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o homem transparente

Toda a gente conhece aquele filme em que um cientista toma a poção da invisibilidade: fatos que se movem sem ninguém lá dentro, cigarros fumados pelo ar e tropelias a suceder-se sem que se vislumbre o autor. A performance recente de Passos Coelho, com relevo para o espantoso comício do Pontal, recordou-me esse clássico de 1933 baseado no livro de H. G. Wells e sobretudo a sua remake de 2000, O Homem Transparente.

 

Militante do PSD há muito, Coelho só se tornou notório na cena política aquando da disputa de 2009 à liderança do partido. Durante o tempo de Ferreira Leite, demarcou-se habilidosamente do discurso da líder e da via da "Verdade" que ela sintonizou com Belém, aparentando uma atitude de quem queria discutir políticas e não caracteres; ao assumir a liderança, adoptou a postura de "homem de Estado". Foi por ali acima nas sondagens e, encorajado pela maioria absoluta virtual, avançou com uma proposta de revisão constitucional que sublinhava a flexibilização dos despedimentos. O resultado foi o expectável: uma quebra de dez pontos percentuais que o colocou pouco acima de um partido desgastado por cinco anos de governação e por uma crise económica brutal. Aflito, Passos Coelho desmultiplicou os lugar-tenentes em declarações contraditórias e patéticas (a palma vai para Relvas), mas pareceu ter o bom senso de se proteger do recuo ideológico. Até ao Pontal. O homem que apareceu no Pontal enterrou o liberalismo na areia juntamente com a "indispensável" revisão constitucional; atreveu-se ao mau gosto de, ontem defensor incondicional do "direito a escolher na saúde" e do recurso aos privados e crítico daquilo a que chama "o Estado social", associar a tragédia da clínica privada de Lagoa às "filas de espera" (ou coisa que o valha, tal a ininteligibilidade); perante o estado de guerra no ministério público saltou para o lado do sindicato acusando o Governo de "como nenhum outro interferir na justiça" - repetindo assim as acusações e insinuações da direcção do PSD que derrotou.

 

A única coisa em comum entre o Passos Coelho de antes do Pontal e de depois do Pontal é, então, o fato de presidente do PSD e a vontade (que vem com ele) de chegar ao poder - sendo que até a pressa que agora o consome contrasta com a arguta paciência que lhe era atribuída. Face a tal revelação, ver o salvífico e responsável Coelho que foi a São Bento apoiar o PEC 2 fazer a ameaça de chumbar o Orçamento do Estado para 2011 por causa do PEC 1 (viabilizado pelo seu partido em 2009 e compromisso do País perante a UE) não pode surpreender: como o cientista do filme, Passos Coelho parece achar que não deixa rasto. Uma constatação tanto mais irónica quanto houve quem visse nele um homem de ideias. E claras, ainda por cima. Eram transparentes, afinal.

 

(publicado hoje no dn)

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