2015, não tendo a senhora ficado internada no serviço de psiquiatria por não existirem critérios clínicos que justificassem o seu ingresso num serviço de agudos.
Se me quisesse comportar com a mesma leviandade poderia ter questionado, pública e imediatamente após o sucedido, a vigilância aos utentes que é feita no lar da Santa Casa da Misericórdia de Ourique onde alguém foi morto violentamente num quarto sem que ninguém se tenha apercebido. Não o fiz nem farei porque em causa está um evento a esclarecer, alegadamente perpetrado por uma doente mental e eu sei bem como os imponderáveis acontecem e como é doloroso o nosso trabalho ser injustamente posto em causa.
Que este caso nos faça questionar, a todos mas a mim e a um qualquer provedor de uma Misericórdia em particular por razões mais do que óbvias, a necessidade de se avançar rapidamente para a formalização de estruturas de cuidados continuados integrados de saúde mental, não só entendo como sou solidária com qualquer um deles que o faça. De facto estes doentes necessitam de estruturas de retaguarda de características especiais onde existam técnicos com formação específica - e mesmo assim a probabilidade de ocorrência de eventos graves nunca será igual a zero, há que o assumir.
No entretanto o serviço de psiquiatria da ULSBA continuará a articular-se, dentro daquilo que são as suas possibilidades e recursos, com as estruturas da comunidade para tentar responder às necessidades, como o fez na terça-feira, dia 10 de maio, quando se deslocou a Ourique para uma reunião com técnicos do lar e com o provedor, na sequência de uma solicitação que nos foi dirigida pela instituição. Mesmo não havendo na ULSBA uma equipa de intervenção em crise por falta de recursos, o serviço de psiquiatria deu uma resposta imediata ao pedido de ajuda que nos foi endereçado, penalizando naturalmente os doentes que tinham consultas programadas agendadas para esse dia. Assim continuaremos a fazer.
Se todos os erros do serviço que dirijo e pelo qual, para o bem e para o mal, sempre responderei publicamente forem estes continuarei a ser, como até aqui tem acontecido na minha vida, uma mulher de sorte.
Ana Matos Pires, diretora do Serviço de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (Beja)
Na segunda não vi o Prós & Contras em direto (aliás, raramente vejo, vou seguindo pelo twitter, que é muito mais divertido), mas como me foram chegando uns ecos da coisa resolvi, ontem à tarde, espreitar aos bocadinhos. Estava ocupada a fazer outras coisas e ia tendo o som como uma espécie de música ambiente. A certa altura ouço Nilza de Sena mandar uma boutade, presto um pouco mais de atenção e começo a rir porque em poucos minutos a senhora contradisse-se claramente. Tomei mentalmente nota do minuto em que ela se tinha encaramelado toda, com a intenção de voltar a ouvir melhor assim que tivesse tempo e, quiçá, fazer um videozinho com o estampanço. E foi isso que fiz pouco tempo depois, desta vez concentrada no que estava a ver e ouvir... De repente arregalei os olhos e pensei "Não é possível, deves ter ouvido mal". Andei para trás e não havia dúvidas, a secretária de estado da educação tinha mesmo acabado de ler uma resposta do governo de Passos Coelho ao Tribunal de Contas em 2015 (ainda nem um ano passou) que chocava de frente com tudo o que se tem ouvido do PSD e do CDS desde que a "polémica" dos contratos de associação começou. O vídeo com esse excerto, originalmente publicado no Geringonça, fala por si.
Ah! E também já acabava a conversa da "precipitação" e "não é em maio que se fazem essas coisas", queriam que se determinasse a abertura de turmas quando?
Para terminar só mais uma pequna nota, que foi a minha descoberta desta manhã. Abro o Público e dou de caras com uma frase que é todo um tratado. «Rodrigo Queirós e Melo, que não hesita em afirmar que o Governo acabou de passar “uma verdadeira certidão de óbito ao sector dos contratos de associação”». Toda a gente pensava que havia setor público e setor privado e cooperativo mas o director executivo da AEEP vem dizer-nos que não, há um outro, o sector dos contratos de associação.
P.S. - Ainda não desisti do plano inicial de fazer uma homenagem a Nilza de Sena, fica para depois
foi quando a cmtv começou a passar os audios de escutas em que fui interveniente que decidi escrever este texto. atingi aí o limite. no fim de março, tinha a primeira versão finalizada. o objectivo era, claro, torná-lo público, e comecei por pensar postá-lo neste blogue e partilhá-lo no fb. amigos sugeriram-me que tentasse publicá-lo num meio em papel. contactei a visão e esta manifestou o seu interesse. impus condições: ou era publicado como estava ou não era de todo. quando escolhi o título -- 'o processo marquês e eu' -- a visão sugeriu que deveria ser 'sócrates, o caso marquês e eu'; respondi que tal estava fora de questão, porque não se trata de um texto sobre sócrates, e muito menos de um texto sobre sócrates e eu. considero por esse motivo um abuso e uma falta de respeito terem colocado esse título na capa: trata-se de uma frase na primeira pessoa, colocada sobre a minha imagem, que leva quem a lê a inferir que é dita por mim.
mas a visão foi ainda mais longe, apresentando o meu texto, em todas as ocasiões em que o descreve, como um desvendar de intimidade. um testemunho 'emotivo', como lhe chama o director da revista num vídeo postado no fb, o qual, assevera a visão on line, 'não é certamente um esclarecimento distante, desinteressado de quem consegue ter uma visão independente e fria sobre o que versa.' mas, afinal, por que raio quiseram publicar este texto 'emotivo' e 'sem distância', sem frieza e portanto sem rigor? a visão explica: 'por ele se percebe como josé sócrates se relacionava com o mundo e com o dinheiro.' ou seja, nada do que eu pretendo denunciar é importante; é sócrates, e o que possa revelar de sócrates, que interessa.
mas quem já leu o texto sabe que a visão enganou deliberadamente os seus leitores: não é pelo meu texto que vão perceber 'como josé sócrates se relacionava com o mundo e com o dinheiro' ou qualquer 'revelação' relativa a outros factos que não os que me tentam imputar. quem já leu sabe que ao contrário de uma narrativa 'emotiva' encontrou um relato factual e consubstanciado. opinativo, decerto; mas com o propósito de relatar e informar, ao contrário do que se passa com a descrição voyeurista, parcial e acintosa que a visão dele escolheu fazer. descrição essa que, faltando em absoluto ao rigor, elide cuidadosamente o propósito essencial do texto: defender-me das calúnias lançadas pelo correio da manhã e restantes publicações da cofina, expondo os métodos desses media e a perversidade do sistema judicial. aliás, a visão não faz uma única referência ao correio da manhã nas peças que fez sobre o texto.
avisei o director da visão de que ou começavam a fazer jornalismo, ou seja, a informar com rigor sobre o que este versa, ou eu publicá-lo-ia on line. não recebi um cêntimo por ele, não assinei qualquer cedência de direitos autorais, pelo que se mantém integralmente meu. e não só não aconteceu jornalismo na visão como me deparei, hoje, com um spot de rádio que diz 'fernanda câncio coloca tudo a nu.' a visão não se limita a querer vender revistas, todas as que conseguir, à conta de um texto que lhe ofereci; quer vender-me a mim e à minha dignidade neste spot ordinário. mas, ao contrário, é a visão que se põe a nu neste processo.
disponibilizo pois aqui o meu texto, para que sirva o seu propósito: denunciar, alertar, informar. e para que quem o queira ler e partilhar o possa fazer sem acrescentar lucro a uma publicação que provou ser indigna dele.
