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perguntas que importam

As perguntas que os jornalistas colocam não são necessariamente as mesmas que interessam à justiça. A justiça investiga procedimentos considerados faltosos do ponto de vista da lei; os jornalistas podem fazer o mesmo e até pensar como investigadores judiciais - desde que tenham sempre presente que o não são - mas podem também explorar zonas de penumbra, ligações suspeitas/perigosas, fazer um levantamento de indícios e "estranhezas" e até retratos de carácter. O que não é suposto suceder, nunca, é os investigadores judiciais pensarem como jornalistas - ou seja, procurarem aquilo que julgam que poderá interessar ao (seu) público ao invés de se concentrarem em confirmar ou infirmar factos relacionados com matéria criminal.

 

Quando se lê, no despacho final do inquérito do processo Freeport, que os dois procuradores que há 17 meses têm o caso em mãos lamentam não ter podido ouvir o primeiro-ministro e uma outra pessoa (o seu secretário de Estado quando ministro do Ambiente), e que dizem não ter podido fazê-lo por lhes ter sido imposto um prazo para encerrarem a investigação e ser necessária autorização superior para ouvir o PM (já no caso do ex-secretário de Estado era só convocá-lo, mas pronto), fica-se de boca aberta. Então depois de durante ano e meio saírem repetidas notícias sobre o envolvimento do PM - quer como alvo da investigação quer como autor de "pressões", pressões essas denunciadas precisamente pelos dois procuradores que assinam o despacho - o caso chega à acusação com os investigadores a dizer que não lograram fazer-lhe as perguntas (27, nem mais nem menos) que "importavam"? Quem os impediu? Que força os bloqueou? Que pressões os travaram, suficientemente ponderosas para impossibilitar a demanda mas não para obstar à queixa?

 

O procurador-geral da República já determinou a abertura de um inquérito com o objectivo de responder a estas questões. Mas, enquanto esperamos, podemos satisfazer a curiosidade: as tão importantes perguntas estão no despacho e foram reproduzidas nos jornais. Por exemplo, os procuradores queriam saber se o PM recebeu uma carta de um dos acusados, Manuel Pedro, em que este lhe chamaria "Caro Amigo"; se consegue explicar afirmações de um primo sobre o facto de o pai desse primo se gabar da sua relevância no licenciamento do Freeport; se consegue explicar porque é que o PS mandou um e-mail de propaganda para outro dos arguidos, Charles Smith, "apesar de este ser estrangeiro". Sim, paremos de esfregar os olhos: é mesmo uma resenha das manchetes do caso Freeport. E é mesmo a entrevista ao PM que toda a gente queria ler. Dá-se o caso de ter sido alinhada por dois procuradores num processo-crime e de não haver nas perguntas qualquer relevância criminal. Mas é uma boa prova.

 

(publicado hoje no dn)

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