Mimesis
Posso estar a forçar uma interpretação, mas, ou muito me engano ou o Pedro Picoito parece querer mostrar que a genialidade decadente de Amy Whinehouse é uma espécie de corolário da revolta moderna contra Deus; e, com isso, implicitamente, credibilizar a posição—conservadora— que a antecedeu. Mas a ideia de que no final do sec xviii o romantismo consagrou o génio criador e que este "já não é a voz dos deuses, mas um Prometeu moderno, o intérprete do progresso da Humanidade. A sua autodestruição é o preço por nos dar mundos novos e interditos. O fogo do génio queima aqueles que se revoltam contra a condição de mortais. A única verdadeira inovação do século XX é o crescimento do mercado da imortalidade, com os media e a cultura de massas", parece-me uma visão algo redutora e parcial da arte pós-romântica. A ideia de Génio, como alguém que substituiu Deus enquanto entidade criadora única, não tem de redundar numa apoteose subjectivista. A crítica a interpretações puramente subjectivistas, em que o acto criador se sobrepõe ao significado e ao valor do produto criado—engendrando uma espécie de fetishismo idólatra do artista—não é propriedade única de posições conservadoras (tementes a Deus ou outra ordem qualquer que nos proteja da demência humana); essa crítica já foi feita, sem, no entanto se rejeitar a revolta anti-dogmática operada pelos românticos, como parece ser a intenção de Pedro Picoito.