Esclarecimento público
O processo Marquês e eu
Falar? Calar? Qual a melhor forma de lidar com a calúnia? É possível ganhar uma guerra assim, ou travá-la é já perder? Faço-me estas perguntas há um ano e cinco meses. Decido agora falar. Sem esperar milagres, talvez esperando nada. Mas chega.
É com imensa repugnância e tristeza que me vejo forçada a fazer estes esclarecimentos públicos, já que me obrigam a entrar em domínios que considero serem os da minha vida privada, que sempre preservei e continuo determinada a preservar. Mas, perante a tentativa de destruir a minha reputação pessoal e profissional, devo falar. Aliás estes esclarecimentos coincidem com os prestados ao MP, e opto por ser eu a publicitá-los em vez de esperar que o meu depoimento, como tudo o que está em alegado segredo de justiça, seja truncado e manipulado pelos media que nisso se têm notabilizado.
A detenção de José Sócrates e Carlos Santos Silva, em novembro de 2014, foi um enorme choque para mim. Não apenas porque não via motivos para esta ocorrer, mas também porque só soubera da possível existência de uma investigação através da revista Sábado, em agosto de 2014.
Foi pela Sábado que soube ser CSS o proprietário de um apartamento em Paris que JS usara. Até então, estava convicta de que tal apartamento, que nunca vi e que pensava ser o segundo no qual JS teria vivido naquela cidade, tinha sido arrendado a proprietários franceses. Manifestei aliás a minha surpresa a JS, num telefonema que está decerto nas escutas.
Nunca tive conhecimento nem motivos para suspeitar da existência da relação pecuniária entre CSS e JS que os dois assumiram na sequência da detenção. Refiro-me aos empréstimos de CSS a JS e ao facto, também assumido pelos dois, de que foi CSS que pagou as férias que passou com JS e para as quais, por mais de uma vez, JS me convidou. Nunca vi motivo - e já lá irei - para suspeitar de que quem me convidava não assumia a sua e minha parte da despesa.
Nunca solicitei ou recebi de JS - nem de CSS, evidentemente - quaisquer quantias em dinheiro fosse a que título fosse: empréstimo, pagamento de quaisquer serviços por mim prestados ou oferta. É uma calúnia que publicações e o canal do Grupo Cofina, assim como o Sol, refiram ou sugiram sistematicamente que estou incluída num ‘grupo de mulheres’ que seriam 'sustentadas' por JS e CSS.
Da mesma forma, foi uma total surpresa para mim a revelação de que terá sido montada uma ‘operação’ de compra do livro publicado por JS. Não comprei um só exemplar nem assisti a nada que me levasse a suspeitar de algo do género.
Ignorava também que a ex mulher de JS trabalhava para uma das empresas de CSS e comprara um monte no Alentejo com garantia bancária deste.
8. Em suma, há uma série de factos que foram revelados e assumidos por JS e CSS depois de novembro de 2014 dos quais eu não fazia a mínima ideia. Nada no processo e em qualquer escuta pode permitir inferir o contrário - porque esta é a verdade.
9. Ainda assim, estou desde novembro de 2014 e, com mais intensidade, desde outubro de 2015, quando foi decretado o fim do segredo interno no processo, a ser alvo de uma campanha de calúnias que teve o seu apogeu no pedido de dois assistentes, funcionários do CM, para a minha constituição de arguida, pedido esse assumido como seu pelo CM, em notícia de 20 de dezembro de 2015.
As acusações do Correio da Manhã
10. E que alega o CM para me constituir arguida? Diz a ‘notícia’: “O pedido foi feito por dois assistentes, jornalistas do Correio da Manhã. Sónia Trigueirão e Sérgio Azenha requereram a constituição de arguidas de ambas, por branqueamento de capitais e fraude fiscal. Porque movimentaram o dinheiro de Sócrates – que formalmente pertencia a Santos Silva, mas que o MP diz ser do ex-primeiro-ministro – usufruíram da fortuna do amigo milionário. (…) Quanto a Fernanda Câncio terá de explicar as férias pagas por Santos Silva e também promessas de compras de imóveis. Câncio e Sócrates chegaram a tentar comprar uma casa no Chiado, que valia três milhões de euros, e visitaram uma quinta em Tavira com o propósito de a adquirirem. As escutas telefónicas mostram ainda que Câncio poderia saber que o dinheiro era de Sócrates.”
Solicitei ao MP acesso ao requerimento do CM, de modo a poder defender-me daquilo que o CM tornou uma acusação pública de crime. Foi-me respondido, e apenas em fevereiro de 2016, que existe “ausência de fundamento legal para que seja deferido, uma vez que a requerente não é interveniente nos autos (...), subsistindo vigente o regime do segredo de justiça, na sua vertente externa.”
O país saber do requerimento por via de quem o fez e publicitou não viola o segredo; eu conhecê-lo para me defender já viola. Mas, porque eu, ao contrário do CM, respeito a verdade e, ao contrário do MP, não me refugio em fórmulas sonsas, e porque é óbvio que neste momento quem quiser tem acesso ao processo – está em todas as redacções do país --, assumo que já o li.
E que diz o requerimento? Que “dos presentes autos resultam indícios de que tanto Sofia Fava como Fernanda Câncio (...) podem ter participado activamente na ocultação do produto obtido pelo Arguido JS decorrente do crime de Fraude Fiscal.” No que me diz respeito, afirma: “poderá ter beneficiado indirectamente de quantias que resultaram da prática de actos de fraude fiscal por parte de JS”; “em algumas situações, a própria poderá ter utilizado essas quantias, o que indicia que Fernanda Câncio poderá ter praticado atos próprios do Branqueamento de Capitais”; “das escutas realizadas e que constam dos autos, há fortes indícios de que Fernanda Câncio sabia que JS tinha avultadas quantias de dinheiro disponíveis, apesar de ser público que aquele, enquanto ex-PM não teria a capacidade económica e financeira para suportar aquele estilo de vida”; “resulta ainda do conteúdo das escutas recolhidas em sede do presente inquérito que FC tinha um conhecimento profundo dos negócios de JS, bem como dos gastos pessoais desse e que evidenciavam a existência dessas avultadas quantias de dinheiro.”
