As (auto-) Benevolentes
Salvo honrosas excepções, o grosso do jornalismo português mostrou, mais uma vez, que não tem pingo de vergonha e decidiu assobiar para o lado no 'caso Freeport', descartando qualquer responsabilidade pela tempestade de calúnia e difamação mediática a que sujeitou José Sócrates durante os últimos anos. 'A culpa é da justiça'; 'a montanha pariu um rato'; ou, num editorial do Público (sem link) que é um verdadeiro case-study sobre a(ir)responsabilidade do jornalismo português, 'a justiça investiga mal um caso que vendeu na praça pública como escaldante para depois concluir que nada de relevante acontecera...culpar os media é um exercício fácil. É inegável que houve excessos, mas também é inegável que houve fontes'. Ou seja, os media rejeitam toda e qualquer responsabilidade associada ao poder que exercem e assumem-se como vítimas inocentes de uma justiça disfuncional.
Não lhes ocorre que 'a montanha' - a tal que pariu um rato - foi alimentada e explorada por esses mesmos media. Não lhes ocorre que as 'fontes' só existem porque do outro lado havia alguém disposto a servir de correia de transmissão de fugas de informação selectivas (algumas mentirosas, como se veio a provar) por parte de elementos sem escrúpulos ligados ao processo judicial. Não, não lhes ocorre nada disto porque, tragicamente, continuam a existir demasiados jornalistas que não percebem (ou fingem não perceber) que todo o poder implica responsabilidade e que os media não se limitam a descrever a realidade; criam-na.
Se é verdade que a justiça não sai nada bem de todo este caso, não é menos verdade que, enquanto a Justiça procedia às suas investigações, nos termos da lei, tudo se tenha dito sobre e contra o José Sócrates na praça pública, sem quaisquer reservas em relação à sua honra e bom nome. Quer isto dizer que não se pode deixar de lamentar que o princípio da presunção de inocência – que é central num Estado de Direito – seja tão mal entendido por tantas pessoas.
Apesar das tentativas de Mário Crespo, de José Manuel Fernandes (que insinua que Cândida Almeida impediu que Sócrates fosse acusado) e de outros caluniadores profissionais em desacreditar a investigação, os factos são estes:
- As suspeitas sobre José Sócrates tiveram origem numa carta anónima cujo autor tem ligações ao chamado grupo da Aroeira, Os principais elementos deste grupo seriam Miguel Almeida, ex-chefe de gabinete de Santana Lopes, Armando Jorge Carneiro, empresário e accionista maioritário dos antigas publicações "Euronotícias" e "Tempo", Vítor Norinha, jornalista, Bello Dias, advogado, antigo sócio da sociedade de advogados Rui Gomes da Silva (ex-ministro dos Assuntos Parlamentares de Santana Lopes), e Zeferino Boal, ex-militante do CDS-PP em Alcochete;
- As entidades responsáveis pela investigação anunciaram que concluíram o inquérito sem que tenham encontrado quaisquer indícios contra o PM que o pudessem de alguma forma levar a responder perante a Justiça;
- Sócrates não foi ouvido nem sequer arguido neste processo;
- Como disse o José Sócrates desde o primeiro dia, e como a nota do DCIAP vem agora confirmar, todas as decisões que na altura tomou enquanto Ministro do Ambiente foram feitas no estrito cumprimento da lei: as perícias ambientais e urbanísticas efectuadas no âmbito deste inquérito não detectaram quaisquer irregularidades no processo de licenciamento;
- Os factos agora conhecidos significam que todas as notícias em que se sugeria ou afirmava que havia razões para que o PM fosse constituído arguído neste processo eram simplesmente falsas. Tais razões, como se comprova, nunca existiram.
De todas as vezes em que o PM falou sobre o caso, muitos disseram que pretendia 'vitimizar-se'. Na verdade, limitou-se a exercer o seu direito de defesa em relação às sucessivas acusações infundadas que lhe foram feitas na praça pública. Infelizmente, há quem não seja capaz de perceber isto e, despudoradamente, insista em dizer que, como Sócrates, também eles foram vítimas da justiça portuguesa.