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uma das lições a tirar, antes mesmo do protesto que esta tarde vai unir lisboa a mais 110 cidades de todo o mundo, é que mesmo num caso aparentemente tão claro de barbárie e selvajaria as hostes se organizam em função do que pensam serem as identidades e objectivos de quem organiza. blogues habitualmente tão críticos de tudo o que cheire a islão mantêm ou um rigoroso silêncio sobre a iniciativa ou reproduzem textos de confrangedora infantilidade (para não dizer estupidez pura), espécie de 'não contem comigo para ir para a rua gritar, eu cá é mais bombas' -- como se a inacção perante o horror fosse uma alternativa mais 'pura' que a expressão do horror perante o horror, e como se mais não houvesse no mundo senão egos televisivos.
alguém sabe o nome de quem organizou este protesto, além do grupo de pessoas que estão desde o início -- há uns dias, no facebook -- nele? alguém sabe mais que o facto de serem pessoas ligadas à esquerda e à defesa da liberdade individual e dos direitos das mulheres que o subscrevem? não. e porquê? porque nenhum dos que organizaram quer palco -- quer apenas que hoje, em lisboa como em sidney, nova york, ancara e rio de janeiro, haja gente na rua a dizer não às repugnantes decisões de tribunais religiosos e às execuções decididas por um governo teocrático e brutal (e se foi eleito democraticamente ou não, francamente, não interessa para o caso: não age como um governo democrático).
é instrutivo, sim, assistir ao silêncio e aos insultos que são a reacção de uma parte considerável da blogosfera portuguesa e dos grupos organizados da sociedade em relação a isto.
de um lado, a direita caceteira e sempre pronta a arrasar tudo o que cheire a islão mas que recusa associar-se a um protesto contra a lei islâmica do irão porque lhe parece ter objectivos 'esquerdistas'; do outro aquilo que passa por esquerda mas mais não é que a putrefacção das ideias mais totalitárias, que acusa milhares, talvez milhões de cidadãos autónomos e anónimos que não suportam a ideia de execuções arbitrárias ou simplesmente de execuções tout court de serem 'manobrados' pela cia e pelo 'sionismo'. gente tão desgraçada, esta, que nada mais vê que 'instrumentalizações' e 'maquinações' naquilo que há de mais espontâneo e generoso e justo: protestar contra a barbárie.
nós escolhemos dizer não. vocês escolhem calar-se ou, pior, escolhem tentar calar-nos. fica escrito, fica dito.
adenda: miguel madeira e miguel serras pereira.