E onde estão os “fortes indícios”, “as fundadas suspeitas em relação a Fernanda Câncio”? Vejamos: “Desde logo, do SMS enviado por FC a JS no dia 22 de Setembro de 2013, onde aquela diz: “mas vais ver q ela volta para ti, não há assim tantos ex pm com massa e casa em paris disponíveis”; “outro indício resulta de uma conversa a 2 de Fevereiro de 2014, mantida entre os dois, onde aquela solicita o pagamento de um computador no valor de 1349 euros, pedindo também os dados do cartão de crédito de JS ao qual este último acede”; “a 24 de Junho de 2014, FC diz a JS que Dina lhe enviou um email com a descrição de uma casa (...) tendo ambos discutido a possibilidade de adquirir uma quinta que Fernanda e Dina julgam ser um bom investimento”; “a 1 de Julho de 2014 FC diz a JS que este perdeu a casa no Algarve, ao que este pergunta se o proprietário não a quer vender a si e a CSS”; “A 22 de Fevereiro de 2014, FC enviou um sms a JS, sugerindo uma visita de ambos a um apartamento duplex localizado próximo do largo do Caldas, imóvel esse que tinha o valor de venda de 2,2 milhões de euros”; “FC só poderia sugerir a aquisição do referido imóvel se tivesse conhecimento directo de que JS dispunha de uma elevada capacidade financeira para o adquirir”; “No mesmo dia, já em conversa telefónica, JS recusa-se a visitar o apartamento argumentando que isso seria ‘o primeiro passo para aparecer no CM’ e pediu para ser FC a visitar o dito apartamento”; “FC não questionou o sentido ou alcance desta afirmação, o que leva a crer que está ao corrente da proveniência (ilícita) dos fundos que iria utilizar para aquisição daquele imóvel”; “JS manifestou a FC o interesse em adquirir um imóvel em Tavira por 900 mil euros”; “Para além disso, resulta dos factos até aqui recolhidos que FC acompanhou JS em várias viagens ao estrangeiro: Veneza em 2008/2009, Menorca no Verão de 2009 e Formentera no Verão de 2014”; “Na viagem a Formentera, foi interceptada uma conversa de FC de onde resulta que esta tratou e programou os detalhes da viagem em conjunto e que essa estadia custou mais de 18 mil euros tendo a factura sido paga por CSS”; “Por fim, numa conversa escutada entre Inês do Rosário (mulher de CSS) e FC aquela insulta JS dizendo que o marido não merece o que lhe está a acontecer e FC concorda. Inês refere que JS iria ser ‘a cruz’ da sua família ‘até ao fim’ ao que FC responde que ‘não precisava de ser tão pesada’”; “Inês do Rosário volta a dizer noutra conversa com FC que tinha avisado o marido, CSS, que era um erro ir de férias com JS, que este ‘deu cabo da vida a todos’”. Para concluir: “Os Assistentes consideram existir fundadas suspeitas da cumplicidade de FC em muitos dos negócios que envolvem o arguido JS”; “Aplicando o Direito aos factos, constatamos que FC e Sofia Fava foram cúmplices do crime de branqueamento praticado por JS.”
Uma Justiça cúmplice de crimes
Antes de analisar as “fundadas suspeitas” que o CM, em milhares de escutas e de páginas do processo, logrou reunir, interessa revelar e recordar alguns factos.
a) Logo que o segredo de justiça interno caiu, e tentando evitar que sucedesse o que era óbvio que ia suceder -- divulgação de conversas privadas sem qualquer indício criminal, tentativa crescente de me implicar no processo por “contágio” -- coloquei uma acção de tutela dos direitos da personalidade contra as publicações dos grupos Cofina e Newshold. Na primeira instância, a decisão foi-me adversa; a sentença chega a aventar que eu queria exercer “censura prévia”. Interpus recurso; foi deferido pela Relação, que reenviou a acção para a mesma juíza. Convém no entanto explicitar algo que deveria ser evidente: colocar uma acção no termos em que coloquei significa que estou a alertar a Justiça para o provável cometimento de crimes contra mim; o efeito útil dessa acção só colhe se esses crimes forem cometidos. O que visava evitar era a tentativa de, através de falsidades, imputações caluniosas e publicação de escutas sem relevo criminal, me associar ao processo e criar a imagem pública da minha implicação nele, assim como continuar a devassar a minha intimidade. Se a acção tiver provimento, os meios em causa só serão condenados a indemnizar-me se se provar que atentaram contra os meus direitos. Ora na sua contestação, entregue em 12 de novembro de 2015, o Grupo Cofina e directores do CM e CMTV certificaram não haver intenção de criar suspeitas sobre mim. Cito: “Nenhum dos artigos em causa levanta qualquer suspeita sobre a requerente”; “É falso que os artigos contenham qualquer sugestão de que a requerente beneficiou, conscientemente, de qualquer benefício eventualmente ilícito que José Sócrates tenha obtido”; “Contrariamente ao que a requerente sugere, o facto de esta ter viajado com José Sócrates não fará seguramente dela suspeita nos crimes pelos quais este está a ser investigado”; “A requerente tanto quanto se sabe, não está indiciada pela prática de qualquer crime de corrupção, fraude fiscal ou branqueamento de capitais, nem tal coisa alguma vez foi escrita ou sugerida nos órgãos de comunicação social aqui referidos.” Um mês e três dias depois, o CM apresentou o requerimento em que pede a minha constituição de arguida, provando assim que mentiu na contestação apresentada e que o seu objectivo era, como alego na minha acção, implicar-me no processo e apresentar-me como cúmplice de alegados crimes.
b) Imediatamente a seguir à ‘queda’ do segredo de justiça interno, a 21 de outubro de 2015, o CM fez manchete com título “Operação Marquês. Mulher de Santos Silva confessa os esquemas.”
No texto lia-se: “Nas escutas telefónicas do processo Marquês, Inês do Rosário, mulher de CSS, deixou a nu os esquemas de branqueamento de capitais que envolviam o marido e JS. Após os arguidos terem sido detidos, a 21 de Novembro do ano passado, Inês foi apanhada numa conversa com Fernanda Câncio – ex-namorada de Sócrates – na qual revela que os milhões que estavam na conta de Santos Silva eram afinal do antigo primeiro ministro.” Nada no resto do artigo sustenta tal afirmação: nenhum excerto de escutas, nenhuma citação de conversa comigo. É natural: nunca existiu tal conversa.
