Depois dos insultos de ontem, Bento XVI continua a assacar aos ateus e/ou secularistas os males do mundo. Hoje a grande revelação foi a causa da crise económica: parece que desta vez a culpa foi do secularismo, esta pecha de marginalizar a religião que impede serem os católicos, ou antes, o Vaticano, que tem larga experiência na coisa, a decidir como devem ser moralmente geridos os bancos. E para frisar como a religião é tão marginalizadinha num dos poucos países com religião de Estado na Europa, o papa, nesta sua incursão pelo Parlamento onde têm assento, não eleito, 26 bispos, resolveu repescar uma velha invenção da cristianovitimização, a alegada guerra ao Natal levada a cabo por malvados secularistas.
Nem consigo imaginar que outras calamidades iremos descobrir terem sido causadas pelos ateístas ou secularistas. As alterações climáticas? O desastre que isolou os mineiros no Chile? Os maus resultados do Benfica? Como antídoto às tolices papais, recomendo Polly Toynbee, no Guardian, que, como é habitual, nos brinda com uma análise lúcida deste segundo dia de visita papal.
Nope, significa apenas que, infelizmente, o resto do discurso foi uma reciclagem da famosa palestra de Regensburd ou Ratisbona - com a necessária susbtituição dos irracionais islâmicos (insinuados en passant neste excerto) pelos irracionais ateus e secularistas.
Ontem, como há 4 anos, Ratzinger pretende que os males actuais só podem ser remediados se retornarmos aos «bons» velhos tempos em que a religião, versão catolicismo debitada pelo Vaticano, era a fonte principal de «conhecimento» ético e dominava todos os aspectos da polis, nomeadamente impondo via direito a (i)moral católica que Ratzinger confunde com ética.
Aliás, na alocução da manhã para os alunos de uma escola católica, B16 voltou ao tema central da palestra de Regensburg: um ataque à ciência «que tornou Deus supérfluo», causa última da «tal ditadura do relativismo» que enche os discursos do papa, ou seja, o secularismo, laicidade, respeito pelos direitos humanos, tolerância e plurarismo.
No parlamento, lá voltou ao mesmo: a necessidade de submissão de todas as áreas de conhecimento à teologi, católica, claro, um retorno à velha máxima católica Scientia ancilla Theologiae
A citação que faz está errada: não é "scientia" mas "philosophia". E significava que a razão filosófica, estando ao serviço da teologia, dava a esta a possibilidade da fé encontrar as razões (justificações) do seu crer, ao mesmo tempo que a própria razão encontrava no Transcendente o sentido último e a causa primeira do que ia conseguindo apreender e tornar claro pelo raciocínio e a demanda da verdade.
Era uma perspectiva de relação ordenada e não de oposição ou redução...
Não havia ciência na altura, só filosofia por isso é óbvio que é uma adaptação da philosophia est ancilla theologiae medieval para não ocorrerem confusões com os crentes mais ignorantes destas coisas que não sabiam que aquilo que hoje designamos como ciência era a filosofia natural e justificavam que a perseguição do atomismo por ser uma "filosofia" adversa ao cristianismo.
mas a citação significava exactamente isso, que todo o conhecimento devia ser servo da teologia, ou seja que todas as formas de conhecimento deviam ser subordinados à teologia.
aliás como reconhece o do insuspeito José Sebastião da Silva Dias, em relação aos escolásticos, «Continuaram a subordinar a filosofia à teologia, a razão à autoridade, a criação ao comentário, quando as ciências particulares lutavam pela sua independência e os homens cultos procuravam bases puramente racionais para a filosofia».