Sarkosy-Point
Nunca vimos isto. Um presidente assume funções casado; divorcia-se com estrépito; passados dois meses assume, em conferência de imprensa (após umas centenas de fotos em tudo o que é sítio) um relacionamento novo, insinuando a hipótese do casamento; uns dias depois sai a notícia de que se casou sem que tal seja oficialmente confirmado ou desmentido. Isto enquanto a namorada/mulher aparece (desde esta semana) numa campanha publicitária da Lancia. Entre o enlevo dos que vêem "um caso de amor", aclamando o discurso presidencial da "ruptura com uma tradição de hipocrisia" (referindo-se aos seus antecessores, que se desmultiplicavam em affaires extra-conjugais, com filhos "ilegítimos" e tudo, mantendo a aparência sonsa da seriedade intocável) e a irritação dos que o acusam de infantil révanche face ao abandono de Cécilia e de instrumentalização da vida privada para dividendos políticos, o caso Sarkozy/ Carla Bruni transformou-se numa espécie de Benfica/Sporting. Ségolene Royal, a opositora socialista da corrida à presidência, comparou-o ao Rei-Sol, incluindo-o na tradição monárquica da indistinção entre privado e público. Mas é a mesma "Ségo" que anunciou a sua separação do líder do PS francês (cujo lugar pretende ocupar) acusando-o de infidelidade. E Sarkozy é o mesmo que enviou a mulher em missão oficial à Líbia e que saiu a meio de uma entrevista televisiva quando lhe perguntaram se se ia separar, resmungando: "Que pergunta é essa?". Não há decerto uma forma perfeita de gerir a relação esfera pública/ íntima. E isso é ainda mais óbvio quando se descola, por vontade ou necessidade, do convencionalismo do matrimónio "consolidado" (seja lá isso o que for) e oficial (com e sem aspas). Lá por ser presidente, Sarkozy não deixa de ter todo o direito de se enamorar e namorar. E não é decerto por ter escolhido uma ex top model e cantora pop, o que exponencia o interesse mediático, que deve ser atacado. Namorasse com quem namorasse (ou não namorasse de todo), decidisse casar "a correr" ou nunca, o presidente solteiro seria sempre alvo da curiosidade e das maledicências. Mas Sarkozy escolheu fazer desta relação um espectáculo – como aliás da anterior. É um caminho perigoso, que adensa a confusão geral sobre o que é ou não admissível perguntar ou mesmo "exigir" saber sobre a vida das pessoas que ocupam cargos públicos, em França como em Portugal. Uma confusão em que ele já se enredou fundo, quando fez equivaler as fotos com Carla que permitiu que lhe tirassem nos mais variados cenários com "não se esconder". Tristes tempos estes em que não aparecer de mão dada na capa das Paris Matchs e Lux é "ser hipócrita" e em que, parece, só há duas hipóteses: políticos sonsos ou exibicionistas, intimidades secretas ou completamente expostas. Tempos inquietantes, de que Sarkozy é o símbolo, o remate que define doravante o jogo – o ponto de não retorno, talvez. (publicado hoje no dn)