Mas nem mesmo após eu exarar um desmentido sobre a manchete/“notícia” o CM fez qualquer correcção. Pelo contrário: sublinhou que as escutas em causa haviam sido “validadas por um juiz.” As escutas que estão no processo, com certeza; bem ou mal, foram validadas, é evidente. Mas onde estão as que suportam aquilo que o CM afirma?
c) Acusada na praça pública com base em elementos de um processo em segredo de justiça mas sem poder usar esses elementos para rebater a acusação, requeri acesso às escutas em que sou interveniente – e apenas a essas. A resposta chegou em fevereiro de 2016: na minha qualidade de “não interveniente nos autos” não tenho acesso legal, sendo o mesmo “apenas admissível após o encerramento do inquérito.
d) O MP sabia, à data desta sua resposta, que o CM, na sua categoria de assistente do processo, publicara notícias sobre escutas, reproduzira escutas e até noticiara o seu pedido de que eu fosse constituída arguida. Tudo isso viola o segredo de justiça “na sua vertente externa”; porém o MP nada fez. Mas quando uma interveniente em conversas escutadas requer o acesso às mesmas diz-lhe que não. O segredo de justiça torna-se, assim, uma defesa dos que o violam, e o MP a garantia de que quem é vitimizado pela sua violação não possa defender-se. Não só não impede que se viole a lei como protege quem a viola – e permite a quem o faz um tal sentimento de impunidade que a CMTV já passa áudios das escutas do processo.
e) No fim de outubro, após ser ouvida como testemunha, solicitei aos inquiridores, o inspector-geral tributário Paulo Silva e a procuradora Ana Catalão, que me esclarecessem sobre o que tencionavam fazer em relação às repetidas violações do segredo de justiça e às imputações falsas alegadamente baseadas no processo. Perguntei, por exemplo, onde estava no processo a evidência de que, como a CMTV afirmara a 24 de Outubro de 2015, eu “usava também o dinheiro de Santos Silva.” Paulo Silva foi peremptório: “Isso não está no processo”. Porém, ante a minha exigência de que o MP repusesse a verdade, lamentou não poder fazer nada; o problema está na lei que permite a constituição de jornalistas como assistentes, explicou. Aconselhou-me a recorrer aos tribunais.
f) Um agente da justiça com um processo à sua guarda admite a sua incapacidade de evitar que assistentes do processo usem o acesso privilegiado para não só violar o segredo de justiça como tentar incriminar pessoas imputando-lhes factos que não estão no dito processo. Mas recusa a possibilidade de ser a Justiça a repor a verdade, dizendo à vítima que a única forma de se defender é processar. Ou seja: a Justiça diz à vítima que não pode evitar um crime do qual é cúmplice pelo menos por inacção (ao não cumprir a obrigação de assegurar o segredo que decreta) e aconselha-a a recorrer à Justiça.
As “fundadas suspeitas”
E vamos então às “fundadas suspeitas” contra mim que estarão no processo. O tal em que figuram conversas minhas às quais não posso aceder a não ser quando passam na CMTV, truncadas e incluídas no meio de peças e “especiais” em que sou incluída em grupos de pessoas que, acusa-se, faziam pedidos de dinheiro e recebiam dinheiro, compravam livros por atacado, etc., de modo a insinuar que eu faria parte desse grupo – isto quando não se afirma mesmo que eu “usava o dinheiro de Carlos Santos Silva” ou “ajudei a esconder os milhões” (“Ex-mulher, Sofia Fava e ex-namorada Fernanda Câncio ajudam a esconder dinheiro”, titulava a primeira página do CM a 6 de Março, sem que, para variar, nada no texto fundamentasse a afirmação).
a) A SMS. “Não há assim tantos ex PM com massa e casa em Paris.” Que diz esta SMS? Segundo o CM indicia que eu sabia que JS é ex PM, que tem uma casa de propriedade sua em Paris e que tem (muito) dinheiro. É interessante, por este exemplo, aferir do critério usado para classificar as comunicações escutadas como tendo ou não relevo para o processo. Sucede que o que está na SMS é que JS tinha uma casa em Paris, tanto quanto eu sabia, arrendada. Sabem o MP e o juiz e por conseguinte o CM que nunca houve qualquer conversa sobre esse apartamento em que eu tivesse tomado parte (à excepção da já citada), sabem o MP e o juiz, e por conseguinte o CM, que nunca o vi.
b) A “massa”. Conheço pessoalmente JS desde 1998 e conheci a partir de 2000 a família alargada, verificando que todos viviam com desafogo. Além disso, pelo menos desde que JS ascendeu a secretário-geral do PS, em 2004, saíram regularmente notícias nas quais se falava da fortuna da família, se dizia que a mãe é rica, que o avô era rico, que os tios são ricos, que o próprio possuía um apartamento “de luxo” no centro de Lisboa, que passava férias “de luxo”, que se vestia em boas lojas, etc. Enfim, que tem “massa”. Mas uma SMS minha na qual, com ironia, refiro essa “massa” tem “relevância criminal”. E pode mesmo “provar” que eu “sabia”. Num processo com pelo menos ano e meio de escutas, para “provar” que eu “sabia”, desencantaram isto.
c) Vamos então à alegada “intenção de compra” de um apartamento que o requerimento do CM diz ser “junto ao Largo do Caldas” e custar “2,2 milhões” mas que a notícia relativa ao requerimento no CM, e todas as que se lhe seguiram no mesmo meio e na CMTV, situam “no Chiado” custando “três milhões”. Ora nada há nessa escuta – ou em qualquer outra – que comprove a teoria de que eu queria comprar um apartamento, ou outro imóvel qualquer, com JS. Infere-se, pelos vistos, que falar de um apartamento a alguém como sendo interessante implica que o quero comprar com essa pessoa. Mas há mais: infere-se igualmente que se eu punha a hipótese de JS comprar um apartamento de 2,2 milhões tinha de saber “a origem do dinheiro.” Ora, além de crer que JS tinha acesso a dinheiro de família, e de este me ter dito que auferia um alto salário como consultor, ele era proprietário de um apartamento que valia perto de um milhão de euros (de acordo com o noticiado, foi vendido em 2015 por 750 mil euros). E ele informara-me de que a mãe, ao mudar-se, lhe dera o apartamento dela, ou o correspondente em dinheiro. Não era, pois, extraordinário que pudesse pagar o que estava a ser pedido pelo apartamento do Caldas. Acresce um detalhe que tanto MP como CM conhecem mas que o CM nunca revelou (pelo contrário, já que o apartamento “se mudou” para o Chiado): o imóvel fica em frente à minha casa. É por assim ser que eu sabia o preço: liguei a perguntar, por curiosidade, quando o edifício foi reabilitado e os andares ficaram à venda; mas, ao contrário do que se quer fazer crer, nunca sequer o visitei.
Por outro lado se, como o CM afirma, eu queria comprar um apartamento com JS, e se este, na escuta citada, diz não estar interessado no do Caldas, onde estão os outros imóveis que propus para essa compra em conjunto?
d) A propriedade de Tavira que visitei com JS, e cujo arrendamento e venda está a cargo de uma amiga minha, agente imobiliária (Dina). Tendo passado lá um fim de semana, ele achou-a interessante e falou dela a CSS. Como havia duas casas, uma grande e uma pequena, foi-me dito que podiam comprar e dividi-la. A casa pequena custava, se bem me lembro, 360 mil euros. Não me pareceu fora do alcance de JS.
e) As férias. Quando alguém próximo faz um convite para passar férias não é costume perguntar se é a pessoa que nos convida que paga ou se é outra, como quando nos convidam para jantar ou almoçar não perguntamos de onde vem o dinheiro. Quem aufere uma avença de 25 mil euros/mês (que JS me disse receber) pode decerto pagar a meias um aluguer como o da casa em Formentera, e cujo valor eu conhecia. Não me passou pela cabeça outro raciocínio.
f) O computador. JS ofereceu-mo pelo meu aniversário. Encomendei-o no site da Apple, daí a necessidade dos elementos do cartão de crédito. Sublinhe-se: de acordo com a teoria do CM e CMTV, eu saberia “da origem ilícita dos fundos a que JS tinha acesso” e da circulação de dinheiro vivo entre CSS e JS, mas pedi a JS o número do cartão de crédito para fazer uma compra on line e portanto completamente exposta. Faz sentido?
g) Quanto a eu não ter questionado que se chegasse ao CM a informação de que JS visitara um apartamento de 2,2 milhões, eles noticiariam o facto: como é que isso pode remotamente indicar que “eu sabia a origem ilícita dos fundos”? Indica apenas que sei qual o “jornalismo” que o CM pratica.
E que respondeu o MP ao requerimento do CM? O CM não achou que tivesse relevância para ser noticiado com o mesmo relevo do pedido. Mas o MP respondeu ao requerimento e até se dignou, depois de a isso instado, a informar-me da resposta: “Já foi tomada posição nos autos sobre o estatuto aplicável à requerente, que foi ouvida como testemunha, não existindo, por ora e mesmo face ao recolhido após a inquirição, para que tal estatuto como testemunha seja alterado. (...) mantém-se, nos termos supra expostos o estatuto de testemunha com que a requerente foi convocada nos presentes autos.” Falta uma palavra nestas frases, que deverá ser algo como “motivo” ou “razão”. E está uma outra, atrevo-me a dizer, a mais: “mesmo”. “Mesmo face a recolhido após a inquirição”? Eis uma daquelas brincadeiras a que o MP nos habituou, e que consiste em nunca dizer nada que não possa ser interpretado de 10 formas diferentes e que não deixe a pessoa sobre quem incide a declaração na dúvida sobre o que a espera. Não se sonhe que o MP ia dizer preto no branco “não há nada contra esta senhora.” Isso, como o próprio MP já me disse de viva voz, não cabe ao MP. O que cabe ao MP, pelos vistos, é manter a dúvida, de forma a que eu vá sendo queimada em praça pública.
Como podia eu “não saber”?
Independentemente da campanha de calúnias de que sou alvo, é natural que haja gente bem-intencionada e séria que se questiona sobre como podia eu “não saber”. Aquilo que tem sido publicado e que o próprio JS (assim como CSS) já assumiu faz difícil perceber que alguém tido como próximo não tivesse pelo menos estranhado o que se revelou ser a disponibilidade financeira deste graças ao “dinheiro vivo” proveniente de CSS. Mas, como já disse, não só nunca me foi mostrada essa circulação de dinheiro como durante os períodos em que convivi com JS nunca o vi efectuar compras de valores incompatíveis com aquilo que eu acreditava – já expliquei porquê -- ser a sua capacidade económica. Nunca assisti a gastos que me parecessem ir além das possibilidades de alguém com acesso a um confortável pecúlio familiar e um bom ordenado. Almoçar e jantar em bons restaurantes, vestir-se em boas lojas, sim; mas conheço imensas pessoas que frequentam os mesmos restaurantes e compram nas mesmas lojas. Não sou aliás a única pessoa do círculo de JS a ter ficado surpresa com aquilo que se publica como sendo os seus gastos.
Se fizesse ideia da relação pecuniária entre CSS e JS teria feito perguntas por considerar a situação, no mínimo, eticamente reprovável. Mas nunca, desde novembro de 2014, fui questionada, por qualquer dos media que, ao longo de quase ano e meio, me tentaram implicar no caso, sobre o que eu sabia. Nem um pedido de esclarecimento, de entrevista, um questionário. Nada. Como interpretar isto? As regras do jornalismo (se quisermos fingir que achamos que certos órgãos praticam jornalismo) são claras quanto à obrigatoriedade de ouvir as partes interessadas. Isso mesmo frisou o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas face à queixa que lhe apresentei em dezembro (apesar de se referir a isso de passagem, como se não fosse gravíssima falta deontológica que, pela renitência, evidencia dolo e deliberação persecutória). E o próprio Octávio Ribeiro, director do CM e da CMTV, reconheceu numa entrevista recente que “isso [não terem tentado ouvir-me] foi uma grande falta nossa”. Para logo a seguir acrescentar que se quero ser ouvida sei onde são os estúdios da CMTV e a redacção do CM. Declarações que falam por si. E colocam ainda com mais acuidade a questão: porque é que o CM e a CMTV e o Sol nunca me perguntaram nada?
Tenho resposta para esta pergunta. CM, CMTV e Sol sabem muito bem o que estão a fazer. Tendo acesso a todo o processo, sabem que eu nada sabia sobre a relação pecuniária entre CSS e JS, e que isso, como tudo o resto que consideram “forte indício”, me foi ocultado. Sabem o CM, CMTV e Sol, sabe qualquer pessoa com acesso ao processo e sabe, desde logo, o MP. Por que motivo, então, estou há um ano e cinco meses a ser acusada e caluniada, numa clara deliberação de destruir a minha honorabilidade pessoal e profissional? Não faço ideia. Recuso-me a acreditar que o móbil destas acções esteja no facto de ser uma crítica do modo de actuação destes media. É demasiado ridículo e ao mesmo tempo assustador que esteja a ser “castigada” pelas minhas opiniões livremente expressas. Mas se não for isso, será o quê? Maldade pura? Teimosia na prossecução de uma estratégia que bem sabem ser estéril mas que, entretanto, faz ruído, dá audiências e me vai provocando mossas de difícil reparação? Convicção de que a Justiça nunca os chamará a reparar os danos que me infligiram e me continuam a infligir?
Por fim: disse-me o MP que se quero defender-me ponha processos. Se me quero defender do que me estão a fazer com a cumplicidade da Justiça, recorro à Justiça. Encorajador, não é? À Justiça recorri e recorrerei: é a forma de dirimir conflitos numa sociedade civilizada. Mas não posso dizer que tenha muita esperança no resultado. E sobretudo não posso esperar por uma decisão judicial que levará anos enquanto assisto à destruição da minha reputação graças à perversão da mesma Justiça à qual devo pedir auxílio. Não tenho, e sei que não tenho, forma de me defender de uma máquina judiciária a quem como todos os cidadãos de um Estado de Direito entreguei o poder de violar uma série de direitos fundamentais em nome de um bem maior, crendo que à entrega desse poder só poderiam corresponder uma responsabilidade e uma observância da lei à altura da dimensão dos danos que ele pode infligir. Uma máquina judiciária que permite que o seu poder seja usado por terceiros com intuitos venais e que ao permitir esse uso se contagia dessa venalidade. Não tenho forma de ganhar esta guerra porque o simples facto de a travar significa que já a perdi. Mas não tenho outro remédio senão lutar. Não posso assistir calada e quieta, mesmo se há muito quem me diga para fazer de morta a ver se passa, porque se reagir é pior. Estão enganados, claro. Se não reagir perderei aquilo que tenho de mais precioso: a minha identidade, o respeito por mim. É esse, para mim, o significado de juízo final; é nesse que não posso falhar.
(texto longo e em que provavelmente serei criticado à esquerda e à direita)
Uma das mais conhecidas falácias argumentativas, das muitas a que podíamos reconduzir os argumentos que têm sido utilizados para discutir a questão da denúncia (não renovação) de alguns contratos de associação como uma questão de liberdade de escolha, é a velha ignoratio elenchi.
Na verdade, o povo, na sua infinita sabedoria, refere-se às vezes a meter o Rossio na rua da Betesga, o que, como vou mostrar de seguida, é bastante certeiro no que toca à discussão falaciosa que alguns setores têm promovido.
I - A Betesga
Os contratos de associação, enquanto conceito jurídico com este nome, nascem em 1980, mas são antecipados na Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, de 1979, quando no artigo 8.º/2/a) se prevê que "Na celebração de contratos entre o Estado e as escolas particulares e cooperativas são consideradas as seguintes modalidades: [...] 2. a) Contratos com estabelecimentos que, integrando-se nos objectivos e planos do Sistema Nacional de Educação e sem prejuízo da respectiva autonomia institucional e administrativa, se localizem em áreas carenciadas de rede pública escolar".
Posteriormente, através do Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de novembro, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, prevê-se, no seu artigo 12.º/1, que "O Estado celebrará contratos com escolas particulares que, integrando-se nos objetivos do sistema educativo, se localizem em áreas carecidas de escolas públicas". Mais claro do que isto é difícil. Ainda assim o artigo 14.º/1 insiste, para que dúvidas não restem: "Os contratos de associação são celebrados com escolas particulares situadas em zonas carecidas de escolas públicas, pelo prazo mínimo de um ano" (destaques meus). Novamente, muito claro.
Até hoje o sentido deste tipo de contratos não havia merecido qualquer contestação pública e, muito menos, na literatura especializada. Durante décadas o que a lei diz foi entendido como uma concretização do n.º 1 do artigo 75.º da Constituição, que preceitua: "O Estado criará uma rede de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população".
Há pessoas que, pura e simplesmente, não conseguem perceber o que acabei de explicar nos 2 parágrafos precedentes. Ou, pelo menos, comportam-se como tal. Mas há outras que percebem. E replicam.
Argumentam certas pessoas que, não obstante o contrato de associação ter a noção clara que está citada acima e servirem para concretizar a norma constitucional que está também citada acima, tanto o conceito como a norma constitucional podem (devem?) ser interpretados de modo diferente. Isto à revelia do que a literatura especializada diz sobre o assunto:
a) "O facto de em certo domínio existir ou poder vir a existir uma escola particular ou cooperativa não isenta o Estado do cumprimento da obrigação constitucional [do artigo 75.º/1] [...] carecendo de fundamento constitucional o recorte de um dever jurídico do Estado garantir um hipotético princípio da equiparação entre o ensino público e o ensino privado". Mais: "O facto de numa determinada área de ensino ou região já haver uma escola privada ou uma escola cooperativa, sem que exista uma escola pública, não é motivo para não criar esta; é, antes, prova de que há uma necessidade pública de ensino que não encontra resposta, como devia, no sistema público de ensino [...] Sempre que haja défice de oferta no ensino público (por incumprimento do Estado do seu dever de criar as escolas necessárias), o Estado não deve ficar isento do seu dever de prestação do ensino, podendo e devendo para esse efeito acordar com escolas privadas (particulares e cooperativas) a prestação do serviço público de ensino, em condições iguais às das escolas públicas (programa, gratuitidade, avaliação, etc), mediante a devida compensação e controlo. Neste contexto se inserem também os contratos de colaboração - contratos de prestação de serviços - entre o Estado e as escolas particulares e cooperativas em áreas carenciadas de rede escolar pública (cfr. DL nº 553/80, de 21-11)"
(Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República portuguesa anotada, Vol. I, 4.ª edição, pág. 904)
b) "Para nós, as escolas com contratos de associação não se configuram como concessionárias do serviço público de educação; elas atuam na esfera privada, prestando um serviço de ensino a quem as procure. O Estado assume-se, nesse domínio, como um "cliente da escola", contratando no âmbito do direito privado. Pretendendo-se enquadrar os contratos de associação no domínio das formas de colaboração de particulares com o Estado, diremos, então, que eles remetem, em rigor, para um esquema de mera privatização funcional, tipicada na aquisição de um serviço privado que substitui a prestação de um serviço público ("troca" de uma actividade pública por uma privada)".
(Pedro Costa Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, pág. 503)
Isto é a Betesga. Uma questão simples, cirúrgica, circunscrita. A Constituição manda criar uma rede de estabelecimentos públicos de ensino; a lei permite contratar escolas privadas para suprir a falta dessa rede; o Governo pode livremente denunciar os contratos celebrados para suprir essas falhas quando elas deixem de existir. Isto é claro. Está previsto desde o início. As escolas contratadas sabem deste contexto, deste enquadramento legal. Eis a Betesga. Onde há quem queira, através de uma discussão completamente diferente e que tem em comum apenas o artigo 75.º/1 da Constituição, meter o Rossio.
II - O Rossio
Ao lado da questão de denúncia/não renovação de contratos de associação quando estes deixam de ter justificação, por terem desaparecido as falhas da rede que visam suprir, pode discutir-se a questão da liberdade de escolha do estabelecimento de ensino público ou privado, no sentido de liberdade de apenas pagar um dos sistemas, uma vez que a liberdade de escolha já existe nos termos do já referido artigo 75.º da Constituição, desta feita, n.ºs 1 e 2.
São questões distintas em tudo, desde logo porque a primeira pressupõe necessariamente a aplicação da norma constitucional e é uma sua decorrência enquanto mecanismo de gestão e a segunda pressupõe a sua alteração ou manutenção e por isso implica uma discussão jurídico-política com incidência numa potencial revisão constitucional.
Aliás, não por acaso, PSD e CDS, na gorada revisão constitucional de 2010/2011, propunham a alteração do artigo 175.º para prever claramente a expressão "liberdade de escolha" no que só pode ser interpretado como liberdade para apenas pagar por um dos sistemas, numa lógica de utilizador-pagador, e o PCP propunha o alargamento da rede pública universal e gratuita ao pré-escolar.
Esta é uma outra discussão, ideológica, mas também técnica e complexa. Devo dizer que, em primeiro lugar, sou favorável a um modelo que permita a liberdade de opção entre escolas públicas e privadas, independentemente do dever de contribuição para um sistema público universal. Ou seja, o que já temos.
E porquê?
A razão pela qual prefiro um sistema de escolha é auto-evidente: auto-determinação, como valor essencial assente na dignidade da pessoa humana.
A razão pela qual quero que ainda assim exista um sistema público, mesmo que eu não o utilize, prende-se com um dever de solidariedade elementar em que acredito e pelo qual me bato.
O significado de uma República assente na prossecução de um interesse público conformado por determinados valores é cada um de nós saber o que pode esperar do Estado e das suas opções.
Isto significa, no sistema educativo, que a existência de um sistema público garante-me que todos terão uma escola mesmo que a iniciativa privada não o ache recompensador. Para isso é preciso o investimento de todos.
É algo com que convivemos tranquilamente, mesmo em mercados liberalizados. Pense-se num caso tão simples como o correio, um mercado concorrencial. Nem por isso deixa de haver um serviço postal universal, pago por todos nós, mesmo os que não usam os correios ou não usam a empresa de correios concessionária do serviço postal universal. O importante é que o Estado, neste caso através de um contrato de concessão, garante que todos poderão aceder ao serviço de correio. Isto resulta de uma decisão política, que pode ser alterada, através de debate democrático.
O mesmo deve acontecer, quanto a mim, no sistema educativo, nos moldes que apresentei: o Estado devia assegurar um serviço escolar universal (para persistir na comparação com o exemplo do serviço postal universal), para o qual os meus impostos serviriam, independentemente de escolher uma escola pública ou privada.
Caso optasse por esta última, teria uma dedução fiscal significativa que compensasse parte do custo que retiraria ao sistema público e na medida da procura desse mesmo sistema público.
Esta é, sem dúvida uma opção ideológica, onde fraternidade e solidariedade se equacionam com a poupança de custos a título individual (discussão que vemos tantas e tantas vezes reproduzida na saúde ou na segurança social).
E daí a importância da dedução fiscal pela escolha de escolas privadas e a minha não defesa, por exemplo, do cheque ensino. Na opção que defendo, as famílias, mesmo que escolham inequivocamente uma escola privada têm ainda assim que suportar com os seus impostos um sistema público.
Além disso defendo, em segundo lugar, o que já implicaria uma alteração constitucional, que o Estado possa escolher, com obrigação de manutenção por um dado período de tempo, não ter oferta pública assegurada diretamente por si, numa dada zona, e contratar essa oferta a escolas privadas, desde que fosse assegurado que o serviço seria exatamente igual ao serviço prestado em escolas públicas no que diz respeito a certas práticas e objetivos, o que é o aspeto mais difícil de assegurar estando em causa a educação (pense-se no caso de escolas confessionais).
Este serviço público universal, por ser público, teria que seguir as regras públicas essenciais, podendo inovar-se nesse quadro, sejam as escolas públicas ou privadas. Este aspeto é fundamental e é o pilar do republicanismo: os pais que querem e confiam num sistema público de ensino contam com as características desse sistema público, mesmo que a única oferta seja uma escola privada. Ora isso é algo que, mesmo contratando escolas privadas para substituirem a ausência de escolas públicas, é sempre algo difícil de conseguir, como demonstra qualquer atividade regulada, mas que é particularmente sensível no caso da educação, onde a escolha entre opções no mercado não se faz como a mesma flexibilidade do que noutro tipo de mercados (o postal, por exemplo) e em que os valores em causa não são os mesmo que estão normalmente associados a uma atividade económica concorrencial (a educação não é uma mera utility).
Sublinho que seria uma escolha do Estado, ou seja, de toda a comunidade política, quanto a algo que diz respeito, potencialmente, a toda a comunidade política. Pense-se num município que lance um Título de Impacto Social para a criação de uma escola do primeiro ciclo que melhore os resultados escolares, em vez de ele próprio criar essa escola.
Evidentemente, seria necessário também ter regras quanto ao planeamento e antecipação na escolha da escola pública ou privada, uma vez que, devido à existência de economias de escala e vínculos contratuais, não é a mesma coisa, seja no sistema público ou nas escolas privadas, planear uma oferta para 100, 1000 ou 10.000 alunos numa dada cidade ou região (isto seria um critério para determinar o alcance da referida dedução, a atualizar numa dada janela temporal).
Mas tudo isto que acabo de defender, que é apenas um esboço, que é complexo, que está sujeito a debate e contra-debate, a naturais afinações e dissensos, não implica que negue a realidade e que esqueça que implicaria uma revisão constitucional. Isto que acabei de defender é o meu contributo para discutirmos qual deve ser o futuro do Rossio. Não é uma forma falaciosa de querer meter o Rossio na Betesga.
Não é uma forma de confundir as pessoas, contaminar o debate público em torno da denúncia de contratos de associação, no quadro constitucional e legal que temos, agora, e assim dificultar um outro debate já de si complexo, como muitos querem fazer.
Gostava de dar um recado aos responsáveis do programa NXT, da TVI 24: caros(as) senhores(as), não sei de que orçamento dispõem, deve ser baixo, deve ser miserável, eu commpreendo. Mas se é para passarem só bonecos, se calhar não se justifica o programa existir. Pior, se é para induzirem os espetadores em erro com traduções absurdas, é pior ainda: não apenas não serve para nada como ainda enganam as pessoas. Falo do programa que passou há meia hora, hoje.
Não, não estou a falar de português correto, elegante ou literário. Esse, que desapareceu das televisões e está em extinção na imprensa e nas crónicas, não se espera que faça a sua aparição num programa sobre ciência. Estou a falar de vocabulário científico básico. Vejam lá que até eu, um das "Humanidades" pouco acima de grunho em matérias científicas (as genuínas), dei por ela. O vosso tradutor, que deve formação idêntica à minha, não. Bah tudo tretas, qué quisso interessa, para quem é, marcha tudo, não é? É mais ou menos isso, a gente sabe.
Falo da diferença entre fusão e fissão. Agora faço de conta que tendes todos 4 anos. "Nuclear fusion" é "fusão nuclear", não "fissão nuclear"; a primeira é o possível e várias vezes anunciado El Dorado do futuro da Humanidade em termos energéticos (a frio, a quente ou a morno); a segunda (a cisão do átomo) é "energia nuclear", mas também Chernobyl, Hiroxima, The Day After. Passar minutos a ouvir cientistas a falar das esperanças da nuclear fusion mas lê-los a anunciar as maravilhas anunciadas da fissão nuclear é um crime de lesa ciência neste país onde, ehr, não se pode dizer que a cultura científica impere. Se os vossos "programas de divulgação da ciência" servem para meter mais confusão na cabeça das pessoas, oh porra, então limitem-se ao que sabem fazer, que são reality shows.
Não me parece ser preciso grande conversa, basta ir buscar, por exemplo, o artigo 19 da Constituição de Angola e dar uma espreitadela no portal do governo angolano.
Não sei se a Lei sobre o Estatuto das Línguas Nacionais foi ou não publicada, mas é irrelevante para o caso. Já se perdia a mania de tratar as línguas africanas como dialetos, não?
Falemos agora da vivência interna dos alunos. As alunas e alunos do CM relacionam-se entre si e com a restante comunidade educativa dentro da especificidade do seu enquadramento e formação de matriz militar, a qual não deixa de ser uma extensão da formação cívica ministrada nas outras escolas, em que transmitem os mesmos valores e princípios para a cidadania através de regras e procedimentos associados à vida militar. Esta formação de matriz militar, o internato, o volume de atividades escolares e complemento curricular, os estudos obrigatórios e os inúmeros eventos, militares e não militares, de representação do colégio em atividades exteriores são sinónimo de maior exigência de trabalho, menos tempo livre, mais deveres mas nunca menos direitos de serem crianças e jovens com as brincadeiras, as alegrias, as tristezas, os entendimentos e desentendimentos, códigos e tabus, o seu comportamento tem de ser visto neste enquadramento e não no das exigências que são feitas a adultos.
Quanto ao subdiretor do CM, o tenente coronel António Grilo é um oficial de exceção, com uma excelente capacidade de liderança, a par de inegáveis princípios e valores de conduta profissional. Considero ter sido um dos pilares para que a transformação interna para o ensino misto no CM tivesse êxito em consequência da reforma efetuada. Não nos esqueçamos que muitas dúvidas eram colocadas no âmbito da eventual discriminação de género relativa â admissão de alunas. Pecar por omissão ou deixar as coisas seguirem o seu caminho não faz, de todo, o jeito deste oficial e a reserva que considero sempre possível e justa nas suas declarações a uma jornalista decorre não só das suas qualidades pessoais e dos seus valores e princípios de conduta profissional, mas também das condições em que foi efetuada a entrevista, das questões de semântica, bem como de algum artificio e criatividade jornalística nas perguntas e nas citações. interpretadas posteriormente ao sabor de variadas conveniências e apreciações, as quais vão muito além da simples discussão da alegada discriminação por orientação sexual no CM e muito a jeito de juizos que inferem processos de intenção sobre o futuro desta instituição. Nas suas declarações este oficial referiu-se tão só aos afetos que não são permitidos no regulamento interno, os quais não são exclusivos de alunos homossexuais.
Transcrição de parte da audição desta manhã ao Major Cóias Ferreira
- A homossexualidade é um tabu também? para vocês?... silêncio
- Hum, é uma maneira de mantermos, hum... como é lógico a sexualidade é aberta na sociedade e a homossexualidade é aceite legalmente. Poderemos dizer que é uma maneira de salvaguarda da sã [sic] relacionamento entre eles no âmbito do internato. Eles não se cobrem para nada, não se escondem para nada, não têm armários fechados, é sempre tudo aberto para poderem viver como irmãos que são. E na salvaguarda desse relacionamento é bom que não haja afetos.
- Mas esta tríade, digamos assim, é passada para eles, roubo drogas e...
- É deles, não é passada para eles, é deles
- É absorvida e defendida...
- É deles! É deles,é deles, temos conhecimento delas sim, sempre que ocorre qualquer situação dessas não é considerado denúncia e imediatamente as sabemos. Imediatamente, eles próprios se encarregam disso..
- De vos transmitir isso...
- Eles próprios...
- O que é que vocês fazem nesse momento?
- Hum?
- Falam com os encarregados de educação?
- Falamos com os encarregados de educação, como é lógico. Há situações que, situações de furto e droga é transferência de escola imediata. Situações de afetos, falamos com os encarregados de educação e procuramos - e temos conseguido - que os encarregados de educação percebam, porque não podemos fazer transferência de escola...
- Não é motivo..
- Não é motivo para isso mas que os encarregados de educação percebam que o seu filho acabou de perder espaço de vivência interna e a partir daí vai ter grandes dificuldades de relacionamento com os pares, porque é o que se verifica. são excluídos
- São excluídos? pelos outros? já aconteceram muitas situações dessas?
- Não, quando acontecem... aconteceram muits situações? hum...lembro-me de uma
- E o que é que aconteceu exatamente?
- Nada de... Nada de... Nada de transcendente, ou seja, uma determinada orientação de um aluno que não...
- Mas ele falou sobre isso? Fez alguma coisa? Tentou acarinhar um aluno?
- Sim, tentou, e a partir daí, como é lógico, ele continuou e de facto foi isso que se comprovou, ou seja, os pais ainda quiseram que ele se mantivesse mas perdeu o espaço, perdeu o espaço porque foi completamente excluído e perdeu espaço de convívio...
- Quem é que o denunciou?
- ... o que num regime de externato pode ser. pode ser, han, governável ou pode ser gerível, num ambiente de internato, 24h por dia, é extremamente pesado para o equilíbrio de uma pessoa
Transcrição não editada do excerto da conversa com a Catarina Rodrigues do Observador que deu origem à polémica